CIDADES EDUCADORAS

Autores/as: JOSÉ SILVESTRE COELHO

 

A expressão “Cidade Educativa”, referindo-se a um processo de “compenetração íntima” entre educação e “vida cívica”, aparece pela primeira vez no Relatório Edgar Faure, publicado em 1972, com o título “Apprendre   à Être” (Aprender a ser), onde seu autor defendia que a centralidade do espaço educacional é a cidade como um todo. Posteriormente, de forma mais abrangente, Paulo Freire também defendeu essa tese, conforme Gadotti (2009).

O  reforço da referida expressão na perspectiva da “Cidade Educadora” foi reafirmado na década de 90, por ocasião do “I Encontro Mundial de Cidades Educadoras”, em Barcelona, cidade espanhola que chamava a atenção pela implantação de programas educacionais, os quais ampliaram o tempo de permanência do aluno na escola em parceria com todos os segmentos sociais da cidade. Nessa direção, toda a cidade, ou seja, os atores que nela atuam das mais diversas formas tornam-se corresponsáveis e colaboradores no processo de aprendizagem das crianças e adolescentes na sua plenitude e o fazem no turno complementar ao ensino regular, através de oficinas, projetos comunitários e reforço escolar. Nesse sentido, significaria que a cidade como um todo estaria adotando uma proposta pedagógica cuja maior centralidade envolve a participação da comunidade na tarefa educativa da escola e, por consequência, a escola se envolve mais diretamente no cotidiano dos educandos.

As cidades que se reuniram em Barcelona no ano de l990 produziram a Carta das Cidades Educadoras, segundo a qual assumiam compromissos com essa proposta. A referida Carta foi ratificada em novo encontro internacional, ocorrido em Gênova, Itália, no ano de 2004. Nesse sentido, surge o Movimento das Cidades Educadoras, cuja carta de princípios sugere a construção de uma rede social educadora. Um dos desafios da “Cidade Educadora”, segundo a própria Carta, é o de “promover o equilíbrio e a harmonia entre identidade e diversidade”. Sobretudo, busca essa rede de cidades alcançar o direito a uma “Cidade Educadora”, a fim de propiciar a igualdade entre todas as pessoas, justiça social e equilíbrio territorial, acentuando a responsabilidade dos governos locais no sentido do desenvolvimento de todas as potencialidades educativas que a cidade contém. Entre os princípios defendidos por esse documento, destaca-se o primeiro, segundo o qual “… o direito a uma “Cidade Educadora” é uma extensão do direito fundamental de todos à educação”, complementada pelo segundo princípio que postula uma ação pela diversidade: “A cidade deverá promover uma educação que deverá combater toda forma de discriminação, favorecendo a liberdade de expressão, a diversidade cultural e o diálogo em condições de igualdade e entre as gerações”.(CONGRESSO INTERNACIONAL DAS CIDADES EDUCADORAS, 2004).

Em 1997, foi implantada a primeira experiência brasileira de “Cidade Educadora” por meio do Projeto Cidade Aprendiz da Vila Madalena (SP), que buscou praticar os princípios da Carta das Cidades Educadoras. Para tanto, realizou-se um mapeamento virtual em um laboratório de informática com adolescentes de escolas do entorno da Vila, que representava os espaços degradados da comunidade que mereciam uma intervenção – esse trabalho deu origem ao portal Cidade Aprendiz. Esse processo de intervenção foi denominado “bairro-escola”, pois articulava todos os setores do bairro  na construção de estratégias de educação comunitária para preservação e restauração dos espaços e, assim, cada espaço se tornava extensão da escola: “bairro-escola”, “praça-escola”, “beco-escola”, “Café Aprendiz” (OLIVEIRA, 2008). Atores diversos colaboraram com o projeto: padarias, bares, clubes, fábricas, lojas diversas, supermercados, empresas, universidades e órgãos públicos. Esse modelo foi implantado em várias cidades paulistas e tornou-se política pública na cidade de Nova Iguaçu (RJ), tendo repercussão nacional, adotando a nomenclatura “Programa Bairro Escola”.

O Programa Bairro Escola implantado pela cidade de Nova Iguaçu (RJ), em 2006, organizou-se de modo que todas as atividades realizadas na escola são relacionadas com o bairro de pertencimento, no turno complementar escolar. O aspecto fundamental desse programa é o modelo de parcerias semelhante à experiência da Vila Madalena, na qual todos os segmentos da comunidade colaboram com a missão educativa da escola local. Nesse sentido, durante a noite, academias ao ar livre são comuns nas praças, organizadas por voluntários do programa. O bairro passa, portanto, a ser visto como um grande laboratório de experiências educativas. Afirma-se a  ideia de que a escola, por sua vez, passa a ser o grande elemento mobilizador a partir do qual se cria uma rede cidadã pronta a trocar conhecimento e valores.

