DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

Autores/as: ANTÔNIO CARLOS RIBEIRO

Essa é uma forma de organização do governo na qual os cidadãos encontram espaços para manifestar suas opiniões sobre as questões de interesse de sua comunidade. Na democracia participativa, essas opiniões produzem efeitos sobre as decisões políticas, isto é, decisões que afetam a todos. A democracia participativa fundamenta-se, principalmente, a partir de dois ideais: o da igualdade política e o da participação direta. Sartori (1994) identifica-os como a base da dimensão horizontal da democracia. Associada à democracia ateniense, essa dimensão representa o alicerce do regime democrático. Originalmente, a democracia era entendida, então, como o governo do povo (do latim demo: povo e Kracia: governo). Essa definição do regime democrático o associou à ideia segundo a qual sua realização só poderia acontecer por meio da participação direta dos cidadãos nas decisões políticas. Durante muito tempo, o desenvolvimento da teoria democrática baseou-se na oposição entre o ideal de uma democracia direta e a forma indireta de realização do regime democrático. Essa última relacionada às discussões sobre o governo representativo. Autores como Benjamin Constant, Alex de Tocqueville e John Stuart Mill defenderam a democracia representativa ou parlamentar como a única forma possível de implementação do regime democrático nos Estados liberais (BOBBIO, 2007). A oposição entre democracia direta versus democracia indireta teve como questão de fundo as mudanças estruturais ocorridas ao longo da história das sociedades. Assim, muitas vezes, destacou-se que as condições para realização do ideal da democracia direta não mais existiam. Rousseau (2008, p.81), em O contrato social, já apontava as altas exigências para realização do ideal da democracia direta: “um Estado muito pequeno em que o povo seja fácil de reunir e no qual cada cidadão possa facilmente conhecer todos os outros. […] uma grande simplicidade de costumes que evite o acúmulo de questões e as discussões espinhosas. […] igualdade nas condições e nas fortunas […] pouco ou nenhum luxo”. No debate contemporâneo sobre a democracia, essas exigências foram atualizadas e destacadas como um grande obstáculo à realização do ideal democrático. Bobbio (1986) representa essa perspectiva destacando seis promessas não cumpridas pela democracia nos nossos dias. Aos problemas do tamanho do corpo político, da desigualdade socioeconômica e do multiculturalismo, característicos de muitas sociedades modernas, o autor acrescenta a questão da complexidade técnica derivada do desenvolvimento tecnológico que passou a exigir conhecimento especializado para decidir sobre algumas questões políticas. Além disso, para Bobbio, a realização do ideal da democracia direta, hoje, é impedida pela exigência de um Estado mais eficiente capaz de atender a um número de demandas cada vez maior e pela apatia da maior parte dos cidadãos. Como se nota, a associação da democracia participativa ao ideal da democracia direta e, consequentemente, a proposta daquela como alternativa à democracia representativa resultou na negação da possibilidade da democracia participativa. Dessa forma, formou-se um campo hegemônico na teoria democrática que, argumentando a impossibilidade da participação dos cidadãos nos assuntos públicos, defendeu uma concepção de democracia limitada a entendê-la como um conjunto de regras e procedimentos para escolha daqueles que deveriam decidir em nome de todos (SCHUMPETER, 1984). Todavia, o que estava oculto nesse debate era que a participação não se oponha à representação e sim à abstenção (PLOTKE, 1997). O contrário da democracia representativa (ou indireta) é a democracia direta e não a participativa. Atualmente, na teoria democrática contemporânea, tende-se a reconhecer a democracia participativa como uma forma complementar à representativa. Um dos principais argumentos a favor da democracia participativa toma-a como o meio pelo qual informações relevantes para o desenvolvimento dos processos decisórios chegam governantes. Defende-se que a participação dos cidadãos colabora para o conhecimento e contribui para solução dos problemas de interesse do corpo político. Além disso, argumenta-se que a democracia participativa aumenta a legitimidade das decisões tomadas, uma vez que essas devem, em princípio, serem discutidas com aqueles que serão afetados por elas. (SANTOS; AVRITZER, 2002). A democracia participativa deve ser entendida como um dos caminhos possíveis para o aprofundamento do regime democrático. Hoje, no Brasil, um conjunto de instituições oferece os mecanismos através dos quais os cidadãos podem exercer a democracia participativa. Destacam-se os conselhos gestores de políticas nos três níveis de governo (municipal, estadual e federal), em diversas áreas de políticas (saúde, educação, assistência social, etc.); os orçamentos participativos em alguns municípios; as conferências públicas associadas às áreas específicas de políticas; as audiências públicas promovidas pelos legislativos municipais e estatuais; os plebiscitos; os referendos, como o realizado sobre desarmamento (em 2005); o projeto de lei de iniciativa popular, tal como o projeto Ficha Limpa que resultou na Lei Complementar nº 135/10. Bobbio (1986) destacou como a única forma de expandirmos a democracia de nosso tempo a reprodução do seu conjunto de regras e procedimentos em outras esferas da vida social para além da estatal. Dessa maneira, sugeriu que a expansão da democracia dependeria de que aqueles que decidem, como, por exemplo: diretores de Bancos, Clubes, Empresas, Fábricas, Escolas, etc., passem a ser escolhidos através de eleições livres e competitivas e que as decisões nesses espaços fossem tomadas por meio da regra da maioria. Embora esse autor não tenha reconhecido na democracia participativa um recurso importante para o aprofundamento democrático, podemos seguir seu raciocínio para perceber que esta pode chegar a tais espaços. Teoricamente, os efeitos do exercício da democracia participativa nesses locais tendem a ser os mesmos destacados anteriormente, contribuindo assim para a melhoria da gestão da coisa pública.

Bibliografia

BOBBIO, N. O futuro da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 1986.

BOBBIO, N. Democracia. In: BOBBIO, N. Dicionário de política. Brasília: UNB, 2007. p. 319-329.

PLOTKE, D. Representation is democracy. Constellations,Oxford, v.4, n.1, p. 19-34, 1997.

ROUSSEAU, J. O contrato social: 1712-1778. Porto Alegre: L&PM, 2008.

SANTOS, B. S.; AVRITZER, L. Introdução: para ampliar o cânone democrático. In.: SANTOS, B. S. Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 39-82.

SARTORI, G. A teoria da democracia revisitada. São Paulo: Ática, 1994.

SCHUMPETER, J. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Zahar, 1984.