CAPITAL HUMANO

Autores/as: LUCÍLIA MACHADO

Essa noção foi produzida com base num determinado conceito de capital, derivado das teorias econômicas neoclássicas, que o tomam como quantias de dinheiro, riquezas, fatores, recursos, meios ou provisões, formados pelo excedente da produção sobre o consumo e utilizados na produção e circulação de bens e serviços, as mercadorias. Assim, instalações, equipamentos e estoques, se e quando utilizados para essa finalidade, seriam capital. Por analogia, conhecimentos e habilidades dos trabalhadores empregados nas atividades produtivas também passaram a ser considerados como capital, originando a chamada teoria do capital humano. Segundo Schultz, “o conceito tradicional de capital tinha de ser ampliado, a fim de abarcar a realidade relativa ao capital humano” (1973, p. 7). Cada pessoa acumularia certa quantidade desse capital dependendo do quanto adquiriu em aprendizados e capacidades de trabalho. Da educação, por causa disso, derivaria a redistribuição da renda e o desenvolvimento econômico, pois esse capital, de propriedade individual de cada trabalhador, também poderia ser visto como um bem social, capaz de indicar a riqueza humana existente numa determinada sociedade. Segundo Schultz, “a característica distintiva do capital humano é a de que ele parte do homem. É humano porquanto se acha configurado no homem…” (…) “nenhuma pessoa pode separar-se a si mesma do capital humano que possui”. (1973, p. 53). Assim, capital humano, segundo essa teoria, não é algo que seja de propriedade dos empresários. E da mesma forma como estes obtêm retornos para seus investimentos – os lucros – os trabalhadores, como proprietários do capital humano, teriam também direito a um retorno, seus salários. Salários altos indicariam qualidade do capital humano, conhecimentos e habilidades elevados. Por outro lado, o capital humano teria o poder de elevar a eficiência, a produtividade e a qualidade dos bens e serviços e, por isso, possuiria, também, o caráter de bem social trazendo retornos sociais ao fazer aumentar as rendas nacionais e regionais, beneficiando toda a sociedade. Portanto, na noção de capital humano, capital e trabalho são equiparados, pois ambos são igualmente considerados como simples fatores de produção. Mais que isso, segundo Schultz, “os trabalhadores transformaram-se em capitalistas, não pela difusão da propriedade em ações da empresa, como o folclore colocaria a questão, mas pela aquisição de conhecimentos e de capacidades que possuem valor econômico” (1973, p. 35). Nos termos acima expostos, o conceito de capital difere radicalmente daquele formulado por Karl Marx, para quem trabalho não se equipara a capital, ainda que este provenha sempre do trabalho, da mais valia acumulada. Para Marx, capital não é um fator de produção, mas uma relação social de produção específica e correspondente à formação histórica da sociedade capitalista, relação esta que é incorporada nas coisas (nos recursos e meios de produção; enfim, nas mercadorias), e que é capaz de infundir o caráter dessa sociedade a todas elas, inclusive à utilização da força de trabalho, a mercadoria mais importante pelo seu poder de produzir mais valor. Nesses termos, os capitalistas usam a força de trabalho contratada e dela dispõem como seu capital, fazendo uso dos conhecimentos e habilidades dos trabalhadores segundo a lógica que lhes pareça mais adequada e conveniente. Assim, Marx distinguiu capital constante e capital variável. O capital constante se refere àquele reservado à aquisição de instalações, máquinas, matérias-primas. Ele é chamado de constante porque não é capaz de ser aumentado pela ativação do processo de produção. O capital variável, entretanto, designa aquele que é consumido para comprar força de trabalho, e assim é chamado porque seu valor cresce no processo de produção em consequência da produção de mais-valia. O capital variável, portanto, além de ser propriedade dos capitalistas, reporta-se ao mecanismo fundamental que origina os retornos lucrativos dos investimentos realizados. Conforme explica Marx: “O operário de uma fábrica de algodão produzirá apenas tecidos de algodão? Não, ele produz capital. Produz valores que, por sua vez, servem para comandar o seu trabalho, a fim de criar por meio destes novos valores.” (MARX, 1974). A teoria do capital humano credita grande valor econômico à educação. Mas o faz à maneira messiânica, nela vendo tanto a providência para a mudança de circunstâncias sociais indesejadas, como o fator causal dessas mesmas situações. Por isso, ela suscitou diversos questionamentos. Seria correto atribuir aos déficits educacionais a responsabilidade por problemas derivados de contradições sociais de ordem estrutural? Teria a educação o poder de promover, isoladamente, melhorias da inserção laboral, do desempenho da força de trabalho, da eficiência e da produtividade do trabalho, dos salários e da redistribuição da renda? Além disso, um “teste de correlação apenas indica que duas variáveis estão ou não correlacionadas, mas não determina o sentido causal, ou seja, quem causa quem” (MACHADO, 1989). Há na teoria do capital humano a perspectiva de que este possa ser planejado e produzido de forma deliberada. Nesse sentido, preconiza investigar formas de tornar vantajosa a correlação entre custos dos investimentos educacionais e os benefícios a serem alcançados. Sabe-se, porém, que cálculos, projeções e planejamentos dessa natureza carregam alto nível de indeterminação. Eles pressupõem, por exemplo, que as condições de oferta e demanda do mercado de trabalho permaneçam imutáveis por períodos longos de tempo (MACHADO, 1989). Não levam em consideração a descontinuidade e o caráter segmentado do mercado de trabalho, que a educação por si não altera a produtividade do trabalho, que não é possível determinar a produtividade na margem de cada indivíduo, que nem sempre a maior capacidade produtiva adquirida pelo fator humano é repassada para o salário, que não é possível comprovar a correlação entre investimentos em educação e benefícios salariais ou de rendimentos, que indivíduos com o mesmo nível de escolaridade podem auferir rendas muito diferentes, que as diferenças de remuneração dependem de variáveis culturais, políticas e sociais. Por deixar sem respostas tantas dúvidas e questionamentos, entende-se a conclusão de Rossi de que esta “teoria” seria, na realidade, mais uma “ideologia capitalista no campo do messianismo pedagógico”. (1978, p. 35). Para Frigotto, a circularidade da visão do capital humano decorre do “método em que ela se funda e desenvolve na análise do real”, que se constitui “em apologia da concepção burguesa de homem, de sociedade, e das relações que os homens estabelecem para gerar sua existência no modo de produção capitalista” (1984, p. 52). Adam Smith, com seu livro sobre A riqueza das nações, de 1776 (livro I, cap. 10), J. Stuart Mill, com The principles of political economic, de 1848, e Alfred Marshall, com Principles of Economics, de 1890, foram os precursores da teoria do capital humano. No seio da chamada Escola de Chicago, ela veio a se desenvolver, nos anos 1960, graças aos investimentos dos economistas Gary Becker, Jacob Mincer e Theodore Schultz. Por suas produções teóricas consideradas inovadoras, Schultz e Becker foram agraciados pelo Nobel de Economia, respectivamente em 1979 e 1992.

Bibliografia

FRIGOTTO, G. A produtividade da escola improdutiva.São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1984.

 

MACHADO, L. Educação e divisão social do trabalho.São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1989.

MARX, K. Trabalho assalariado e capital: salário, preço e lucro. Porto: Publicações Escorpião, 1974.

ROSSI, W.G. Capitalismo e educação:contribuição ao estudo crítico da economia da educação capitalista. São Paulo: Cortez & Moraes, 1978.

SCHULTZ, T. W. O capital humano: investimentos em educação e pesquisa. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.