Apesar do pioneirismo das experiências anteriores, destaca-se ainda a experiência do  município de Apucarana (PR) que, além de articular uma rede extensa de voluntariado, conseguiu vincular os conteúdos das oficinas do turno complementar ao conteúdo interdisciplinar com o turno regular. Por   meio de parcerias com a sociedade, firmou quatro pactos fundamentais: “…pela Educação”, “…pela Responsabilidade Social”, “pela Vida” e “Pacto por uma Cidade Saudável” (BRASIL, 2008).

A cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais, no ano de 2006, implantou o  Programa Escola Integrada, inicialmente denominado de “Escola Integral”, depois de conhecer as experiências mencionadas e adaptá-las à sua realidade. Além das parcerias com as redes locais, a capital mineira também firmou convênios com o Instituto Itaú Social e com o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC).Também realizou parcerias com diversas faculdades e universidades públicas e privadas.

Observa-se que o Programa Escola Integrada, seguindo os princípios da Carta das Cidades Educadoras e as experiências educativas mencionadas, buscou a adesão das famílias. Assim sendo, as crianças e adolescentes que  estudam no turno regular das escolas públicas da rede municipal  de ensino de Belo Horizonte poderiam participar de oficinas culturais e educativas no turno complementar. As oficinas são desenvolvidas por  agentes culturais advindos da comunidade, tais como artesãos, mestres de capoeira, instrutores de artes marciais, danças ou por estagiários universitários, que as  realizam tendo por base conteúdos lúdicos relacionados ao curso de origem do referido estagiário, além de atuarem com estratégias de reforço escolar. Compõe esse quadro de pessoal o “professor comunitário”, selecionado entre o corpo docente da escola e responsável pela coordenação  do programa na unidade escolar. Também esse formato diferencia o Programa Escola Integrada das experiencias educativas que o inspiraram.

O que se observa nas experiências educacionais relatadas é que o   conceito de “Cidade Educadora” mostra outra dimensão para a concepção da Educação Integral no Brasil, que passa a ser pensada na sua possibilidade de extrapolar os “muros” da escola, buscando outros espaços educativos da comunidade. As cidades pioneiras que seguiram essa direção passaram a integrar a Rede Brasileira de Cidades Educadoras, as quais buscaram integrar-se à Associação Internacional de Cidades Educadoras. 

Segundo se lê em “Educação integral” (BRASIL, 2008), a  educação integral no contexto brasileiro é um “campo em construção” que ganha uma configuração nova com a constituição de redes socioeducativas, quando a escola busca parcerias com os diversos setores da sociedade.  O referido documento parte do pressuposto que o modelo da “Cidade Educadora” renovou a concepção de Educação Integral que se constituiu ao longo da história da educação brasileira. Essa renovação em processo da concepção de Educação Integral pelo conceito de “Cidade Educadora” tem sido chamada de “novo contrato social na educação”.

Se  efetivamente está ocorrendo esse “novo contrato social na educação”, é necessário  um alerta. Afinal, ao analisar as transformações ocorridas  no trabalho docente em vários países da América Latina, nos anos de 1990, a  partir de uma nova regulação do Estado sobre a educação, Oliveira (2007) considera que essa nova regulação das políticas educativas trouxe repercussões para a organização e gestão escolar e consequentemente para o trabalho do professor. O Estado vai abrindo mão parcialmente da organização e da gestão cotidiana e transfere essas funções para os níveis intermediários e locais.

Bibliografia

BRASIL. Ministério da Educação. Educação integral: texto referência para o debate nacional. Brasília: SECAD, 2008.

CONGRESSO INTERNACIONAL DAS CIDADES EDUCADORAS, 3, 2004, Gênova. Carta das cidades educadoras: proposta definitiva. Gênova: Associação Internacional das Cidades Educadoras, 2004. Disponível em: <http://www.pitangui.uepg.br/nep/documentos/ Cartadascidadeseducadoras.pdf>. Acesso em: 15 set. 2010.

FAURE, E.Aprender a ser. Lisboa: Bertrand, 1972.

GADOTTI, M. Educação Integral no Brasil: inovações em processo. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2009.

OLIVEIRA, D. A. Política educacional e a re-estruturação do trabalho docente: reflexões sobre o contexto Latino-americano. Educação em Revista, Campinas, v. 28, n. 99, p. 355-375, maio/ago. 2007.

OLIVIRA, N. (Coord.). Bairro-Escola passo a passo. São Paulo: Associação Cidade Escola Aprendiz, 2008. Disponível em: <http://www.cidadeescolaaprendiz.org.br/ institucional/upload/instituicao_arquivos/bairro_escola%20passo%20a%20passo.pdf>