ATORES SOCIAIS DA ESCOLA

Autores/as: ATORES SOCIAIS DA ESCOLA

A discussão em torno da noção de atores sociais nos remete ao contexto no qual ela emerge. Touraine situa o aparecimento recorrente dessa noção nas formulações teóricas do período caracterizado como sociedade pós-industrial, definida como “um tipo de sociedade que aparece quando se passa do tema dos bens materiais ao dos bens culturais e quando o problema da cultura e da personalidade se torna mais importante, mais central do que o problema econômico”(TOURAINE, 1970, p. 35).

Este período, considerado a partir do final dos anos 60, é marcado pelo desgaste de valores até então consolidados, quando se modifica o eixo das preocupações que guiavam os estudos e teorias. Como observa Touraine, assistia-se ao renascimento do social, com a presença de novos atores na cena política. Movimentos indígenas, de afrodescendentes, de gênero, de portadores de deficiência física, dentre outros, trazendo aspirações culturais e exigências sociais novas, conduzem as lutas e os conflitos no plano social mais amplo para além da luta de classes.

Profundas transformações sociais e culturais ocorridas nesse contexto histórico, especialmente nas últimas décadas do século XX, marcaram os debates teóricos com a recusa dos paradigmas de análise até então dominantes. Muitos desses paradigmas, acusados de deterministas e de negarem ou inibirem mudanças no âmbito da sociedade, começaram a ser superados por novas análises, que destacavam a atuação de novos atores, individuais e coletivos. O pressuposto era de que esses não eram meros agentes passivos e subjugados pelas estruturas de dominação, subjugados pelo sistema social. Esses novos atores sociais passam a ser vistos com poder de ação sobre as estruturas sociais e como sujeitos do processo histórico.

Touraine utiliza o termo atores sociais para se referir aos sujeitos da ação social, especialmente aos movimentos sociais da contemporaneidade, com suas apelações aos sujeitos pessoais e reivindicações de direitos culturais, que pressupõem “a vontade de um indivíduo de agir e de ser reconhecido como ator (1994, p. 220). Como se pode ver, frente à crise dos vínculos sociais gerada pela modernidade, o indivíduo ganha força para afirmar-se enquanto sujeito da ação e para reivindicar particularidades e identidades.

 No campo da educação, a ênfase na produção da vida social pelos indivíduos tem início nas críticas e questionamentos feitos às teorias da Reprodução, da década de 70, que destacavam o caráter conservador da escola e o peso das instituições sobre o indivíduo, rejeitando a possibilidade de consciência ou ação coletiva. Nesse contexto, ganha destaque o movimento de retorno do ator, em contraposição às correntes teóricas dominantes, que atribuíam um papel secundário ao indivíduo, “destituído de importância, na compreensão dos fenômenos sociais” (FORQUIN, 1995, p.184). A noção de retorno do ator na educação pressupõe outra análise das relações entre a escola e a sociedade e da atuação dos professores, gestores, alunos e famílias, vistos agora como atores sociais da escola, dotados de autonomia relativa diante das demandas do sistema social.

Sob a influência do Interacionismo Simbólico, da Fenomenologia e da Etnometodologia, acontece um deslocamento das análises das macro para as micro estruturas. Em uma perspectiva da microssociologia, notadamente no campo da Sociologia da Educação, emerge uma nova concepção de sociedade, deslocando as explicações do papel da escola na produção das desigualdades sociais das macro estruturas para os processos cotidianos e a dinâmica interna da escola e da família na fabricação do fracasso e do sucesso escolar (NOGUEIRA, 1995). Parte-se agora do pressuposto de que é impossível compreender a vida cotidiana dos professores, dos gestores escolares, dos alunos e suas famílias como sendo dominada pelas necessidades do sistema social e predizer de antemão os seus resultados na educação (LAPASSADE, 2005).

No interior desses estudos, os significados dos acontecimentos sociais não são mais vistos como independentes dos atores e sim atribuídos pelos indivíduos no decorrer de suas interações. Nessa perspectiva, os atores sociais interpretam continuamente o que acontece no seu contexto social e dão sentido às ações dos outros com os quais se relacionam.

Além de explicar a vida social em sua complexidade e em seus detalhes, com base em observações das atividades cotidianas, essas análises buscam conhecer as interpretações e significações propostas pelos atores no decorrer de suas interações sociais, considerando a sua autonomia e liberdade. Nessa concepção, ator e estrutura não são vistos como independentes, porém se constituindo um ao outro.

O ator é pensado em sua capacidade de agir, interpretar e significar o mundo e não mais como um ser passivo diante das estruturas sociais ou determinado por elas. Sem dúvida, influenciado por essas estruturas, pode, todavia, opor-se a determinadas situações e reelaborar normas e significados. Mesmo situado em determinados lugares e condições sociais, o ator social é pensado como também contribuindo para a constituição dessas situações.

