DIREITOS HUMANOS

Autores/as: EGÍDIA MARIA DE ALMEIDA AIEXE

Conquistas históricas discursivas que decorrem de exigências ou aspirações éticas de liberdade, igualdade e dignidade humana, defendidas em processos de lutas e resistência política e projetos de emancipaçãodo ser humano contra o arbítrio, a violência e a injustiça, nas suas variadas formas. Várias expressões são utilizadas, de forma equivocada ou não problematizada: direitos naturais, direitos do homem, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas, direitos fundamentais do homem. A legitimidade dos direitos humanos vincula-se ao seu conteúdo ético-político, forjado contra um pano de fundo de barbárie e risco de ruptura civilizacional (guerras, tortura, extermínio, escravidão, genocídio, totalitarismos, etc.) que são atualizadas com o avanço dos conhecimentos tecnológicos e ganham novos contornos com o retrocesso dos nacionalismos excludentes e medievalismos. No plano da efetividade, sua densidade jurídico-política decorre da aplicação dos princípios e normas fundamentais consagrados nos tratados internacionais e textos constitucionais, que os transforma em direitos fundamentais. Como adverte Habermas, os direitos humanos têm um caráter duplo, ao mesmo tempo moral e jurídico: como normas constitucionais, gozam de uma validação positiva, mas como direitos cabíveis a cada ser humano enquanto pessoa, também se confere a eles uma validação sobrepositiva (HABERMAS, 2002, P. 213-215). Por seu caráter axiológico, são alvo de passionais objeções e críticas próprias de questões mal compreendidas porque não tematizadas. Tais críticas se devem, em grande parte, a deturpações de informação, resultantes da manipulação da opinião pública por setores da imprensa controlados por grupos econômicos e políticos conservadores. Mas o grande poder desse discurso vem da presença de um sistema autoritário enraizado socialmente, cuja essência parece ter se reproduzido e se mantido até hoje. Como ensina Hannah Arendt, o poder, mesmo o mais totalitário e despótico, não consegue manter-se sem um mínimo de cooperação dos governados, ou seja, sem instalar-se nas mentes dos que estão submetidos a este poder. O fato de o discurso segundo o qual “direitos humanos são para humanos direitos” encontrar adesão em segmentos sociais amplos, mesmo entre potenciais alvos de violações, mostra o descompasso entre os avanços normativos e a cultura de respeito aos valores democráticos, e encontra terreno fértil naqueles indivíduos e grupos que adotam ou apoiam práticas sociais discriminatórias, como o machismo, o racismo, o elitismo, a homofobia, a xenofobia, etc. O julgamento moral das vítimas de violações constitui uma tentativa de legitimar atrocidades, abusos de poder, condutas discriminatórias, omissões e privação de direitos contra pessoas ou grupos em situação de vulnerabilidade social (crianças e adolescentes, populações sem-teto, sem-terra, em situação de rua, com deficiência, em sofrimento mental, pessoas encarceradas, etc.) ou subalternidade política (afrodescendentes, mulheres, segmento LGBT ou com sexualidades alternativas, indígenas, ciganos, entre outros) e, muitas vezes, contra os próprios movimentos sociais, que sofrem um processo de criminalização de suas lutas e de suas lideranças. De outra parte, há organizações e movimentos cujos membros, indignados com o sistemático descumprimento dos princípios de justiça social, denunciam a falta de efetividade de seus dispositivos, em face das históricas omissões do Estado, da corrupção e da impunidade das elites econômicas, bem como da possibilidade de serem utilizados instrumentalmente pelos governos. Na luta pela eliminação das causas estruturais das profundas desigualdades econômicas, como as reformas agrária e urbana, muitas lideranças optam, assim, pela luta política desvinculada de instrumentos jurídicos, das instâncias judiciais, por considerá-los ineficazes, ou parte do aparato institucional que combatem. Em meio a tantas controvérsias, alguns consensos têm se demarcado: