CULTURA ESCOLAR

Autores/as: LUCIANO MENDES DE FARIA FILHO

Forma como são representados e articulados pelos sujeitos escolares os modos e as categorias escolares de classificação sociais, as dimensões espaço-temporais do fenômeno educativo escolar, os conhecimentos, as sensibilidades e os valores produzidos/ transmitidos/aprendidos na escola, a materialidade e os métodos escolares.

Importa afirmar que a formatação dessa categoria de cultura escolar tem sido alimentada pelos diversos subsídios que tem recebido dos conceitos de cultura, que estão presentes nos mais variados campos disciplinares, como já anteriormente citados. Destarte, no diálogo da produção da pesquisa e dos estudos sobre a cultura escolar, tem sido realçada a utilização de autores tais como Jean-Claude Forquim, Antônio Viñao Frago, Dominique Julia, Antônio Nóvoa, Guy Vincent, Bernard Lahire, Daniel Thin, Jean Hébrard, André Chervel e Philippe Perrenoud, dentre outros.

Esses autores têm aplicado o conceito de cultura escolar sob formas diversas, cada um buscando adotá-lo sob a ótica orientadora de suas perspectivas de explicação das práticas internas da instituição escolar. Portanto, o olhar para as práticas cotidianas da escola se fixa nos acontecimentos silenciosos do seu funcionamento interno. Silenciosos, sejam pela ausência de documentos, ou documentos pouco conservados, sejam, ainda, por não terem sido encontrados. Destarte, o uso da categoria cultura escolar apresenta-se como possibilidade, como irá conceber Dominique Julia, do abrir a “caixa preta da escola, ao buscar compreender o que ocorre nesse espaço particular”, (JULIA, 2001, p. 13).

Segundo Diana Vidal (2005), a questão já vinha sendo tratada com anterioridade, pelo menos desde os anos de 1980, por André Chervel e Fourquin, com trabalhos traduzidos no Brasil, em 1990 e 1992, respectivamente, o que não invalida, de forma alguma, o mérito de sua importância para o alargamento das pesquisas que contemplam a cultura escolar.

André Chervel também tem sido muito requisitado pelos estudiosos (FARIA FILHO, 2002; SOUZA, 2000; BITTENCOURT, 2003) que estão investindo no conhecimento da cultura escolar. Tem sido referenciado, principalmente, pelas contribuições sobre a história das disciplinas. Chervel, desde a década de 80, vem se contrapondo ao conceito de transposição didática como acima mencionado. Ele irá defender a especificidade da cultura que a escola produz e, portanto, criticar os esquemas de explicação do saber escolar enquanto saber inferior ou derivado de outros saberes tidos como superiores. 

Ao estudar a história das disciplinas escolares, André Chervel concebe que uma “disciplina” é “em qualquer campo que se a encontre, um modo de disciplinar o espírito, quer dizer de lhe dar os métodos e as regras para abordar os diferentes domínios do pensamento, do conhecimento, da arte” (CHERVEL, 1990, p. 180). Diante disso, para esse autor, o estudo da história das disciplinas pode contribuir para que se compreenda a cultura produzida na e pela escola. Isso porque, para ele, o sistema escolar é dotado de um poder criativo, poder esse exercido na relação que a escola desenvolve com a sociedade, desempenhando um papel de formação do indivíduo e, dessa forma, de uma cultura que irá impactar diretamente a vivência desse indivíduo na sociedade. Em suas palavras, o sistema escolar “forma não somente os indivíduos, mas também uma cultura que vem por sua vez penetrar, moldar, modificar a cultura da sociedade global”. (CHERVEL, 1990, p. 184).

Forquin aborda a cultura escolar tomando de empréstimo o conceito sociológico e etnológico de cultura. Segundo ele, o conceito de cultura contribui para o entendimento do que se passa dentro da escola e, também, no seu entorno. Nesse sentido, considerar que “os alunos de diferentes meios sociais chegam à escola portando certas características culturais que influenciam diretamente a maneira pela qual eles respondem às solicitações e às exigências inerentes à situação de escolarização” e, também, que os professores apresentam-se à escola com as características próprias, com os seu saberes, os seus referenciais, pressupostos, valores subjacentes à sua realidade concreta, dotados de “maneiras por vezes contraditórias”, não indicam, propriamente, uma cultura escolar. Devem, também, ser consideradas as práticas e as situações escolares, que, segundo ele, “têm suas características de vida próprias, seus ritmos e seus ritos, sua linguagem, seu imaginário, seus modos próprios de regulação e de transgressão, seu regime próprio de produção e de gestão de símbolo” (FORQUIN, 1993, p.167). Para Forquin, tudo isso deve ser considerado apenas como características da cultura da escola e não da cultura escolar. Para ele, a cultura escolar pode ser definida “como o conjunto dos conteúdos cognitivos e simbólicos que, selecionados, organizados, ‘normalizados’, ‘rotinizados’, sob o efeito dos imperativos de didatização, constituem habitualmente o objeto de uma transmissão deliberada no contexto das escolas”. (FORQUIN, 1993, p. 167).

