CAPACIDADE INSTITUCIONAL DE ATENDIMENTO PROTEGIDO

Autores/as: MARISA RIBEIRO TEIXEIRA DUARTE

Em sistemas educacionais federativos, como o brasileiro, estados e municípios, além da União, dispõem de autonomia política e responsabilidade pela gestão de recursos financeiros.  Entretanto, as relações intergovernamentais demandam um aparato institucional normativo que preservem a autonomia, porém capaz de produzir rupturas nas assimetrias distributivas existentes. Nesse sentido, a Constituição Brasileira estabelece para a União o exercício de função supletiva e redistributiva mediante assistência técnica e financeira aos estados e municípios (§1º, art. 211, CF). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394/1996 – por sua vez, orienta que essas ações devem observar a capacidade de atendimento dos entes federados (art. 75, § 1º). Este termo é definido como a razão entre os recursos de uso constitucionalmente obrigatório na Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE) e o custo anual do aluno, relativo ao padrão mínimo de qualidade (art. 75, § 2º). A relação custo-qualidade foi bastante debatida na literatura nacional (FARENZENA, 2004; CARREIRA; PINTO, 2007, DUARTE, 2010) com o objetivo de estabelecer qual valor determinaria o aporte complementar de recursos técnicos e financeiros da União em relação aos demais sistemas de ensino. No contexto da década de noventa do século XX, os debates em torno da determinação da capacidade de atendimento discutiam um padrão normativo de custos capaz de assegurar um ensino com qualidade. Nas discussões realizadas pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Carreira e Pinto (2007) definiram pressupostos gerais para chegar aos números de Custo-Aluno Qualidade. Os valores apresentados, por etapas e modalidades de ensino, estabelecem um patamar mínimo de qualidade de educação e são considerados, como Custo-Aluno Qualidade inicial, um primeiro passo rumo à qualidade tão almejada. Para esses autores, a capacidade de atendimento do sistema de ensino refere-se ao número de alunos que são atendidos levando-se em conta o montante de recursos disponibilizados para a MDE e valores do custo aluno fixados nacionalmente. Na Constituição Federal de 1988, o termo “capacidade de atendimento” não aparece de modo explícito, mas a ideia sugerida por ele está presente, ao tratar da possibilidade de recursos públicos serem utilizados no setor privado da educação mediante bolsa de estudos, caso a rede pública local não seja capaz de atender toda a demanda (§ 1º, Art. 213). Se a capacidade de atendimento da rede pública local for insuficiente para expandir sua própria rede de ensino, poderão ser concedidas bolsas de estudos em instituições privadas. Concepção semelhante acha-se presente na Lei nº 11.094 de 2007, que criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB. Ela estabelece que a União complementará os recursos existentes na contas estaduais sempre que, no âmbito de cada Estado e no Distrito Federal, o valor médio ponderado por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente (art. 4º). Ou seja, a complementação da União ao FUNDEB ocorrerá se a capacidade de atendimento dos Estados e Municípios não permitir que um valor mínimo por aluno definido nacionalmente seja atingido. Tanto a CF quanto a lei que regulamentou o FUNDEB consideram capacidade de atendimento como sendo um indicador de execução do investimento obrigatório em educação. Mas, no Brasil, a capacidade de os estados e municípios arrecadarem impostos é muito desigual e essa situação influencia a composição de suas receitas e, consequentemente, os valores vinculados à MDE (art. 212, CF). Essa realidade contribui para a permanência de situações precárias dos padrões de qualidade, como a disponibilidade de boas instalações, equipamentos e professores bem pagos (SOARES; SÁTRYO, 2008). Por outro lado, os Municípios com maior disponibilidade fiscal, ou seja, que possuem arrecadação mais significativa de impostos próprios ou contam com repasses proporcionalmente maiores do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), podem realizar maiores investimentos em relação à demanda educacional. Essas diferenças de capacidade fiscal produzem desigualdades de oportunidades educacionais com efeitos sobre a qualidade do ensino ofertado (DUARTE, 2010). Em 2007, foi lançado pelo Governo Federal o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) que introduziu mudanças na regulação das relações intergovernamentais ao associar transferências voluntárias de recursos – assistência técnica e financeira aos estados e municípios – com o cumprimento de metas educacionais. O repasse de recursos acha-se, na atualidade, condicionado à elevação do rendimento escolar medido pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Trata-se da emergência e disseminação da regulação por desempenho (MAROY, 2006) no sistema educacional brasileiro. No entanto, ao associar diretamente transferências de recursos com o desempenho escolar obtido, deixa-se de enfrentar a questão da desigualdade de atendimento entre Estados e Municípios devido à diferença fiscal entre eles. Conhecer a “capacidade institucional de atendimento protegido” (FARIA; DUARTE, 2009) dos entes federados – valor mínimo que o sistema de ensino está constitucionalmente obrigado a investir por aluno matriculado em sua rede de escolas – permite comparar as potencialidades institucionais dos poderes públicos na MDE. Desse modo, as desigualdades fiscais são articuladas com o desempenho educacional do sistema. Porém, a noção de padrão mínimo de qualidade estabelecida na LDBEN (art. §2º, art. 75) está associada ao cumprimento da determinação constitucional brasileira de vinculação de recursos para MDE.  A variabilidade da capacidade institucional de atendimento protegido pode constituir em fator interveniente sobre o desempenho. Em muitos países, recursos escolares não são fatores de eficácia escolar. A razão disso é que o grau de equipamentos e conservação das escolas não varia muito. No Brasil, entretanto, tem-se bastante variabilidade nos recursos escolares com que contam as escolas. E a maior restrição externa para o bom funcionamento da escola associa-se aos recursos financeiros empregados para equipá-la e pagar seus professores (SOARES, 2004). É preciso, pois, priorizar politicamente os recursos mediante assistência técnica e financeira da União para estados e Municípios que possuem baixo IDEB, mas também baixa capacidade institucional de atendimento protegido. Estados e Municípios com baixo IDEB e elevada capacidade institucional de atendimento protegido precisam somente de assistência técnica para gerir melhor seus recursos e utilizá-los em fatores que realmente contribuam para a melhoria educacional. No caso do Brasil com tamanha desigualdade econômica e educacional, o novo modo de regulação por desempenho, baseado somente nos resultados obtidos, não é suficiente. É preciso associá-los a fatores como a capacidade institucional de atendimento protegido para se evitar bonificações perversas a gestores públicos.

