ANÁLISE DO DISCURSO

Autores/as: GRAÇA PAULINO

Expressão usada pelo linguista norte-americano Zellig Harris, em 1952, para designar certos procedimentos da linguística textual, foi apropriada por Michel Pêcheux, na França, quando publicou, em 1969, seu livro Análise Automática do Discurso, que articula linguística, psicanálise e materialismo histórico. O discurso não é o texto, pois, se este, como uso concreto da linguagem, tem uma existência material singular, o discurso é uma forma de ação interativa necessariamente contextualizada, institucionalizada, pluralizada, que inclui espaços e funções sociais em sua constituição: discurso pedagógico, discurso científico, discurso religioso, etc. A Análise do Discurso denuncia ilusões do sujeito falante, ao inserir cada texto num conjunto social que permite confrontar efeitos de sentido heterogêneos. Cabe destacar, no ambiente cultural do fim dos anos 60, a linguística funcional (Harris), a etnografia da comunicação (Gumperz e Hymes), as teorias da enunciação (Bakhtin, Kristeva), e o pensamento sobre formações discursivas (Foucault) como contribuições para que se relacionem textos e contextos sociais, num sentido mais amplo que o da Pragmática. Trata-se de ligar o inconsciente individual ao inconsciente ideológico. Esse viés mais amplo da Análise do Discurso atrai psicólogos, sociólogos, linguistas, antropólogos, filósofos, tornando-a inevitavelmente diversificada. Na primeira fase da AD, mais homogênea, tomam-se como um dos objetos de estudo os sujeitos assujeitados como aqueles que detêm a ilusão ideológica de serem a origem de seu texto, oral ou escrito. As possíveis interferências dos discursos no funcionamento social passam a ser consideradas apenas no final dos anos 70, com Courtine e Marandin (1981). Nos anos 80, não só se acentua a diversificação das tendências linguísticas, como também a AD passa a incluir a análise de manuscritos, de conversas informais, de entrevistas, sempre levando em conta, especialmente na França, as formas contraditórias de poder que se estabelecem entre sexos, raças, estratos sociais. Não é uma preocupação ou um objetivo da AD desvelar o texto, vendo-o como um lugar em que se esconde a ideologia, mas como um espaço comprometido socialmente, que exibe, de forma intencional ou não, as contradições ou incoerências de efeitos discursivos em enunciações dialógicas. Outro procedimento que merece ser destacado nas AD francesas é a recusa da análise de enunciados fora de suas condições de produção, o que as afasta da linguística stricto sensu, pois exige a consideração de que não há discursos neutros, todos interferindo na vida social, enquanto a compõem e representam. Os pesquisadores francófonos da AD melhor conhecidos hoje no Brasil são Dominique Maingueneau e Patrick Charaudeau. Sobre a heterogeneidade constitutiva dos discursos, destaca-se a obra de Jacqueline Authier-Revuz (1982), com a qual a pesquisadora brasileira Eni Orlandi estabeleceu diálogos acadêmicos instigantes nos anos 90. Por outro lado, em 1992, o linguista britânico Norman Fairclough lançou a obra Discourse and social change (1992), que propõe a fundação de uma Análise Crítica do Discurso (ACD). O pesquisador elabora uma leitura crítica de abordagens anteriores do discurso nas línguas inglesa e francesa, no intuito de evidenciar incompletudes e alheamento delas quanto às possibilidades de interferências discursivas sobre mudanças sociais. Mesmo levando em conta a primeira fase da Análise do Discurso, em que predominou a ortodoxia marxista, essa “fundação” de Fairclough mal se justifica, pois a revisão realizada por Pêcheux e outros analistas francófonos a partir dos anos 80 já inclui uma perspectiva dialética para tratar as relações entre discurso e sociedade. Pode-se, por isso, afirmar que essas “análises do discurso”, embora às vezes divergentes, mantêm alguns pontos em comum, especialmente ao levarem em conta a inserção dos textos singulares em domínios mais vastos das interações discursivas ligadas a instâncias de poder político, social e simbólico.

Bibliografia

AUTHIER-REVUZ, J. Hetérogeneité montrée et hetérogeneité constitutive: éléments pour une approche de l’autre dans le discours. DRLAV - Revue de Linguistique, Paris, n. 26, p. 91-151, 1982.

MARI, H. et al. (Org.). Fundamentos e dimensões da análise do discurso. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 1999;

COURTINE, J.; MARANDIN, J. M. Quel objet pour l’analise du discours. In: CONEIN, B. et al (Org). Matérialités discoursives. Lille: Presses Universitaires de Lille, 1981. p. 21-33.

DUCROT, O. Princípios de semântica lingüística: dizer e não dizer. São Paulo: Cultrix, 1977.

FAIRCLOUGH, N. Discourse and social change. Cambrige: Polity Press, 1992.

FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1986.

MAINGUENEAU, D. Novas tendências em análise do discurso. Campinas: Pontes, 1989.

PÊCHEUX, M. Analyse automatique du discours. Paris: Dunod, 1969.