Nessa mesma direção, Perrenoud irá conceber a transposição didática como um conceito que receberá a seguinte explicação: “ensinar é, antes de mais nada, fabricar artesanalmente os saberes tornando-os ensináveis, exercitáveis e passíveis de avaliação no quadro de uma turma, de um ano, de um horário, de um sistema de comunicação e trabalho”. Nesse caso, a cultura escolar poderá ser analisada na perspectiva da profissão docente, levando-se em consideração a possibilidade de que essa análise ocorra numa situação em que a “escola submete os saberes, e de uma maneira global, as práticas e as culturas, a um conjunto de transformações para os tornar ensináveis”, num movimento que vai desde a seleção do conhecimento, passando pela sua didatização, isto é, tornando-o ensinável, até a “aprendizagem efetiva dos alunos”. (PERRENOUD, 1993, p. 25).

Outro autor que tem contribuído com a demarcação do estudo do espaço e do tempo escolares, na perspectiva da denominação da cultura escolar como objeto histórico, é Vinão Frago. Para ele, a compreensão da cultura escolar passa necessariamente pela consideração que vai desde a sociologia das organizações até a antropologia das práticas cotidianas. Nesse sentido, segundo ele, “a cultura escolar pode ser definida como um conjunto de ideias, princípios, critérios, normas e práticas sedimentadas ao longo do tempo das instituições educativas” (VINÃO FRAGO, 2000, p. 100). Isso significa dizer que no interior da escola produzem-se “modos de pensar e de atuar que proporcionam” a todos os sujeitos envolvidos nas práticas escolares “estratégias e pautas para desenvolver tanto nas aulas como fora delas” condutas, modos de vida e de pensar, materialidade física, hábitos e ritos. (VINÃO FRAGO, 1995, p. 68-69).

Dentro dessa perspectiva, espaço e tempo são concebidos, distribuídos e utilizados pelas instituições escolares e pelos sujeitos que tomam parte da vida cotidiana da escola que, ao longo do tempo, determinarão as práticas e os modos de pensar e fazer escolares. Portanto, o espaço diz respeito à natureza da escola como lugar específico e o tempo, “diverso e plural, individual e institucional, condicionante e condicionado por outros tempos sociais” (VINÃO FRAGO, 2000, p. 101). Um tempo conflituoso, que precisa ser entendido nas dimensões do tempo pensado, ou teórico, proposto pelos pedagogos, inspetores e mestres, do tempo legal, normatizado e prescrito nas leis e regulamentos e do tempo escolar, o tempo que se revela no interior dos acontecimentos da escola. Tempos e espaços que não são neutros, mas construídos e determinantes de uma cultura escolar.

Numa direção bem próxima, acrescentando a ênfase na consideração de que a análise da cultura escolar precisa ser feita na relação com o conjunto das culturas contemporâneas, Dominique Julia compreende a cultura escolar como “um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos” (JULIA, 2001, p.10). São normas e práticas que precisam ser entendidas nos aspectos relativos ao contexto de sua produção, à sua finalidade, que varia segundo o tempo, podendo atender às questões de ordens diversas como: religiosa, sociopolítica ou de socialização e, por fim, a consideração que recai sobre os sujeitos que estarão envolvidos na obediência ou não das normas e no estabelecimento das práticas diárias do fazer escolar.

Bibliografia

BITTENCOURT, C. M. F. Disciplinas escolares: história e pesquisa. In: OLIVEIRA, M. A. T.; RANZI, S. M. F. (Org.). História das disciplinas escolares: contribuições para o debate. Bragança Paulista: EDUSF, 2003.

CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação, Porto Alegre, n. 2, p. 177-229, 1990.

FARIA FILHO, L. M. Escolarização, culturas e práticas escolares no Brasil: elementos teórico-metodológicos de um programa de pesquisa. In: LOPES, A. A. B. M. et al. História da educação em Minas Gerais. Belo Horizonte: FCH/FUMEC, 2002.

FORQUIM, J.-C.. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológica do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

JULIA, D. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, n.1, p.9-44, 2001.

PERRENOUD. P. Práticas pedagógicas, profissão docente e formação: perspectivas sociológicas. Lisboa: Dom Quixote, 1993.

SOUZA, R. F. Um itinerário de pesquisa sobre a cultura escolar. In: CUNHA, M. V. Ideário e imagens da educação escolar. Campinas: Autores Associados, 2000.

VIDAL, D. G. Culturas escolares. Campinas: Autores Associados, 2005.

VINÃO FRAGO, A. Historia de la educación e historia cultural: posibilidades, problemas, cuestiones. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 0, p. 63-82, 1995.

VINÃO FRAGO, A. El espacio y el tiempo escolares como objeto histórico. Contemporaneidade e Educação, Rio de Janeiro, n.7, p. 100-101, 2000.