DIREITO DE GREVE

Autores/as: FRANCISCO MATA MACHADO TAVARES

Ao menos desde meados do século XIX, é consensual a constatação de que a relação de trabalho estabelecida entre capitalista e assalariado não pode ser definida como igualitária ou adequada a categorias como liberdade contratual, disponibilidade e equiparação de forças entre as partes contratantes. O fato é que, entre o detentor dos meios de produção e o indivíduo que se oferece de modo avulso no mercado, com não mais do que a própria força corpórea e intelectual de trabalho, há uma estrutural desigualdade, cujos contornos se revelam dramáticos diante da constatação de que este depende do contrato trabalhista (nos termos do qual produz, mas, contraditoriamente, não percebe os resultados do seu labor, cuja apropriação recai sobre o capitalista) para assegurar as respectivas condições materiais de sobrevivência, ao passo que aquele conta com condições de impor rendimentos crescentemente menores aos seus trabalhadores, ancorado nas normas do direito privado, no progresso da técnica que eleva seu exército industrial de reserva e na simples coerção, miliciana ou estatal, que imputa aos trabalhadores uma carga sempre maior de atividades para uma contrapartida progressivamente inferior. Diante da clara iniquidade estruturante do trabalho no modo de produção capitalista, não restou aos trabalhadores outra alternativa, ao longo da história, senão demonstrar a importância de suas atividades, impondo riscos e prejuízos ao capital, com vistas a obter direitos que lhes devolvessem um mínimo de dignidade, moral e material. Foi no contexto que se pode resgatar em obras oitocentistas, como o clássico do estilo de época do realismo-naturalismo literário Germinal, de E. Zola, em que as condições de vida dos trabalhadores regrediam a patamares inadmissíveis, que o movimento operário em distintos países europeus se lançou à alternativa de paralisação da produção, como meio de imposição de prejuízos aos proprietários e, consequentemente, de pressão para obtenção de direitos, salários justos e condições laborais dignas. A greve, portanto, surgiu como um crime, como objeto de intensa repressão, antes de se constituir como direito dos trabalhadores. Assim, como desdobramento de acirradas lutas sociais, a maioria dos países constitucionais e democráticos do Ocidente passou, ao longo dos séculos XIX e XX, a reconhecer o direito de greve como mecanismo de reivindicação que equipara, ainda que precariamente, as forças entre capital e trabalho, porquanto permite a este impor limites e pressões de ordem produtiva ou acumulativa historicamente reservados apenas àquele.

No Brasil, após o período autoritário em que liberdades fundamentais foram suprimidas de nossa realidade, a Constituição de 1988 assegurou o direito de greve em seu artigo 9°, na forma regulamentada pela Lei nº 7.783, de 1989. De acordo com o texto legislativo em comento, os trabalhadores podem suspender ou paralisar atividades sempre que se revelar frustrada uma negociação. Há inúmeros requisitos para que a ordem jurídica atribua legalidade a uma greve, dentre os quais a notificação acerca da iminência do movimento com antecedência mínima de 48 horas, sua prévia aprovação em assembleia sindical e o não comprometimento de atividades essenciais, tais como transporte coletivo, telecomunicações e controle de tráfego aéreo. As atividades de docência e outras correlatas ao ensino, à pesquisa e à extensão não sofrem das limitações atinentes a serviços essenciais dispostas na lei que regulamenta o direito de greve em nosso país. Há práticas defesas durante o movimento paredista, dentre as quais o impedimento de acesso dos não aderentes ao local de trabalho (piquetes coercitivos). O mais relevante efeito jurídico da greve é a suspensão do contrato de trabalho, de modo que, nesse período, as relações obrigacionais são regidas por acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho. A pertinência ou não das reivindicações consignadas no contexto de uma greve recai sobre a Justiça do Trabalho. Durante o movimento, os patrões não podem rescindir o contrato de trabalho, como tampouco lhes é dado contratar trabalhadores substitutos. Destaca-se, ainda, que a faculdade de se paralisar atividades como meio para se alcançar direitos ou aprimoramento de condições é exclusiva dos trabalhadores, de tal arte que o artigo 17 da Lei nº 7.783/89 veda, expressamente, a greve patronal ou lockout. No que tange aos servidores públicos, há, igualmente, previsão constitucional quanto ao direito de greve, a ser exercido na forma de lei específica, conforme dispõe o inciso VII do artigo 37 da Constituição. Tal legislação, contudo, jamais foi aprovada pelo Congresso Nacional, o que dá ensejo a um hiato jurídico quanto à questão. O Supremo Tribunal Federal, diante da negligência legislativa em dispor sobre a matéria, decidiu que, até a aprovação de norma legislada atinente à greve no serviço público, aplica-se a Lei nº 7.783/89 também para tal classe de trabalhadores.

Bibliografia

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989. Dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 29 jun. 1989.