CARTOGRAFIA SOCIAL
A cartografia social (CS) é um enfoque metodológico baseado na análise textual e na representação de fenômenos sociais através de mapas que reinscrevem e estruturam uma multiplicidade de perspectivas. Paulston define a CS como a arte e a ciência de mapear formas de ver (PAULSTON, 1996, p.15), como uma forma de ilustrar a profusão de narrativas que compõem o meio social (PAULSTON, 1996, p.18). Dada a crescente diversidade de comunidades de saber que concorrem entre si formulando argumentos (e tentando convencer diversas audiências de sua validez), essa metodologia tem se mostrado sumamente apropriada para fornecer uma ordem e uma interpretação provisórias das múltiplas visões existentes sobre a educação e a sociedade, e da forma em que se justapõem argumentos, perspectivas ideológicas e comunidades de saber nos discursos.
A análise de textos constitui a principal ferramenta para a identificação das formas de se observar um determinado fenômeno. Essa análise supõe uma leitura minuciosa de cada texto para desvelar sua cosmovisão, postulados de verdade ou argumentos, suas estratégias de argumentação, etc. Na maioria dos casos, trata-se de uma quantidade considerável de textos, que implica favorecer a identificação dos principais supostos, argumentos e características retóricas salientes em relação ao universo de textos escolhidos, antes de um estudo detalhado dos aspectos linguísticos de cada texto. Portanto, determinados aspectos do texto são destacados em detrimento de outros.
Para a identificação e caracterização das perspectivas, realiza-se um processo interativo de: 1) leitura dos textos, com especial atenção aos argumentos ou ideias centrais; 2) identificação provisória, por meio da leitura dos textos, das principais perspectivas; 3) seleção dos textos ilustrativos de cada perspectiva, o que pode implicar reduzir o número de textos colocados sob análise, eliminando aqueles que apresentam argumentos já desenvolvidos por outros textos; 4) leitura em profundidade dos textos selecionados enfocada em argumentos, cosmovisões e características retóricas; 5) revisão das perspectivas identificadas; 6) incorporação/eliminação de textos ilustrativos. Para determinar as perspectivas, o critério de parcimônia (identificação de um número limitado de perspectivas principais) deve ser balanceado com o critério de representar o espectro mais amplo possível de posições e vozes. Cada texto é comparado com outros textos e atribuído a uma determinada perspectiva, de acordo com as dimensões que aparecem como mais significativas na análise do conjunto de textos ou campo intertextual (PAULSTON, 2001).
Dentro desse campo intertextual, os textos são interpretados e classificados, e as perspectivas são mapeadas topograficamente, isso com a ajuda de imagens ou representações, para prover de um ordenamento sempre provisório. O mapa tenta representar a percepção do investigador (cartógrafo) de um determinado fenômeno, percepção que tem sido construída a partir da exegese textual. A representação visual também influencia o processo de identificação de perspectivas, já que, por exemplo, o mapa pode revelar espaços vazios que incitem o cartógrafo a buscar textos e perspectivas localizados nesses espaços. A forma típica desses mapas é dada por uma dimensão ou eixo vertical e outro horizontal, os quais permitem estabelecer coordenadas para a topologia dos textos e perspectivas ou comunidades discursivas. Além disso, costuma-se utilizar setas para indicar a genealogia e as direções das relações de conhecimento entre os distintos elementos do mapa. Por último e não menos importante, o mapa mostra o posicionamento do cartógrafo no campo intertextual para revelar segundo a interpretação do próprio cartógrafo o ponto desde o qual se representa o fenômeno em questão.
A CS tem sido utilizada principalmente para o mapeamento de campos teóricos e de debates de políticas (TELLO; GOROSTIAGA, 2009). Um exemplo da aplicação da CS é o trabalho de Paulston (2001) sobre o discurso da educação comparada acerca da pós-modernidade. A partir da análise de uns sessenta textos, incluindo tanto trabalhos de teóricos da educação comparada como textos das ciências sociais e a filosofia, o estudo identifica seis comunidades de saber que são mais ou menos favoráveis a visões pós-modernistas e quatro posições modernistas. Essas perspectivas são caracterizadas, representadas espacialmente e comparadas segundo a maneira pela qual escolhem entender a realidade e problematizar a prática educativa em relação ao fenômeno da pós-modernidade.
Gorostiaga e Paulston (2004) apresentam outro exemplo. Nesse caso, a investigação incluiu a identificação e caracterização das principais formas de ver a descentralização escolar, através da análise interpretativa de textos acadêmicos e institucionais, referidos a casos nacionais ou com um enfoque internacional. Na exegese textual, deu-se particular atenção às referências e citações de outros textos para mostrar os diferentes tipos de relações existentes entre as perspectivas.
No caso do debate global, identificaram-se sete perspectivas. Nessa representação, também os textos são localizados no mapa, incluindo aqueles que ilustram possíveis combinações entre mais de uma perspectiva. As setas são utilizadas para indicar relações de oposição ou de adoção de argumentos entre as diferentes perspectivas. Nesse caso, a CS permite ir além da oposição centralização-descentralização para identificar perspectivas que, por exemplo, ligam a opção por uma política de maior autonomia escolar a diferentes cosmovisões e objetivos, ou que se opõem a ela baseadas em diferentes argumentos.
Esses mapas oferecem uma representação provisória, aberta a uma constante revisão da multiplicidade de posições e argumentos, sem estabelecer qual é a perspectiva mais adequada nem oferecer uma síntese superadora, apenas procurando que os diferentes pontos de vista se expressem em seus próprios termos, reconhecendo a subjetividade do analista e o fato de que qualquer texto está sempre aberto a múltiplas leituras.