Mesmo sem formação para o uso das tecnologias digitais, pesquisa da UFMG realizada com docentes revelou que quase 42% não receberam qualquer tipo de treinamento durante a pandemia do coronavírus
Publicado emPortal OTempo, 09/07/2020: Se antes da pandemia do coronavírus os desafios diários da educação pública brasileira já eram gritantes, com a interrupção das atividades presenciais o panorama piorou em todo o país. É o que aponta a pesquisa “Trabalho Docente em Tempos de Pandemia”, realizada pela UFMG, em parceria com a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).
Conforme os dados, nove em cada dez professores das escolas municipais, estaduais e federais não possuíam nenhuma experiência anterior com o trabalho remoto. E mesmo sem o domínio das tecnologias digitais na educação, quase 42% dos entrevistados declararam ainda que não receberam cursos de capacitação pelas prefeituras, Estados e União.
É o caso de uma professora da rede infantil de ensino em Belo Horizonte, que preferiu não se identificar. Apesar da prefeitura não ter adotado a educação à distância durante a pandemia – segundo a Secretaria Municipal de Educação, a decisão ocorreu pelas particularidades dos alunos, que estão em fase de alfabetização, além de muitas famílias não possuírem acesso à internet e outras tecnologias –, ela reclama que não há uma orientação como sobre como os profissionais devem atuar nesse período.
“Não tivemos nenhuma formação para trabalhar de forma remota, nem antes e nem depois da pandemia. Fazemos o nosso trabalho segundo o que sabemos usar, mas estamos passando muitas dificuldades”, conta. E para manter o contato ativo com os estudantes da rede, cada escola adotou uma estratégia para o envio de atividades educativas, todas relacionadas aos cuidados com coronavírus e os impactos da pandemia.
Desde junho, os profissionais estão em trabalho remoto. “Existem professores sem estrutura em casa para montar essas atividades, está com um celular antigo, por exemplo, e não pode comprar um novo. Na nossa escola, por exemplo, criamos grupos no WhatsApp, só que há turmas que não temos nem 50% de retorno sobre o processo”, frisa.
Essa realidade dos alunos foi comprovada pelo levantamento da UFMG. Para 84% dos docentes, a participação das crianças e adolescentes nas discussões das disciplinas tiveram entre pouca e drástica diminuição, na comparação com as atividades presenciais. Só 4% consideraram um aumento da interação dos estudantes e outros 12% afirmaram que ela é a mesma.
Acirramento das desigualdades
A doutora em Educação Juliana Souza, que faz parte do Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente da UFMG, responsável pela pesquisa, enfatiza que os resultados apontam para um agravamento das desigualdades entre os estudantes das redes pública e privada.
“As populações historicamente vulneráveis sempre vão ser mais prejudicadas. tanto pela dificuldade de acesso à tecnologia e a internet, quando por muitas viverem em casas habitadas por muitas pessoas, sem condições para propiciar um espaço de estudo para os seus filhos”, argumenta.
Para a especialista, falta uma estratégia comum às escolas públicas de todo o país. “As condições do Brasil são muito diversas, temos prefeituras com maior capacidade de desenvolver políticas educacionais durante a pandemia, e outras não. Essa é uma responsabilidade que precisa ser compartilhada igualmente entre os municípios, Estados e o governo federal”, alega.
Dificuldades comprometem qualidade da educação
Juliana Souza acrescenta ainda que, por terem uma formação mais antiga, uma grande quantidade de professores tem dificuldades para trabalhar com as tecnologias de ensino, o que pode comprometer na qualidade da educação durante a pandemia. “Se formos verificar os dados, somente 29% deles consideram fácil ou muito fácil usar essas plataformas, sem ter uma experiência anterior a isso. São profissionais que estão na linha de frente desse processo de reorganização escolar”, finalizou.
Em nota, a Secretaria Municipal de Educação em Belo Horizonte informou “que fez uma série de reuniões on-line com os diretores, professores e coordenadores pedagógicos e ouviu, atentamente, as ansiedades de cada escola”. Sobre a estrutura de trabalho, a pasta lembra que os laboratórios de informática, sala individuais para os professores e equipamentos da escola estão disponíveis para uso dos docentes, “obedecendo os protocolos de segurança das autoridades sanitárias”.
Já a Secretaria de Estado de Educação declarou que os “os servidores que precisassem de equipamentos para trabalhar de casa, teriam autorização para o empréstimo desse material”. Em relação ao ensino remoto, a pasta informou que oferta o Regime de Estudo não Presencial para apoiar a continuidade do ensino. Além do Plano de Estudo Tutorado (PET), com materiais de apoio disponíveis na internet ou entregues impressos aos alunos sem acesso à internet, além do aplicativo Conexão Escola e o programa da Rede Minas, Se Liga na Educação.
(Clique aqui para acessar a matéria original, com a ilustração com os principais dados da pesquisa desenvolvida pela Editoria de Arte do Portal OTempo.)
Fonte: Lucas Morais, para o Jornal OTempo, em 09 de julho de 2020. Disponível em <https://www.otempo.com.br/super-noticia/cidades/de-cada-dez-professores-nove-nao-possuiam-experiencia-com-o-ensino-remoto-1.2358240>. Foto: Alex de Jesus (Aulas presenciais seguem paralisadas em Minas Gerais há quase quatro meses).