CLASSE SOCIAL
A noção de classe se desenvolveu na teoria social com a destinação principal de caracterizar e explicar os sistemas de desigualdade socioeconômica. A elaboração do conceito representa um legado importante da sociologia clássica, particularmente das obras de Karl Marx e Max Weber, que deram origem a duas influentes tradições de análise de classe. Em Marx, as classes fincam raízes no modo como a produção social é organizada e os seus resultados são apropriados. Na sociedade capitalista, as relações entre trabalhadores assalariados e possuidores dos meios de produção formam o eixo de estruturação do sistema de classes. Na visão de Weber, mais nuançada, as situações de classe emergem e afetam as oportunidades de vida em decorrência da posse e do uso de recursos com valor no mercado, em uma economia em que as interações econômicas são racionalizadas. O conceito de classe, na teoria social, tem se organizado em torno de diferentes questões ou agendas. Classe pode ser representada como uma classificação subjetiva hierárquica ou, em vez disso, como um ordenamento objetivo na distribuição gradual da desigualdade material. Em uma orientação explicativa relacional, ganha relevo o entendimento dos componentes causais que estruturam na sociedade as chances de vida econômicas. A noção pode alcançar uma pretensão explicativa ainda mais ampla ao se atribuir a determinado fator central, como o modo de apropriação do excedente em Marx e o grau de racionalização em Weber, a capacidade de explicar a variação história dos sistemas de desigualdade. No bojo de uma teoria crítica, o conceito de classe estimula uma reflexão sobre as condições que possibilitam e os fundamentos que justificam um futuro alternativo ao sistema capitalista (Wright, 2004). Nas últimas décadas, o conceito de classe tornou-se foco de polêmica vinda de fora e de dentro das ciências sociais, quando não de aberta contestação. Esse embate intelectual tem relação com o novo ambiente econômico, social e político existente nas sociedades contemporâneas. A desigualdade socioeconômica persiste, reproduzindo-se em meio às novas tendências, mas a sua estruturação revela-se mais complexa e heterogênea. Contata-se um enfraquecimento da influência dos condicionamentos de classe na identidade social e na formação de atores coletivos. As tradições sociológicas de análise de classe, por outro lado, responderam aos novos desafios com elaboração teórica criativa e investigação empírica sistemática. A partir dos anos 80, os estudos de classe se converteram em grandes projetos de pesquisa comparativa internacional. No campo marxista, Erik Wright buscou, nos nexos entre classe, ativos, exploração e dominação, uma interpretação aprofundada do processo por meio do qual as desigualdades de recompensas e de capacidades dos atores são geradas por desigualdades de direitos e poderes sobre os recursos produtivos fundamentais (Wright, 2000; 2005). John Goldthorpe focalizou as relações entre origens e destinos (mobilidade social) para demonstrar e interpretar como as sociedades modernas, ancoradas nas instituições da propriedade privada e do mercado de trabalho, reproduzem divisões de classe derivadas da natureza das relações e das condições de emprego (Erikson e Goldthorpe, 1992). As realizações alcançadas pelos estudos de Goldthorpe e parceiros, além de outros desdobramentos, despertaram nas estatísticas sociais, particularmente da União Europeia, um movimento na direção da abordagem sociológica de conceituação e mensuração de classe social (Rose e Harrison, 2007). Uma diversidade de abordagens de classe tendo sido elaboradas, como o conceito de microclasses ocupacionais, ou incrementado a sua influência, a exemplo da noção expandida de classe sugerida por Bourdieu (Wright, 2005). A obra do sociólogo francês tem particularmente inspirado uma reemergência do interesse no conceito de cultura na análise de classe. Os processos materiais e culturais de reprodução de classe estão interconectados na realidade concreta. Entretanto, analiticamente, devem ser tratados como separados na análise de classe (Crompton, 2008).
Em meio a certa diversificação de abordagens, surgem movimentos de convergência no campo da análise de classes. Erik Wright propôs uma abordagem analítica integrada que articula as contribuições oferecidas pela tradição marxista, weberiana e de estratificação social. Parte-se da ideia de que esses três diferentes modos de analisar classe focalizam distintos processos causais em funcionamento que moldam a desigualdade nas sociedades capitalistas. A abordagem marxista identifica como os processos relacionais de exploração e dominação estruturam as condições e as atividades econômicas dentro particularmente da divisão de classe fundamental entre capitalistas e trabalhadores. A abordagem weberiana elucida o papel central dos mecanismos de reserva de oportunidades entre as posições sociais. A abordagem de estratificação focaliza os atributos e a condições que levam os indivíduos a serem distribuídos entre as diferentes posições sociais (Wright, 2009). Os desenvolvimentos contemporâneos das tradições marxista e weberiana têm inspirado esquemas e investigações de classe no país. Orientação teórica neomarxista e imaginação sociológica foram mobilizadas para construir uma classificação socioeconômica atenta à singularidade da estrutura social do Brasil. As pesquisas conduzidas com essa tipologia têm demonstrado a importância dos efeitos diretos de classe na desigualdade social e a relevância indireta dos contextos de classe ao condicionarem e mediarem os efeitos de outras divisões sociais (Figueiredo Santos, 2002; 2005). A abordagem neoweberiana vem usando versões do esquema John Goldthorpe ou classificações adaptadas à realidade nacional para realizar investigações acerca dos padrões de mobilidade social no país (Scalon, 1999; Ribeiro, 2007). Essa tradição de estudos de classe tem contribuído também para elucidar outros processos de fechamento social ou de desigualdade de oportunidades no Brasil.