CUSTO-ALUNO QUALIDADE
A falta de qualidade é um problema que atinge a escola brasileira desde as suas origens. Em relato pioneiro, feito originalmente em 1889, Almeida (1989) já relatava as mazelas da educação pública brasileira, atribuindo-as ao subfinanciamento e aos baixos salários dos professores. Durante o século XX, o país apresentou um impressionante crescimento do atendimento escolar nas diferentes faixas etárias. Contudo, essa expansão foi feita sem qualquer preocupação com a garantia da qualidade. É nesse contexto que surge a demanda pelo direito a uma escola pública de qualidade para todos. Desde 1988, a Constituição Federal já estabelece, em seu art. 206, como princípio, a garantia de padrão de qualidade. A CF, contudo, avançava pouco na forma de viabilizar essa norma, uma vez que o princípio que regulava o financiamento da educação era o dos recursos disponíveis por aluno, tendo por base os percentuais mínimos vinculados. Não havia a preocupação em se verificar se os valores assim disponibilizados garantiam um padrão mínimo de qualidade para o ensino oferecido. Nesse sentido, produziu-se um rico debate sobre a relação entre o padrão de financiamento e a qualidade do ensino que perdura até hoje (ver, entre outros, PINTO, 1991; MELLO, 1991; MELLO; COSTA, 1993; MONLEVADE, 1997; FARENZENA, 2005; VERHINE; MAGALHÃES, 2006; GOUVEIA et al., 2006). Um passo importante foi dado, então, com a nova redação dada ao § 1º do art. 211 da CF pela Emenda Constitucional 14/96, a mesma que criou o Fundef, segundo a qual cabe à União, em matéria educacional, exercer função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade de ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (grifos nossos). Define-se assim o princípio do Custo-Aluno Qualidade (CAQ) e a quem cabe garanti-lo: a União em colaboração com os estados e municípios. Porém, como chegar ao valor do CAQ? A LDB oferece um caminho ao definir padrões mínimos de qualidade de ensino como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem (art. 4º, inc. IX). Portanto, o caminho apontado pela legislação é o que a qualidade de ensino está associada aos insumos. Embora essa correlação entre insumos e qualidade pareça natural, há um grupo de pesquisadores, em especial nos EUA, que a contesta (sobre a discussão insumos x qualidade recomenda-se: BURTLESS, 1996; BROOKE; SOARES, 2008). Um segundo passo importante para se atingir o CAQ foi dado com a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE), em 2001 (Lei nº 10.172). Essa lei, que fixou diretrizes e metas para a educação nacional na primeira década deste século, arrolou um conjunto extremamente detalhado de insumos e de condições de funcionamento que deveriam ser assegurados em todas as escolas dos país, em suas diferentes etapas e modalidades. Mais do que isso, o plano fixou também os meios para se atingir essa metas, ao determinar a ampliação dos gastos públicos com educação de forma a atingir 7% do PIB. Contudo, essa determinação, fundamental para viabilizar o PNE, foi vetada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Foi nesse contexto que a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, em 2002, iniciou um movimento de mobilização social para a construção do CAQ. A ideia central norteadora do processo foi: qual deve ser o recurso gasto por aluno para se ter um ensino de qualidade? Já a metodologia para a construção do CAQ envolveu uma ampla participação. Nesse sentido, foram organizadas oficinas de trabalho que contaram com a presença de profissionais da educação, de especialistas, de pais e alunos e de gestores educacionais. Nessas oficinas, em coerência com a legislação, buscava-se definir os insumos que deveriam compor uma escola com padrões básicos de qualidade. Nesse sentido, firmou-se o consenso de que o que se discutiria seria um ponto de partida, um padrão mínimo de qualidade, que deveria ser assegurado a todas as escolas do país, até porque os critérios de qualidade evoluem com o tempo. Daí surgiu o conceito de Custo-Aluno Qualidade Inicial (CAQi), entendido como um primeiro passo rumo à educação pública de qualidade no Brasil (CARREIRA; PINTO, 2007). Portanto, o conceito de qualidade que norteou a proposta referenciou-se em uma perspectiva democrática e de qualidade social. Não se visa a uma escola de qualidade para uma pequena elite de crianças e jovens, mas para o conjunto da população brasileira. Parte-se também do pressuposto que a qualidade é um conceito em construção e que o próprio processo de debatê-la já é um de seus componentes. Partiu-se então para a construção de escolas típicas (creche, pré-escola, séries iniciais do ensino fundamental, séries finais do ensino fundamental, ensino médio, séries iniciais e finais do ensino fundamental na educação do campo), estabelecendo-se padrões de construção, equipamentos, número de profissionais, padrões de remuneração, alunos/turma. Todos esses insumos foram precificados em valores de 2005, e as tabelas podem ser obtidas no sítio da entidade (www.campanhaeducacao.org.br). Na proposta, foram ainda previstos recursos para que as escolas possam desenvolver projetos especiais, assim como recursos para formação profissional (toda a equipe) e para a administração central dos sistemas de ensino. A proposta da Campanha entende ainda que, no que se refere a modalidades específicas como Educação de Jovens e Adultos, Educação Especial, Educação Indígena, Educação Quilombola, Educação Profissional e mesmo Educação do Campo (para a qual foi feita uma proposta de CAQi), seriam necessários estudos específicos para uma melhor definição do respectivo CAQi. A proposta sugere ainda a criação de adicionais do CAQi como forma de destinar mais recursos para as escolas que atendam crianças em condições de maior vulnerabilidade social. Finalmente, em 05/05/2010, a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação aprovou a Resolução 08/2010, definindo o CAQi como referência para a construção da matriz de Padrões Mínimos de Qualidade para a Educação Básica Pública no Brasil. Os valores fixados, tendo por base os percentuais do PIB (Produto Interno Bruto) per capita, são os seguintes: creche – 39,0%, pré-escola – 15,1%, ensino fundamental urbano de 1ª a 4ª séries – 14,4% (no campo – 23,8%), ensino fundamental urbano de 5ª a 9ª séries – 14,1% (no campo – 18,2%) e ensino médio – 14,5%.