CONDIÇÕES DE TRABALHO DO PROFESSOR

Autores/as: ADRIANA MIGLIAVACCA

A expressão alude aos aspectos sociais, políticos, culturais e educacionais que, em um período histórico dado, delimitam o marco estrutural em que se desenvolve o processo de trabalho do professor. A ideia de condições leva a tomar distância daquelas análises que buscam a identificação de uma suposta essência universal imanente ao trabalho docente, procurando focalizar o olhar nas relações de forças que permitem pensar o problema a partir de sua contextualização histórica e geográfica.

Um ponto de inflexão significativo na estruturação das condições de trabalho do professor é o das transformações gerais que, nas últimas décadas do século XX, gravitaram sobre a situação da classe trabalhadora, entendendo que a lógica da relação capital-trabalho constitui um padrão pertinente para analisar a realidade de todos aqueles trabalhadores que, como a maioria dos docentes na atualidade, veem-se obrigados a reproduzir suas condições de existência a partir da venda de sua força de trabalho em troca de um salário. Nessa linha de argumentação, algumas teses marxistas (ANTUNES, 1999, 2000; MARTÍNEZ, 2000; DE LA GARZA TOLEDO, 2001) têm cultivado uma concepção ampla de classe trabalhadora, argumentando que ela não se restringe ao trabalho manual direto, mas incorpora a totalidade do trabalho social: “(…) a diferença histórica entre trabalho e não trabalho (DE LA GARZA, 1997) não pode ser determinada pelo tipo de atividade, ou de objeto, mas por sua articulação em certas relações sociais de subordinação, cooperação, exploração ou autonomia” (DE LA GARZA TOLEDO, 2001, p. 14. itálicos do autor). O estudo das condições de trabalho dos professores, no princípio do século XXI, não pode ignorar as linhas de continuidade que se estabelecem entre as últimas transformações desenvolvidas dentro desse campo profissional e as tendências que, como resposta à crise do padrão de acumulação taylorista/fordista, decorrem da implantação de um novo modelo de acumulação capitalista. Entre as tendências mais substantivas, pode-se considerar o significativo incremento do trabalho precarizado e sua expansão a partir da consolidação de novas formas de contratação – trabalho “terceirizado”, subcontratado ou “part-time”–; o incremento dos assalariados no setor de serviços; e o aumento substantivo do trabalho feminino – preferencialmente absorvido no universo do trabalho precarizado e desregulado (ANTUNES, 2000).

Para a questão específica que nos ocupa, a análise deve centrar-se na reconstrução dos sentidos que a reforma laboral e a reforma educativa têm adotado no marco da reestruturação neoliberal impulsionada na América Latina, nas últimas décadas do século XX, assim como nos impactos que esses processos vêm tendo no âmbito do trabalho docente. O desmantelamento do Estado keynesiano tem constituído um contexto oportuno para a difusão e implementação de propostas de derrogação ou modificação de normativas que regulavam o trabalho dos docentes, portadores de direitos laborais que condensavam diversas conquistas obtidas pelas organizações de trabalhadores da educação na história de sua luta sindical. Essas políticas de flexibilização encarnaram um conjunto de diretrizes que – procedentes de organismos governamentais, não governamentais e internacionais – avançaram no deslocamento de garantias vinculadas – entre outros aspectos – à estabilidade laboral, ao sistema de licenças e à estrutura salarial. O argumento com o qual os discursos hegemônicos têm questionado essas garantias é o de que elas desestimulam o trabalho responsável (JAIMOVICH et al., 2004).

O direito à estabilidade laboral e o sistema de licenças começaram a ser restringidos devido ao incremento do emprego temporário, seja sob a forma de suplências ou substituições, ou a partir da extensão progressiva da figura do contrato transitório (BIRGIN, 1999; JAIMOVICH et al., 2004). A título de exemplo, uma investigação realizada na Argentina revela que 64,5% dos docentes titulares registrados em 1994 se reduziram a 57,1% em 2004 (DONAIRE, 2009). Uma tendência similar registrava-se no Uruguai, no ano de 2003, quando de um total de 14.540 docentes empregados no sistema de ensino secundário, apenas 5.850 se encontravam sob a categoria de “efetivos” (PARRILLA et al., 2005). A coexistência de diversas figuras de contratação dentro de um mesmo território nacional potencializou-se pelas políticas de descentralização e privatização dos serviços educacionais, que aprofundaram a situação de heterogeneidade e fragmentação do coletivo de trabalhadores, os quais ficaram expostos – de acordo com a jurisdição ou setor de pertencimento – a maiores ou menores graus de proteção e segurança (SCHERPING et al., 2005).

