CAPITAL SOCIAL
Embora não seja um termo novo,ressurge mais intensamente nos anos 1990, em várias áreas do conhecimento, com diferentes abordagens teóricas, resultando em múltiplos significados e direcionamentos, impossibilitando uma definição universal e objetiva. De modo geral, é compreendido como um recurso social, individual e coletivo, normativo e cultural que possibilita proveitos materiais e simbólicos. Na ampla bibliografia norte-americana, sua aplicação foi identificada pela primeira vez no mundo acadêmico, em 1916, por Lyda Judson Hanifan, preocupada com o esvaziamento da cultura cívica na zona rural de West Virginia. Nos anos 1960, Jane Butzner Jacobs aplica o termo em sua pesquisa etnográfica baseada no cotidiano urbano de grandes cidades norte-americanas. No entanto, as definições consideradas mais importantes são as do teórico social francês Pierre Bourdieu (1930-2002), do cientista social James Coleman e do cientista político Robert Putnam, ambos americanos, porém fundadas em diferentes abordagens teórico-analíticas: Jeremy Bentham (1748-1832), James Mill (1773-1836), Alexis de Tocqueville (1805-1859), Karl Marx (1818-1883), Max Weber (1864-1920), Georg Simmel (1858-1918), John Dewey (1859-1952) e Émile Durkheim (1858-1917).
Pierre Bourdieu define capital social como um conjunto de recursos potenciais que deriva das redes duráveis de relações, mais ou menos institucionalizadas, de mútuo conhecimento e reconhecimento ou, em outros termos, deriva do pertencimento a um grupo que assegura o volume de capital (econômico, cultural, simbólico) de cada um daqueles aos quais está ligado, sancionando e reforçando as distinções de classe. Já para James S. Coleman, o capital social não tem uma estrutura hierarquizada e nem negativa; perpassa todos os grupos, é igualitário e benigno. Sua concepção tomou como base a teoria do capital humano, argumentando que familiares e recursos da comunidade são fatores potenciais de compensação das desvantagens econômicas, beneficiando não somente o indivíduo, mas a sociedade como um todo. Bourdieu e Coleman definem capital social tomando como referencia grupos sociais, coletivos e comunitários; já Putnam (2002) se deslocou para o associativismo, para as organizações sociais, redes e normas que inserem comportamentos de confiança e cooperação entre pessoas e instituições em benefício mútuo, como sinônimo de cultura cívica. Ainda no âmbito acadêmico, até os anos 1990, a aplicação do termo ficou restrita às análises e estudos no campo das ciências sociais. Atualmente, tem sido central nas análises, não só sociológicas, mas políticas, econômicas, antropológicas e históricas. Autores contemporâneos mais influentes na sua difusão são: Antony Giddens, Francis Fukuyama, Amartya Sen, Bernardo Kliksberg, Peter Evans, entre outros.
O termo ganha projeção na atualidade com a aplicação da tese de Putnam (2002) nas definições de políticas dos organismos internacionais e regionais Banco Mundial, BID, CEPAL, UNESCO voltadas para os países de capitalismo dependente, que culminou nas políticas de desenvolvimento do milênio, em 2000. Trata-se de um conjunto de políticas que difundem novas soluções para velhos problemas pobreza, desemprego estrutural e precarização do trabalho , porém extensivos e intensificados nas últimas décadas.
Dos enfoques predominantes nessas políticas, culturalista ou neoinstitucionalista, identifica-se sua aplicação como meio de superar a degradação moral, advinda da exacerbação do individualismo, a desconfiança e o desencanto com a política e a situação de incerteza dos cidadãos com o seu futuro em tempos neoliberais. É considerado um recurso moral, cívico-cultural e institucional que potencializa o desenvolvimento econômico e social local, que deve ser aplicado, principalmente, em comunidades pobres, consideradas vulneráveis ou de risco, para estimular a geração de valores como solidariedade, confiança, cultura cívica e responsabilidade social, incentivando a reciprocidade entre pessoas e instituições públicas e privadas, empresas e organizações da sociedade civil e disseminando a cultura da paz.
Expressões que decorrem dessas abordagens e que vêm penetrando no senso comum sem considerar as contradições inerentes às relações sociais capitalistas são: redes solidárias, redes associativas, tecnologia social, laços sociais, virtude cívica, responsabilidade social, relações horizontais, pró-atividade, reciprocidade, vida comunitária, economia ética, entre muitas outras.
No âmbito ideológico, essa concepção tem colaborado no fortalecimento da ideia de construir uma sociedade solidária e harmoniosa com um Estado inteligente e Ativo – eficiente e competente nas tarefas de impulsionar um modelo de desenvolvimento em harmonia com o mercado e as organizações da sociedade civil, administrando os riscos e aliviando a pobreza (BIRD, 2004; GIDDENS, 2005); um capitalismo com face mais humana (KLIKSBERG, 2002). Nesse ideário, não cabem somente políticas públicas assistencialistas, focadas e/ou compensatórias, é necessário também aproveitar a capacidade produtiva dessa parcela da classe trabalhadora gerando capital social, isto é, reunindo esforços coletivos, formando redes sociais, para habilitá-la a suprir suas necessidades imediatas. Para o Banco Mundial (BIRD, 2004, p.5): a exclusão de grandes segmentos da sociedade desperdiça recursos potencialmente produtivos e gera conflito social. Enfim, trata-se de um mecanismo de hegemonia que aprofunda o processo de despolitização da sociedade civil e de esvaziamento do sentido público reforçando a concepção liberal de sociedade civil como trama de interesses privados, porém agora mediados pelo terceiro setor, em conformação com as condições impostas pelo grande capital. No âmbito da educação, esse mecanismo amplia o caráter economicista ou produtivista da educação inserindo novos elementos pretensamente humanizantes, éticos e moralmente voltados para, além de educar para o desemprego ou sobrevivência, educar a conformação da vontade (MOTTA, 2008). Assim, em sua aplicação política, como mecanismo de hegemonia, a parcela empobrecida da classe trabalhadora, deixada à sua sorte, deve investir não somente no capital humano, mas principalmente no seu capital social ou sofrerá sanções vitais. Segundo Putnam (2002, p.192): o contrato social que sustenta essa colaboração na comunidade cívica não é de cunho legal, e sim moral. A sanção para quem transgride não é penal, mas a exclusão da rede de solidariedade e de cooperação.