CALENDÁRIOS ESCOLARES
São um dos principais referentes temporais da escola e da experiência do tempo dos professores. Presos nas paredes, afixados nos murais e relembrados nos boletins à comunidade escolar, estão sempre visíveis. Aparecem em lugares de destaque nos cadernos, nas pastas, agendas e bolsas de professores e alunos. Estão gravados no pensamento. Assim como os horários escolares, regulam os períodos e durações das atividades realizadas na escola, contendo tempos fortes e fracos, longos e curtos, mais ou menos fragmentados. Especificam vários períodos e temporalidades e delimitam conjuntos de tempos/atividades, tais como: os dias de trabalho e dias de descanso (feriados, recessos, férias); as subunidades de temporalização como bimestres, quinzenas, semanas; os dias letivos e os dias escolares; os períodos e datas festivos e comemorativos (dia das mães, dia das crianças, datas cívicas e religiosas, etc.); as datas pedagógicas especiais (como os dias de planejamentos, as “semanas de avaliação”, os períodos de recuperação); especificam tempos/atividades não letivos (como os de seleção, de concursos e de matrículas); estabelecem as datas das reuniões e assembleias escolares; indicam programações extraescolares (como as excursões); definem as datas e períodos de atividades (como as feiras de cultura, as competições esportivas e quaisquer outros tipos de atividades ligadas à vida da escola, às suas atividades e aos currículos). Um importante aspecto a considerar é que, em suas dimensões qualitativa e quantitativa, esses marcadores temporais refletem as perspectivas, os modos de se pensar, de conceber e de realizar as atividades e processos educativo-escolares. E não apenas revelam, mas impõem os ritmos escolares, as cadências das atividades docentes e discentes, prescrevendo as durações das atividades e das práticas neles contidas. Ao instituírem, regularem e normatizarem esses períodos, tanto expressam como também conformam as opções educativo-pedagógicas das escolas e as datas e épocas de sua realização, uma vez que especificam as atividades a serem desenvolvidas e seus respectivos períodos e momentos. Eles refletem o que a escola é o que ela faz e a que se propõe, em suma. Por meio deles, pode-se conhecer sua ação educacional, seu cotidiano e a vida de seus professores e estudantes. É diferente, por exemplo, um calendário que delimita períodos para atividades de estudo, de encontros, de pesquisa, de planejamento e avaliação individual e coletiva dos processos e atividades pedagógicas para seus professores e demais profissionais, e os que silenciam a esse respeito. Diferentes calendários indicam propostas curriculares variadas e distintos aspectos de organização do trabalho escolar e da atividade docente ao longo dos dias, dos meses e do ano. Podem indicar a existência de um currículo mais rico e diversificado ou mais homogêneo e empobrecido. São peças centrais na organização e dinâmica de funcionamento da escola, uma vez que, assim como os horários, distribuem e definem o uso do tempo escolar, seus períodos e durações. Impõem à comunidade escolar a distribuição dos tempos na escola, exercendo sua força coativa sobre os indivíduos e regulando as temporalidades de suas interações. Entretanto, essa força nunca é absoluta, uma vez que tais marcadores são construções, são invenções e podem sofrer modificações. Embora seu caráter e finalidade sejam predominantemente prescritivos, existe sempre a possibilidade de serem descumpridos, transgredidos, desobedecidos e modificados pela ação dos sujeitos da escola. Pode-se falar, portanto, de um calendário oficial e prescritivo e de calendário real, vivo, realmente operante. No dia-a-dia das escolas, são inúmeras as alterações dos calendários ou suas adaptações à dinâmica da rotina escolar. Eles vão sendo reconstruídos conforme as necessidades, os interesses e a correlação de forças presentes no grupo de profissionais. Revelam também embates de força e a maior ou menor autonomia dos profissionais da escola frente às instâncias de gestão educacional, como as Secretarias de Educação. Assim, embora o calendário oficial, elaborado nessas instâncias instituídas de poder, seja sempre uma referência a ser cumprida, no cotidiano escolar, ele vai sendo reconstruído, reorganizado e ressignificado. Ele vai se desfazendo e refazendo, em maior ou menor escala, pelos sujeitos sociais da escola em sua ação individual e coletiva. Há uma reconstrução desse instrumento temporal mediante uma multiplicidade de caminhos e estratégias de atuação dos sujeitos, como dos profissionais que os obedecem ou os modificam, tais como os movimentos grevistas que o alteram e reconstituem. Outros fatos da vida social, previsíveis e, sobretudo, imprevisíveis, também os alteraram de forma mais restrita ou mais ampla. Como os demais sistemas e instrumentos de cômputo temporal, esses marcadores incorporam e expressam relações de poder, interesses e projetos em jogo na vida social e na escola. São uma instância tanto de entendimento como de confronto, sejam eles velados ou abertos, entre diretorias, professores, especialistas, estudantes e familiares. Além disso, envolvem instâncias de poder externas à escola, como as Secretarias de Educação e outros órgãos de gestão educacional, apesar de serem muitas vezes percebidos apenas como parte da autoridade e das convenções que todos devem acatar, naturalizando-se algo que é socialmente construído, a partir de interesses e forças sociais, escolhas, valores, projetos políticos e pedagógicos. Nas escolas, embora sejam destinados à organização do tempo escolar, acabam por determinar as vidas individuais e coletivas de docentes e discentes tanto no âmbito da escola quanto fora dela. Destaca-se que os horários da vida privada, da família, do descanso e do lazer, entre outros, precisam estar em concordância não somente com o calendário civil, mas também com os calendários escolares. Esses últimos são eixos estruturantes e estruturadores dos processos educativos sob os quais as práticas e processos pedagógicos, o trabalho e a condição docente podem tornar-se mais ou menos facilitada, dificultada e potencializada. Um período de recesso escolar, por exemplo, pode favorecer o descanso e a recomposição da energia dos profissionais da escola para mais um período de trabalho, tal como se observa nos períodos que seguem aos recessos escolares e às férias. A gestão da escola deve preocupar-se com a problemática da elaboração desses instrumentos de cômputo temporal, tendo em vista sua importância, pois o que eles definem e a forma como são construídos pode indicar uma maior ou menor participação democrática. Os calendários escolares, como os calendários de um modo geral, são marcas do humano. Além de evocarem os tempos, como todos os demais marcadores temporais, os calendários são, eles mesmos, temporais e históricos. Associam-se às culturas, à memória, ao esquecimento, às identidades das culturas e povos, distinguindo os humanos das demais espécies e seres da natureza, impossibilitados de traduzirem em conceitos o fluxo da vida e do mundo, na invenção social do tempo figurada nos signos temporais. Tudo aquilo que eles marcam e o que contêm, o que eles fazem lembrar e o que fazem esquecer, o que silenciam e o que escondem, é parte da história, das lutas, dos fazeres e afetos dos povos e culturas, de suas conquistas e frustrações, de suas potencialidades e limitações. Ao mesmo tempo em que regulam, eles expressam as construções sócio-históricas e culturais, constituindo-se como marcas identitárias e laços de pertencimentos. Como afirma Le Goff (2003, p.289), os homens não se contentaram em controlar o tempo por meio dos calendários utilitários. Fizeram-nos também depositários dos seus sonhos e das suas esperanças, levados às vezes ao nível da quimera e da utopia