DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE
O aprendizado da docência é um desafio que os professores, as escolas e os sistemas educativos enfrentaram ao longo da história. O modo como tem sido feito marcou e influiu no papel dos docentes, suas configurações identitárias e as subjetividades emergentes. No marco dos docentes vistos como profissionais da educação, o aprendizado da docência ao longo da vida tem sido chamado de Desenvolvimento Profissional Docente.
Como descreve Hargreaves (2000), na idade pré-profissional, a docência era concebida como um trabalho demandante, mas tecnicamente simples, onde as principais tarefas dos docentes eram manter a ordem, resolver conflitos e transmitir conteúdos. Seu aprendizado acontecia principalmente em contextos práticos e através de estratégias de ensaio e erro, chegando à maturidade após um período de treinamento que podia levar alguns anos, depois dos quais alcançava-se a experiência.
No marco das exigências e pressões que emergiram a partir das políticas de reforma inclusivas pós Segunda Guerra Mundial e a década de 1960, esse conceito foi sendo modificado. A transformação da tarefa dos educadores obrigou a repensar a forma como os docentes se apropriavam do seu trabalho e aprendiam o ofício. Paralelamente, a produção de conhecimento, pesquisa e teorização sobre como se aprende e ensina aumentou progressivamente no mundo acadêmico, colocando-se à disposição de e em tensão com o conhecimento prático dos docentes (SERRA, 2004). O desenvolvimento profissional (DP) passou a ser encargo de instituições acadêmicas e/ou políticas que organizaram e regulamentaram gradativamente as ações orientadas ao setor docente e especificamente a sua formação. Beirando a década de 1970, a intencionalidade na formação dos professores foi se expandindo e chegando a níveis regulatórios maiores, a maior parte dessas experiências, com exceção de alguns valiosos exemplos, partilhariam a característica de ser mais a respeito dos professores que com os professores.
Na América Latina, durante os processos de reforma liberal que começaram na década de 1980, foi apresentado aos docentes um novo marco identitário. Em alguns casos, como o chileno, essa proposta foi apresentada num contexto completamente antidemocrático e com a finalidade de precarizar as condições laborais dos docentes, como assinala Nuñez (2004), o regime militar quis romper a associação entre o status funcionário [Estatal] e a identidade laboral ( ) Essa medida estava destinada a subtrair simbolicamente os docentes da convocatória do sindicalismo e instalar, em substituição, a identidade profissional (NUÑEZ, 2004, p.71). Além disso, a investidura profissional trazia emparelhada uma série de categorias próprias das profissões liberais, que re-significaram, transformaram e geraram novas interpretações da tarefa docente e seu aprendizado. Em relação à formação e ao trabalho docente, eram referidos como indivíduos livres, responsáveis por si mesmos e por tomar as próprias decisões para sua carreira e destino profissional (FELDFEBER, 2010).
Na década de 1990, há um grande consenso que destaca o protagonismo dos docentes e suas práticas nas salas de aula como um dos principais fatores nos quais se sustentam os processos de aprendizagem de crianças e jovens. Processo que desconhece outros fatores de grande relevância não controláveis por estes e apresenta como resultado um processo de culpabilização dos próprios professores pelo fracasso da educação e da responsabilidade destes para melhorar suas competências profissionais por meio de iniciativas de formação (OLIVEIRA, 2009). Consistentemente se assinala a importância de contar com docentes preparados para enfrentar as mudanças e as transformações que seu meio de trabalho tem sofrido nos últimos anos, exigindo o desenvolvimento de novas capacidades profissionais e o impulso de uma política de formação e desenvolvimento que possa abranger as diferentes etapas da vida laboral dos pedagogos (BECA et al., 2006).
O DP que é proposto aos docentes nesse contexto se conceitualiza como processo ao longo da vida, no qual estes aproveitam e gestionam oportunidades para aumentar suas competências profissionais, o que ocorre principalmente de forma individual. Ao mesmo tempo, é concebido como um processo com diferentes momentos e etapas com ênfases, propósitos e desafios que têm como finalidade a melhora da prática da docência, do status profissional e do seu impacto no aprendizado dos estudantes (BECA et. al, 2006). O DP se dá em uma variedade de instâncias formais e informais que ajudam ao professor a aprender novas práticas pedagógicas, a desenvolver uma nova compreensão a respeito de sua profissão, de sua prática e do meio no qual a desempenha (MONTECINOS, 2003).
Diferente do que ocorria na década de 1970 para alcançar esse propósito, a via acadêmica é questionada na medida em que haveria demonstrado não ser efetiva em atingir seu objetivo. No Chile, Cristian Cox (SOTOMAYOR; WALKER, 2009) propõe a existência de uma fronteira nacional na formação dos docentes que as instituições tradicionais são incapazes de atravessar. A presença dessa fronteira seria responsabilidade das lógicas de formação centralistas sem conexão com as necessidades locais e os problemas concretos da prática ou com uma cobertura que faz impossível sua incidência em grande escala. Sob esse tipo de argumento, o âmbito da formação se volta para o mundo privado, na medida em que possui uma maior flexibilidade e adaptabilidade às condições locais. A formação contínua se subcontrata e externaliza instituições do mundo privado com fins lucrativos, que comercializam serviços de formação docente sob o nome de assistência técnica. Encontramos novamente uma tendência que inova no DP dos docentes e que, porém, mantém uma antiga tradição: a planificação e o DP realizam-se sobre os docentes mais do que com eles.