DISCRIMINAÇÃO POSITIVA
O conceito de discriminação positiva permite discutir as políticas públicas que, baseadas em uma igualdade formal ante a lei, têm contribuído para fortalecer as desigualdades reais entre grupos sociais. Na atualidade, é retomado nas conceitualizações das teorias da justiça em regimes democráticos.
As raízes do conceito se encontram nas lutas raciais nos Estados Unidos, nas reivindicações dos movimentos pró direitos civis da população afro-americana. Trata-se da chamada Affirmative Action, incluída na legislação, durante o governo Kennedy, para garantir o acesso ao trabalho sem discriminação racial, religiosa ou de origem. Movimentos que representavam minorias apoiaram as políticas de discriminação positiva como estratégia de empowerment, através da criação de medidas destinadas a prevenir ou atenuar mecanismos de discriminação, ou a compensar desvantagens independentes da vontade dos sujeitos que as padecem. Essas medidas supõem um tratamento desigual de modo a igualar as oportunidades de grupos desfavorecidos. Progressivamente foram disseminando-se em diferentes legislações, em especial por meio das cotas, que obrigam as instituições a incorporar, em proporções juridicamente estabelecidas, minorias excluídas e estigmatizadas (uma porcentagem de minorias nas vagas escolares, nas listas de candidatos a cargos políticos, etc.).
Essa noção tem contribuído para evidenciar as limitações do direito burguês em garantir a plena vigência dos direitos a toda a população, independentemente de sua origem étnica, nacionalidade, gênero, orientação política ou sexual. No campo escolar, inscreve-se entre os desenvolvimentos teórico-políticos que questionam um dos princípios centrais dos sistemas educacionais nacionais a igualdade de oportunidades para avançar segundo o mérito como garantia de justiça , questionando a histórica falta de consideração das desigualdades reais dos estudantes frente à igualdade formal ante a escola. As análises desenvolvidas a partir dessa perspectiva questionaram a concepção de igualdade própria do modelo da escola liberal por assimilá-la à homogeneidade na oferta, nas regras e no trato.
Nos Estados Unidos e na Europa, os anos 60 e 70 foram cenário de debates a respeito de como criar uma verdadeira redistribuição das oportunidades sociais que possibilitasse a designação meritocrática destas para responder à aspiração democrática de igualdade de oportunidades (REIMERS, 2000, p.26). Essa preocupação foi suspensa durante a hegemonia das políticas de ajuste estrutural dos anos 80, recuperando novamente um lugar central na agenda internacional nos anos 90.
Nesse período, consolidam-se essas discussões também na América Latina, num contexto de mercantilização educativa caracterizado pelo crescimento da desigualdade entre instituições e a segregação social da matrícula. A discriminação positiva foi pensada como estratégia de compensação para fortalecer tanto os estudantes mais desfavorecidos como as escolas em que estas populações se concentram.
As políticas educativas que apelam à discriminação positiva propõem novas concepções sobre a igualdade e a justiça escolar.
No cenário das reformas educativas dos anos 90, a discriminação positiva foi concebida como estratégia política para operacionalizar o conceito de equidade (FEIJOÓ, 2002), centrando sua atenção nas desigualdades de êxito. Uma escola justa, nessa perspectiva, seria aquela que conseguisse igualar o acesso a competências e conhecimentos. Mas, ao reconhecer que a aquisição de conhecimentos e competências se encontra socialmente condicionada, propõe a compensação como estratégia de política educativa para consegui-lo (BOLÍVAR, 2005).
As políticas focalizadas compensatórias foram o padrão dominante de atuação pública face à desigualdade a partir dos anos 90. Estas se fundaram na conveniência de concentrar os esforços orçamentários nos segmentos populacionais que mais o necessitam através da ação profissionalizada do Estado na detecção da população alvo. Como critério de redistribuição dos recursos públicos, implicou um giro em relação aos modelos de prestação mais universais baseados na reciprocidade que supõe o direito da cidadania, em direção a uma lógica filantrópica baseada na assimétrica relação de tutela entre o que dá e o que recebe. Esse modelo foi fortemente respaldado e difundido por Organismos Internacionais como o Banco Mundial (GLUZ, 2006).
No caso da América Latina, o recurso à ideia de equidade justificou a introdução de um tratamento diferenciado que, longe de fortalecer a igualdade, acabou por relativizá-la com vistas à contenção da pobreza mais do que à promoção dos setores sociais mais desfavorecidos (SAVIANI, 1998).
No melhor dos casos, essas políticas aumentaram efetivamente os recursos que se destinam à educação dos setores de menores recursos, mas não igualaram as oportunidades educativas entre distintos grupos sociais; nem no que se refere a insumos, nem às condições de ensino, e menos ainda no que se refere aos resultados (REIMERS, 2000).
Diversos autores consideram que esses magros resultados se devem à redução que essas políticas efetuaram sobre o problema da desigualdade, limitando-o à desigualdade econômica e por se situar só no plano das evidências visíveis sem transformar as causas estruturais que a geraram (WIEVIORKA, 2004). Na escola em particular, o viés economicista implicou na redistribuição de recursos sem alterar os padrões de privilégio cultural que intervêm nos processos de reprodução da desigualdade escolar (GLUZ, 2006).
Os temas atualmente em debate para fortalecer a igualdade e a justiça escolar consideram: avançar em direção a uma política de reconhecimento, adicionando dimensões culturais ao objetivo social da ação política para superar a perspectiva integracionista; evitar que as desigualdades em uma esfera a escolar, por exemplo domine o acesso a outros bens em outras esferas, como poderia ser o mercado de trabalho; garantir a apropriação dos conteúdos comuns necessários para uma integração social plena a todos os cidadãos independentemente de seu mérito e origem social (BOLÍVAR, 2005). Em termos de Wieviorka (2004) trata-se de garantir que os coletivos sociais se beneficiem com as mesmas oportunidades de sucesso e/ou mobilidade social que o resto da população, fortalecendo as solidariedades coletivas.