A situação de desigualdade nas garantias laborais constituíram-se em terreno fértil para a redefinição da estrutura salarial, que começou a ver-se permeada por uma racionalidade meritocrática, que propiciou, por sua vez, o deslocamento dos critérios remunerativos associados ao cargo e à antiguidade na profissão, e a incorporação de novos parâmetros “meritórios”, tais como a capacitação, o presentismo, o rendimento e/ou o “desempenho” (JAIMOVICH, et al., 2004). Em estreita relação com esse processo, pode dimensionar-se a deterioração do poder aquisitivo dos salários, o que também deve ser analisado como uma consequência das políticas de ajuste fiscal e dos processos inflacionários que têm afetado os diferentes países do continente. Na mesma direção, os processos de intensificação do trabalho, ou seja, a progressiva destinação de novas cargas – associadas, entre outras causas, ao aumento do número de alunos por sala, à delegação de tarefas de programação e gestão de recursos, ou à ampliação das tarefas de tipo assistencial –, contribuíram para incrementar o tempo de trabalho extraclasse que historicamente tem permanecido invisível na remuneração da jornada de trabalho (BIRGIN, 1999). De maneira complementar, a introdução de lógicas tecnocráticas na definição das políticas educativas teve um peso decisivo no aprofundamento da – também histórica – cisão entre concepção e execução, a partir do momento em que obturou a organização de espaços coletivos de reflexão e problematização dos sentidos pedagógicos da tarefa de ensino.

Bibliografia

ANTUNES, R. ¿Adiós al trabajo?Ensayo sobre las metamorfosis y el rol central del mundo del trabajo.Buenos Aires: Ediciones Herramienta, 1999.

ANTUNES, R. El trabajo y los sentidos. Montevideo: Grupo de Estudio del Trabajo, 2000.

BIRGIN, A. El trabajo de enseñar: entre la vocación y el mercado:las nuevas reglas del juego. Buenos Aires: Troquel, 1999.

DE LA GARZA TOLEDO, E. Problemas clásicos y actuales de la crisis del trabajo. In: DE LA GARZA TOLEDO, E. y NEFFA, J. (Comp.). El fututo del trabajo. El trabajo del futuro. Buenos Aires: Clacso, 2001. p. 11-31.

DONAIRE, R. La clase social de los docentes: condiciones de vida y de trabajo en Argentina desde la colonia hasta nuestros días. Buenos Aires: Ediciones CTERA, 2009.

JAIMOVICH, A. et al. Reformas neoliberales, condiciones laborales y estatutos docentes.Buenos Aires: Centro Cultural de la Cooperación, Departamento de Educación, 2004. (Cuaderno de Trabajo, n. 37)

MARTÍNEZ, O. El mundo del trabajo en la década del 90. En: GAMBINA, J. C. (Coord.). Izquierda, instituciones y lucha de clases: la diputación de Floreal Gorini en los noventa.Buenos Aires: Talleres, 2000. Disponível em: <http://www.tel.org.ar/lectura/arttrabj90.html>. Acesso em: 26 abr. 2010.

PARRILLA, D. et al. Informe Uruguay: AFUTU y FENAPES. In: CTERA et al. Las reformas educativas en los países del Cono Sur: un balance crítico. Buenos Aires: CLACSO, 2005. p. 361- 462.

SCHERPING, G. et al. Informe Chile: Colegio de Profesores. In: CONFEDERACIÓN DE TRABAJADORESDE LA EDUCACIÓN DE LA REPÚBLICA ARGENTINA. Las reformas educativas en los países del Cono Sur:un balance crítico. Buenos Aires: CLACSO, 2005. p. 277-358.