AUTONOMIA DA ESCOLA
A referência à autonomia da escola surge, na maioria dos países, integrada num conjunto alargado de reformas ou mudanças globais da administração educativa que visam, em geral, reforçar as atribuições, competências e recursos dos órgãos de governo das escolas, no quadro do que nos países anglo-saxônicos vulgarmente se designa de school based management ou local school management. Nesse sentido, as medidas de concessão (ou reforço) da autonomia das escolas constituem variantes de um processo global de descentralização, já não para instâncias da administração intermédia ou local, mas para os próprios estabelecimentos de ensino. Contudo, é importante distinguir, na análise desse processo, dois planos distintos: o da definição política e do ordenamento jurídico e administrativo sobre as atribuições, competências e modos de governo das escolas (Barroso, 1996); o das dinâmicas sociais que, em cada organização, e para lá das determinantes político-administrativas, produzem formas de regulação autônoma (Barroso, 1996). A autonomia construída afirma-se, assim, como a expressão da unidade social que é a escola e não preexiste à ação dos indivíduos. É um conceito construído social e politicamente pela interação dos diferentes atores num determinado contexto organizativo. Isso significa que não existe, verdadeiramente, uma autonomia decretada, contrariamente ao que está subjacente às mais diversas estratégias reformistas, nesse domínio. O que se pode decretar são as normas e regras formais que regulam a partilha de poderes e a distribuição de competências e recursos, entre os diferentes níveis de administração, incluindo o estabelecimento de ensino. Essas normas podem favorecer ou dificultar a autonomia da escola, mas são, só por si (como a experiência nos demonstra todos os dias), incapazes de a criar ou a destruir. As medidas tomadas pelo poder político que visam o reforço da autonomia das escolas têm-se traduzido, sobretudo, no alargamento do poder de decisão dos órgãos de gestão escolar, em diferentes domínios (administrativo, pedagógico, cultural, etc.) e na transferência de competências e recursos de outros níveis da administração. De um modo geral, pode dizer-se que essas políticas se realizam, normalmente, através de um tríplice movimento, com várias cambiantes e amplitudes: delegação de competências e recursos; individualização de percursos escolares; horizontalização das dependências. No primeiro caso delegação a autonomia das escolas traduz-se numa modalidade de descentralização ou de redescentralização, através da transferência (da administração central ou das autoridades locais, conforme os casos) de atribuições, competências e recursos (nomeadamente financeiros), para as escolas individualmente consideradas. Esse processo pode ter contornos totalmente diferentes, quer quanto à natureza e substância das competências e dos recursos que são transferidos, quer quanto aos beneficiários dos mesmos: os diretores das escolas (lógica administrativa), os professores (lógica profissional); ou os pais e a comunidade em geral (lógica comunitária). No segundo caso individualização dos percursos escolares a autonomia das escolas introduz a deslocalização (ou contextualização) do projeto educativo nacional para o nível do estabelecimento de ensino. Também aqui, com diferentes amplitudes, parcerias e contextos, podendo ir desde a adaptação local de um projeto nacional (em função da especificidade dos públicos e das comunidades de pertença) até a construção de projetos educativos próprios, tendo em vista a satisfação de interesses e clientelas individuais ou de grupos de alunos e suas famílias. No terceiro caso horizontalização das dependências a autonomia das escolas consagra a diminuição da dependência vertical em relação à administração estatal e o consequente aumento das interdependências horizontais, quer com a comunidade local, em geral, quer, em particular, com as escolas que partilham um mesmo território. Essas interdependências tanto se podem traduzir numa lógica de cooperação, para a construção local de um bem comum educativo, ou numa lógica de concorrência, para a satisfação individualizada de clientes. Como se vê, sob uma mesma designação (autonomia da escola), escondem-se diferentes realidades com significados, objetivos, modalidades de operacionalização e resultados diferentes. Convém lembrar, contudo, que essas diferenças não são meramente semânticas nem resultam, unicamente, de modos de fazer distintos. Elas radicam em opções políticas diversas e o seu significado só pode ser percebido tendo em conta, por um lado, um conjunto mais vasto de transformações dos modos de governar a educação e, por outro, a especificidade dos contextos econômicos, sociais e históricos em que ocorrem. Essa é a razão por que não é possível reduzir a reflexão sobre a autonomia das escolas às questões meramente técnicas de uma reorganização (modernização) administrativa. A autonomia das escolas deve ser vista na sua dimensão política, no quadro dos processos de recomposição do papel do Estado na administração da ação pública e nas suas formas de governo, ou seja, no modo como são definidas e controladas as orientações, normas e ações que asseguram o funcionamento do sistema educativo e, em particular, o papel que o Estado e outras instâncias ou agentes sociais têm nesse processo. Nesse sentido, as políticas de autonomia da escola devem ser vistas como uma expressão, no campo educativo, do processo de alteração dos modos de regulação das políticas e da ação pública, com a passagem de uma regulação burocrática para uma regulação pós-burocrática e de uma governação pelas normas para uma governação pelos instrumentos (Barroso, 2005).