a) a imprescindibilidade da disputa política contra o neoliberalismo, esse filho do capitalismo, pela garantia dos direitos econômicos, sociais e culturais, acrescidos aos direitos ambientais e sexuais, para a efetivação da dignidade humana; b) a indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos, afirmadas na Declaração de Viena, em 1993, que colocou um fim no equivocado conflito entre as dimensões dos direitos individuais, civis e políticos e dos direitos econômicos, sociais, sexuais, culturais e ambientais (que parte da doutrina denominou as gerações de direitos); c) o combate à criminalidade está fadado ao fracasso enquanto não for definida expressamente a segurança cidadã, ou seja, enquanto não for transformado o modelo formal do Estado de Direito em “modelo substancial de Estado dos Direitos Humanos” (Alessandro Baratta); d) a efetivação dos direitos humanos requer uma cidadania ativa, que depende de uma cultura democrática, que, por sua vez, exige a democratização dos meios de comunicação e um amplo projeto de educação em direitos humanos. Sem esses requisitos, infrutíferas as tentativas de desconstrução da violência e de construção de uma cultura de paz. O aumento de complexidade em contextos multiculturais, nos planos internacional e interno, passou a suscitar novos desafios, como o de conciliar universalidade e singularidade, redistribuição e reconhecimento, em face de múltiplas necessidades e identidades em luta por reconhecimento, bem como de superar a perspectiva de Estado-nação para construir uma comunidade cosmopolita de cidadãos. Contra as acusações de etnocentrismo ou eurocentrismo, a pretensão de universalidade em face de culturas não ocidentais, um dos argumentos que têm sido utilizados para renovar uma “hermenêutica da suspeita” quanto ao seu potencial emancipatório, Agnes Heller (1992) sustenta que os direitos humanos não são a língua materna do ocidente, mas sim a língua franca, aquela que possibilita a comunicação de todas as línguas. Enquanto críticos se esforçam por renovar seus argumentos, e mesmo a profetizar seu desaparecimento, a própria realidade social se encarrega de desmentir as profecias sobre o futuro dos direitos humanos e provar sua atualidade e imprescindibilidade. O debate contemporâneo tem se focado na defesa de projetos alternativos ou contra-hegemônicos de emancipação social e política: o paradigma eco-socialista (Boaventura de Souza Santos), o dissenso alternativo (José Luiz Quadros de Magalhães, entre outros), a Criminologia Crítica (Alessandro Baratta, entre outros).  Merece destaque, nesse contexto, o protagonismo dos movimentos sociais, que têm pressionado por avanços na ampliação e efetivação de direitos. Na experiência brasileira, as bandeiras do direito à memória e à verdade, do direito à cidade, a luta contra a corrupção, entre outras, mostram a vitalidade de um processo democrático em construção, como ocorreu na XI Conferência Nacional dos DH, realizada pelo governo brasileiro, que resultou na elaboração do III Programa Nacional de Direitos Humanos. Objeto de grandes polêmicas e resistências por parte de setores militares, da Igreja e de grandes empresas de comunicação, etc., ele sintetiza parte dos conflitos e tensões implicados na luta pelos direitos humanos, que tem no seu centro a questão da justiça. Da riqueza dessas construções, vão surgindo novos horizontes de reconstrução e compreensão dos direitos humanos.

Bibliografia

ARENDT, H. Sobre a violência. Rio de Janeiro: Relume-Damará, 1994.

CARVALHO NETTO, M. A hermenêutica constitucional e os desafios postos aos direitos fundamentais. In: SAMPAIO, J. A. L. (Coord.). Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 141-163.

HABERMAS, J. A inclusão do outro: estudos de teoria política. Tradução: George Sperber, Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 2002.  

HELLER, A. Rights, modernity, democracy. In: CORNELL, D.; ROSENFELD, M.; CARlSON, D. G. Desconstruction and the possibility of justice. New York: Routledge, 1992. p.346-360.