Caracteriza-se como uma instituição de educação que presta serviços
educacionais e/ou de assistência social, colocando-os à disposição da população
sem exigir por eles qualquer tipo de remuneração. Em geral, esses serviços
prestados pelas escolas filantrópicas são caracterizados como atividades
complementares à ação do Estado; por essa razão, podem ser entendidas como
medidas compensatórias, mas necessárias, para assegurar o acesso da população a
determinados serviços. A filantropia é regulada pela política de assistência
social, mas, apenas com a Constituição Brasileira de 1988, é que a assistência
social adquiriu status de política
pública. Até então, as ações vinculadas à assistência social eram relegadas às
atividades comandadas pelas primeiras damas dos municípios, dos estados e da
União, numa perspectiva claramente identificada como favor, benesse,
assistencialismo, que, de certo modo, reproduzia a condição de subalternidade
do usuário. Após a Constituição de 1988, foi aprovada a Lei Orgânica da
Assistência Social (LOAS), Lei nº 8.742 de 1993, que instituiu o
Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) com a incumbência, entre outras,
de […] acompanhar, fiscalizar o
processo de certificação das entidades e organizações de assistência social;
(…) apreciar relatório anual que conterá a relação de entidades e
organizações de assistência social certificadas como beneficentes […]. O
Decreto n. 752 de fevereiro de 1993 dispôs sobre a concessão do Certificado de
Entidade de Fins Filantrópicos, reiterou as isenções fiscais para instituições
de assistência social, de educação ou de saúde, […] postulando a obrigatoriedade destas entidades a aplicarem a
gratuidade de atendimento no percentual mínimo de 20% de sua renda bruta
(ESCORSIM, 2008, p. 3). A autora analisa os intensos debates que se seguiram
após a instituição dessas medidas legais, evidenciando o caráter ambíguo
daquilo que se definia como ações de
assistência social, especialmente porque envolvia a isenção de tributos
das entidades caracterizadas como filantrópicas.
O debate se acentuou com as medidas neoliberais que estavam na base das
políticas sociais do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). No bojo
das reformas neoliberais, o governo editou a Lei nº 9.732 de 11 de dezembro de 1998,
que redefiniu os critérios de isenção das instituições filantrópicas,
caracterizando essas entidades como aquelas que promovam […] gratuitamente e em caráter
exclusivo, a assistência social beneficente a pessoas carentes, em especial a
crianças, adolescentes, idosos e portadores de deficiência […]. A Lei define também a isenção
de contribuições para entidades sem fins
lucrativos educacionais, na proporção
do valor das vagas cedidas, integral e gratuitamente, a carentes e do
valor do atendimento à saúde de caráter assistencial. De acordo com Escorsim (2008, p. 4), a referida Lei […] foi objeto de intensos debates e nova
regulamentação, colocando-se como alvo de disputas de interesses dos diversos
grupos, tanto conservadores das benesses como também daqueles que queriam
corrigir suas distorções e direcioná-la na perspectiva dos direitos sociais. A
discussão relativa à destinação de verbas públicas para instituições
privadas esteve e continua presente nos debates sobre a questão da filantropia
no Brasil e sobre a caracterização do que efetivamente seja uma entidade de
assistência social e, portanto, merecedora de recursos públicos. É o que se
constata em relação à educação superior, que se organizou por meio de vários
segmentos (públicos e privados), por ocasião da Assembleia Nacional
Constituinte, em 1988. Deve-se registrar, nesse sentido, a inserção do artigo 213 da nova Carta Constitucional que prevê:
Os recursos públicos serão destinados às
escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais
ou filantrópicas, definidas em lei que: I) comprovem finalidade não lucrativa e
apliquem seus excedentes financeiros em educação; II) assegurem a destinação de
seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao
poder público, no caso de encerramento de suas atividades. Há que se
destacar o movimento das universidades comunitárias, confessionais e
filantrópicas, por ocasião da elaboração da Carta Constitucional de 1988, que defendia
a tese de que também deveriam ser destinatárias de verbas públicas. Além disso,
defendiam a ideia de que esse segmento, formado por instituições que reunissem
essas três características, (comunitária; confessional; filantrópica) possuía
uma identidade que o diferenciava das instituições estritamente privadas, ou
seja, aquelas vinculadas a empresas familiares que veem na educação uma
mercadoria. A pressão exercida por parte desse subconjunto de universidades
resultou na aprovação do artigo 213 supramencionado. O dispositivo
constitucional consagrou, portanto, a denominação escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas em fase de gestação desde a primeira metade da
década de 1980. Ocorre, entretanto, que no entendimento das Instituições de
Educação Superior (IES) Comunitárias, Confessionais e Filantrópicas não caberia a disjuntiva ou mantida no artigo 213 da
Constituição: comunitárias,
confessionais ou filantrópicas, pois
entendiamque todas essas IES
deveriam reunir essas três condições ao mesmo tempo. Mas, em que pese os
esforços do segmento comunitário, a expressão não foi modificada, outorgando o direito
ao segmento empresarial de ser destinatário de verbas estatais, pois muitas IES
pertencentes a esse segmento possuem o certificado de filantropia (BITTAR,
1999, p. 89). De modo geral, observa-se
que o embasamento legal relativo à filantropia no Brasil, bem como os debates
em torno do tema, reside fundamentalmente no fato de contraporem interesses dos
setores público e privado em torno da destinação das verbas públicas. Há uma
lacuna no que diz respeito ao efetivo trabalho desenvolvido por essas escolas
ou instituições de educação superior, com certificado de filantropia, no
sentido de aquilatar a qualidade dos serviços oferecidos e verificar em que
medida cumprem uma função social no sentido de assegurar o acesso aos direitos
educacionais de parcelas da população que não são atingidas pela ação do
Estado.