Bibliografia

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Lei nº 11.494 de 20 de junho de 2007. Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação. Diário Oficial da União, Brasília, 21 jun. 2007.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 dez. 1996.

CARREIRA, D.; PINTO, J. M. R. Custo aluno-qualidade inicial, rumo à educação pública de qualidade no Brasil. São Paulo: Global, 2007.

DUARTE, M. R. T. Financiamento da educação pública no Brasil e resultados escolares: a importância da vinculação de recursos. Belo Horizonte, no prelo (2010)

FARENZENA, N. (Coord). Levantamento do custo aluno/ano em escolas da educação básica que oferecem condições para oferta de ensino de qualidade. 2004. Relatório de Pesquisa – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educação, Porto Alegre.

FARIA, G. G.; DUARTE, M. R. T. Política de financiamento e desempenho educacional: um estudo comparativo sobre a capacidade de atendimento dos municípios brasileiros. 2009. 206f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educação, Belo Horizonte.

MAROY, C. École, régulation et marché: une comparaison de six espaces scolarires locaux en Europe. Paris: Presse Universitaire de France, 2006.

SOARES, J. F. O efeito da escola no desempenho cognitivo dos seus alunos. Revista Eletrônica Iberoamericana sobre Calidad, Eficácia y Cambio em Educacion, Madrid v. 02, n. 2, p. 83-104, 2004.

SOARES, S.; SÁTRYO, N. O impacto da infraestrutura escolar na taxa de distorção idade-série das escolas brasileiras de ensino fundamental – 1998 a 2005. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2008.