BOLSA FAMÍLIA

Autores/as: OLGAMIR AMÂNCIA FERREIRA DE PAIVA

Programa de transferência de renda que se situa no contexto das políticas adotadas pelo sistema capitalista para atenuar as contradições engendradas por este. Essas políticas, disseminadas nas últimas décadas do século XX, foram orquestradas em sintonia com os ditames neoliberais e objetivavam a conformação da realidade social instituída, e não a sua superação, e tinham na transferência de renda um de seus ícones. Esse programa é, portanto, uma variação dos modelos de transferência de renda implementados desde o início dos anos 1980. Não se trata, então, de uma experiência original, ao contrário, resulta da unificação gradativa de diferentes programas em âmbito nacional, como o Bolsa-Escola, o Vale-Gás, dentre outros. Nesse sentido, é uma macroexperiência de transferência de renda desenvolvida pelo governo brasileiro, criada por meio da Lei nº. 10.836/ 2004 e regulamentada pelo Decreto nº. 5.209, do mesmo ano. Entretanto, o perfil democrático do governo autor da proposição oportunizou que esse programa, a despeito de sua natureza, não se limitasse a uma estrita iniciativa da ordem neoliberal. Por isso, mesmo mantendo características herdadas de experiências anteriores, com essa mediação, ele se diferencia pelo foco, pelo caráter cidadão das condicionalidades e pelo distanciamento em relação às políticas marcadamente caritativas. O Programa Bolsa Família (PBF) caracteriza-se como uma política financiada por fundo público, de caráter distributivo, resultante do repasse de recursos de fontes diversas. O caráter distributivo é evidenciado porque que esse fundo, nos moldes consignados por Pereira (2006, p.17), não se constitui de riquezas retiradas de quem tem e repassadas a quem não as tem, ou seja, não coloca  em confrontação direta possuidores e não possuidores de bens e riquezas. Ele é constituído de várias fontes, cabendo-lhe transferir os recursos acumulados aos despossuídos. Nessa perspectiva, o PBF constitui-se em política compensatória, de complementação aos serviços sociais básicos (SILVA;YAZBEK;GIOVANNI,2004), que se propõe atenuar os efeitos mais perversos da pobreza e da desigualdade social, colocando-se como mecanismo de distribuição da riqueza socialmente produzida. A dimensão macro dessa experiência decorre não apenas do fato de ser um programa de âmbito nacional, mas pela abrangência de ações incorporadas por ele que, para além do benefício, incide sobre questões relativas à educação, saúde, geração de renda, qualidade de vida, etc. Desde a sua implantação, atingiu quase a totalidade do território. Alcançou, inicialmente, 5.559 dos 5.561 municípios brasileiros, mais de 99,9%, atendendo a 11.120.353 famílias, com um valor médio do benefício, à época (2004), na ordem de R$ 61,43. Apesar do gigantismo da iniciativa, situação favorável a desvios de metas, o programa tem conseguido alcançar o universo desejável que são as famílias extremamente pobres. Entretanto, mesmo tendo alcançado, na atualidade, 100% do território nacional e seja identificado mundialmente como um dos maiores programas dessa natureza, ele mantém a condição de política focalizada, destinada a grupos sociais determinados, no caso específico às famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza. O PBF, diferentemente de outros programas cujo centro de atenção era a criança, tem como centro de sua ação a família. Com isso, resgata a importância da família como “grupo social relevante” para a consolidação das condicionalidades (compromissos sociais) instituídas. Isso porque o programa relaciona o recebimento do benefício ao cumprimento de determinadas exigências, condicionando “a transferência monetária a compromissos sociais que deveriam ser cumpridos pela família e garantidos pelo poder público no âmbito da saúde e da educação” (BRASIL, 2006, p.7). Na área de saúde, as contrapartidas sociais exigidas das famílias são: acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil, por meio da vigilância alimentar e nutricional de crianças menores de 7 anos; assistência ao pré-natal e puerpério (pós-parto), e vacinação para crianças menores de 7 anos. Na área de educação, a condicionalidade básica refere-se à matrícula e permanência das crianças e adolescentes em idade escolar no sistema de ensino, por meio do controle da frequência mínima de 85% (oitenta e cinco por cento) da carga horária mensal. Nesse sentido, avança no entendimento de que as desigualdades sociais e a pobreza que marcam a sociedade brasileira não serão enfrentadas por meio de políticas isoladas e reafirma a importância de se associar a transferência de renda ao acompanhamento sistemático da saúde e à permanência na escola. Esses condicionantes para as crianças e jovens que advêm das classes populares podem se constituir em diferencial entre vida e morte, ou entre sucesso e fracasso escolar. Numa sociedade de classes em que a luta pela sobrevivência se sobrepõe continuamente a outras necessidades do sujeito, permanecer na escola é um primeiro passo para uma possível ruptura com os movimentos que geram a pobreza, tendo em vista que, para esse grupo social, a escola é o lócus privilegiado de construção do conhecimento sistematizado e de possibilidade de emancipação social. Nessa perspectiva, as exigências consignadas nesta política traduzem o entendimento da centralidade do acesso aos conhecimentos básicos como condição de inserção, tanto no mercado de trabalho, como no exercício da prática cidadã (OLIVEIRA, 2000). Essa concepção é evidenciada, também, na forma como são consignadas as condicionalidades estabelecidas, pois, antes de se constituírem em instrumentos orientadores de punições aos beneficiários, objetivam instigar a luta dos sujeitos sociais pela garantia de desenvolvimento de políticas públicas. Ou seja, visam a assegurar aos mais pobres o acesso aos benefícios sociais que o poder público está obrigado a ofertar. Isso decorre do entendimento de que, historicamente, as parcelas mais desfavorecidas da população, portanto, as mais necessitadas das políticas sociais, não desenvolveram a cultura de estabelecer demandas pelos serviços a que têm direito, até mesmo porque, em geral, não são sabedoras de tais direitos. Ante essa realidade, ao buscar cumprir as exigências previstas, as famílias beneficiadas mobilizariam e fiscalizariam o aparato público sobre a garantia de direitos dos cidadãos, uma forma de regulação social. Nesse contexto, políticas públicas, como o PBF, representam avanços, não necessariamente rupturas com a estrutura social vigente, mas como ações potentes e imprescindíveis na construção de uma sociedade cuja escola se caracteriza, sobretudo, como espaço de inclusão social. Espaço que oportuniza a vivência democrática, a conscientização em relação à sociedade e às práticas que nela se instituem, fatores fundamentais para a intervenção e alteração dessa realidade. 

Bibliografia

BRASIL. Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004. Cria o Programa Bolsa Família e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 9 jan. 2004.

BRASIL. Decreto n° 5.209, de 17 de setembro de 2004. Regulamenta a Lei n° 10.836, de 9 de janeiro de 2004, que cria o Programa Bolsa Família, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 17 set. 2004.

BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME. Bolsa Família: manual de gestão de condicionalidades. Brasília, 2006. 

OLIVEIRA, D. A. Educação Básica: gestão do trabalho e da pobreza. Petrópolis: Vozes, 2000.

PEREIRA, P. A. P. Necessidades Humanas: subsídios à crítica dos mínimos sociais. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2006.

SILVA, M. O.; YAZBEK, M. C.; GIOVANNI, G. A Política Social Brasileira no Século XXI: a prevalência dos programas de transferência de renda. São Paulo: Cortez, 2004.