Essas concepções enfatizam a heterogeneidade dos atores sociais, diferentes entre si, em seus diferentes pertencimentos sociais, de classe, gênero, etnia, gerações, mas também na multifacetada e incoerência interna de cada grupo e de cada indivíduo. Seja compartilhando coletivamente significações comuns, seja possuindo individualmente desejos, sonhos e esperanças, os atores sociais são vistos como sujeitos da ação, que se envolvem continuamente em processos de autoconstrução e de apropriação, possuindo margem de autonomia diante das forças e condicionantes sociais (EDWARDS, 1997).

A propósito das mulheres enquanto atores sociais coletivos, por exemplo, Touraine (2006) afirma que são verdadeiras atrizes sociais em suas lutas diárias contra as desigualdades e assumem cada vez mais o lugar de sujeito de suas vidas ao criar e recriar resistência a tudo que as subjugam. Destacam-se aqui os aspectos de criação e recriação constantes e de resistência dos atores sociais por muito tempo renegados nas análises macrossociológicas.

As condutas dos atores, como se pode ver, não são vistas como automáticas e impensadas, porém como continuamente interpretadas e construídas nos processos de interação social. Daí a necessidade de as análises levarem em consideração a reflexividade dos atores em suas atividades da vida cotidiana, com ênfase em suas ações e experiências e nos processos pelos quais interpretam constantemente a realidade social e fabricam o mundo a fim de poderem viver nele (COULON, 1995).

No cenário educacional, essas análises começaram a dar uma nova visibilidade aos atores individuais e coletivos da escola: professores, gestores, alunos e suas famílias, provocando importantes transformações teóricas e metodológicas. Surgem novas perspectivas de análise da escola, da sala de aula, dos professores, dos alunos e da família e novas metodologias mais apropriadas à investigação de universos microscópicos. Nessa direção, a realização de pesquisas sobre novos e variados objetos tem levado as reflexões teóricas a se depararem com processos cada vez mais singulares e plurais.

 

Dessa forma, podemos pensar os atores sociais como sujeitos que desempenham um papel ativo diante da realidade, com capacidade de criação do mundo social e cultural. Na escola, a ideia de atores sociais leva o foco das análises para o papel ativo dos sujeitos na estruturação dos espaços, tempos e atividades escolares e para as significações atribuídas por eles ao que lhes acontece na sua relação com a instituição escolar e com o mundo social. Esses atores são vistos em sua capacidade de produzir e transformar e não de simplesmente se adaptar e reproduzir. A ênfase nas ações, experiências e significações atribuídas pelos atores sociais destaca o seu poder de criar, recriar, reagir, negociar, construir, lutar, resistir, negar, opor, elaborar estratégias e redefinir a realidade social, ou seja, com margem de autonomia e de liberdade, ao invés de determinados pelas estruturas sociais.

Embora esses pressupostos indiquem uma nova forma de conceber a relação entre estrutura e agência humana, é importante ressaltar que, sendo a ordem social construída em conjunto e continuamente negociada pelos atores sociais em suas interações, estes participam tanto da estabilidade, quanto da mudança. Dito de outra forma, mesmo desempenhando papel ativo na organização da sua vida social, os atores sociais continuamente realizam processos de apropriação, inovação e também de reprodução. Mas a reprodução, sendo interpretada coletivamente, implica também no envolvimento ativo dos atores sociais.

Podemos pensar, assim, atores e estrutura como aspectos de um mesmo fenômeno, sendo, portanto, necessário articular nas análises as perspectivas macro e micro, a primeira enfatizando os efeitos restritivos das estruturas e a segunda o papel criativo e interpretativo dos atores em suas interações sociais. É certo, porém, que a noção de atores sociais nos leva a uma nova maneira de incluir nas análises a variedade de formas de seu engajamento nas estruturas sociais e de estratégias desenvolvidas por eles no âmbito dessas estruturas.

Bibliografia

COULON, A. Etnometodologia e educação. Petrópolis: Vozes, 1995.

EDWARDS, V. Os sujeitos no universo da escola. São Paulo: Ática, 1997.

FORQUIN, J. C. Sociologia da educação: dez anos de pesquisa. Petrópolis: Vozes, 1995.

LAPASSADE, G. As microssociologias. Brasília: Livro, 2005.

LAPASSADE, G. As microssociologias. Brasília: Livro, 2005.

NOGUEIRA, M. A. Tendências atuais da sociologia da educação. Leituras e Imagens, Florianópolis, UDESC, 1995.

TOURAINE, A. A crise da modernidade. Petrópolis: Vozes, 1994.

TOURAINE, A. A sociedade pós-industrial. Lisboa: Moraes, 1970.

TOURAINE, A. Le monde des femmes. Paris: Fayard, 2006.