DESCENTRALIZAÇÃO EDUCATIVA
No campo da educação, assim como em outros setores das políticas públicas, o tema da descentralização é controvertido. Existe um importante debate teórico que aborda as vantagens e desvantagens da descentralização educativa, propondo ou criticando diferentes tipos e modelos de descentralização e argumentando acerca das forças que impulsionam as políticas que têm sido efetivamente implementadas (LAUGLO, 1995; McGINN, 1992; WEILER, 1990).
A descentralização pode ser definida como a transferência da responsabilidade da planificação, da gestão e do financiamento do governo central e suas agências para níveis mais baixos (descentralização territorial) ou para unidades de governo mais especializadas (descentralização funcional) (RONDINELLI et al., 1983). A descentralização territorial aparece como mais significativa e problemática, provavelmente porque ela implica maior redistribuição de poder.
A descentralização educativa pode responder a diferentes motivações políticas e pedagógicas: a democratização via maior participação de atores locais e escolares; o aumento da eficiência graças a uma melhor distribuição e utilização dos recursos existentes; a transferência dos custos para governos e outros atores locais; a integração da escola com a comunidade; o desenvolvimento de comunidades profissionais entre os docentes; o melhoramento da qualidade através de uma adaptação dos métodos de ensino ao contexto local; a redistribuição do poder a favor de determinados grupos; a atomização de conflitos para assegurar a governabilidade; etc. (LAUGLO, 1995; PRAWDA, 1993; WEILER, 1990). Algumas dessas motivações podem ser complementares, enquanto outras tendem a contradizer-se entre si.
Desde o surgimento dos sistemas educacionais nos séculos XVIII e XIX, predominou a tendência à centralização, já que o controle sobre a educação tem sido para os estados um elemento fundamental na formação dos indivíduos como cidadãos e trabalhadores, na consolidação das nações e na preservação da ordem social. Porém, recentemente, o papel da educação no aumento da competitividade dos países no marco de uma economia globalizada adquiriu importância para os estados.
Na América Latina, a organização altamente centralizada ainda em países federais como a Argentina e o México foi uma característica destacada dos sistemas educacionais desde sua origem até finais do século XX. No caso do Brasil, ainda que iniciada mais tardiamente e num processo não linear, também se verificou uma tendência à centralização progressiva, ao menos até a década de 1970.
Contudo, desde a década de 1960 e mais notadamente desde os anos 80 são comuns as políticas de descentralização da educação em diversas regiões do mundo. Ao colocar as decisões administrativas das escolas mais perto dos professores e estudantes, essas políticas se justificavam pelo objetivo de aumentar a eficiência do sistema e/ou conceder maior participação aos atores na base, incluindo os membros das comunidades locais. No entanto, como parte de reformas neoliberais do Estado e da economia, as quais conquistaram maior espaço durante a década de 1990, a descentralização foi proposta principalmente para aliviar fiscalmente os estados nacionais e implicou, em certas ocasiões, uma privatização velada ao transferir às famílias as responsabilidades financeiras referentes ao funcionamento das escolas.
O modelo mais estendido na reestruturação dos sistemas educacionais das últimas duas décadas parece ser, porém, aquele que combina medidas centralizadoras (estabelecimento de sistemas de medição da qualidade, parâmetros curriculares, instâncias planificadoras de nível central) e descentralizadoras (desconcentração administrativa, maior autonomia escolar, mecanismos de livre escolha de escola por parte dos pais). Nesse sentido, a descentralização aparece como um componente de novas formas de governo ou regulação da educação, que se estendem por diversos países e regiões, e sobre as quais influenciam fatores locais, nacionais e globais (BARROSO, 2005).
Durante as últimas décadas, colocaram-se em prática diferentes tipos de descentralização educativa na América Latina. No Chile, inicialmente sob a ditadura pinochetista, mas sendo continuado pelos governos democráticos, estabeleceu-se a descentralização administrativa em nível municipal junto com um movimento de privatização, ao permitir a concorrência por fundos públicos entre municípios e escolas privadas. Outros países, como a Argentina, o Brasil e o México, experimentaram processos que descentralizaram a responsabilidade pela administração da educação delegando-a para níveis subnacionais (estados/províncias e municípios). Em vários casos, ao mesmo tempo, descentralizou-se a autoridade em direção à própria escola através da criação de conselhos de escola e da implementação de projetos institucionais ou de melhora para a tomada de decisões sobre diversos aspectos administrativos e/ou pedagógicos.
Esses diferentes tipos de descentralização têm feito parte das recomendações dos organismos internacionais (Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento, CEPAL) para os países da região nos anos recentes, contudo, o entusiasmo por essas medidas vem diminuindo devido ao fato de não terem alcançado os resultados esperados. Em geral, avalia-se que a descentralização educativa na América Latina gerou poucos avanços no que se refere à maior participação social e a melhores rendimentos acadêmicos, sendo que em vários casos tem-se associado ao aumento da desigualdade entre escolas e entre diferentes regiões, assim como à segmentação dos sistemas educacionais (KRAWCZYK; VIEIRA, 2007; WINKLER; GERSHBERG, 2000).