DIVISÃO TÉCNICA DO TRABALHO NA ESCOLA
As políticas de democratização da educação dos diferentes países ocidentais, desde os anos 1960, confrontam os sistemas educativos com o desafio de manter na escola, pelo maior tempo possível, toda uma categoria de alunos que, devido a suas dificuldades escolares, sociais, psicológicas e pessoais, são ameaçados pelo fracasso escolar e, consequentemente, pela exclusão social. A escola democrática teve, portanto, de se comprometer com esses novos alunos. Mas, concretamente, o que ela faz para ajudá-los e para melhor acompanhá-los?
Uma resposta possível para essa questão seria a seguinte: ela assumiu um processo de divisão do trabalho escolar que consiste na introdução de um grande número de novos agentes, trabalhando em torno dos docentes, e cuja função consiste em se encarregar das diferentes dimensões da educação dos alunos, o que já não pode ser feito apenas pelos professores. Quem são, então, esses agentes escolares? O que fazem? Mostraremos rapidamente que sua presença tende a modificar o trabalho dos professores, gerando novas implicações sociais na escola (LEVASSEUR; TARDIF, 2004; 2005a).
Destacamos, primeiramente, a importância dessa divisão do trabalho escolar na América do Norte. No Quebec, desde o início dos anos 1990, o número de profissionais e de técnicos cresce, enquanto o número de alunos e de professores regulares diminui. Em certos Estados americanos, o número de trabalhadores não docentes ultrapassa o de professores e chega a constituir mais do que 50% do total do pessoal escolar (TARDIF; LEVASSEUR, 2010).
Os tipos e níveis de formação de todos esses agentes escolares são distintos. Tomemos o caso do Quebec. Os professores são profissionais que têm uma formação universitária especializada, assim como os profissionais não docentes (diversos especialistas em dificuldades de aprendizagem e de comportamento), enquanto os técnicos têm uma formação de Ensino Médio (pré-universitária) e os paratécnicos, uma formação de nível ainda inferior. Consequentemente, não apenas assiste-se, no presente, a uma divisão do trabalho escolar no plano das funções assumidas pelos diversos agentes escolares, como também essa divisão recobre uma importante diferenciação nos estatutos desses mesmos agentes. Tudo isso se traduz pelo fato de que um número cada vez maior de alunos é acompanhado, nas escolas, por um pessoal menos qualificado que os docentes e os profissionais não docentes, o que dá lugar a uma desqualificação do trabalho escolar (TARDIF; LEVASSEUR, 2004). Nesse sentido, a divisão do trabalho escolar esconde implicações sociais importantes no próprio seio da escola.
Essas implicações sociais assumem, igualmente, outra forma. Existem relações de força entre os docentes, os profissionais não docentes e o pessoal técnico e paratécnico, pelo menos tensões de função e conflitos de valores educativos (LEVASSEUR; TARDIF, 2005b). Na verdade, os agentes escolares, tendo funções e estatutos profissionais diferentes, intervêm com os mesmos alunos, mas em nome de valores diferentes. Por exemplo, técnicos em educação especializada (que acompanham alunos que têm problemas comportamentais, pessoais ou psicológicos) se recusam a denunciar alunos que tenham sido pegos consumindo drogas, pois, segundo eles, a lógica repressiva, própria das direções de escola e dos policiais, não ajuda em nada a solucionar os problemas pessoais desses alunos que poderiam estar na causa do consumo de drogas. Além disso, tal lógica repressiva arriscaria romper definitivamente os laços estabelecidos, frequentemente, com dificuldade, e comprometer toda possibilidade de ação educativa com esses alunos que mantêm quase sempre relações antagônicas com a escola e todos os agentes escolares. Outro exemplo: numerosos professores preconizam uma abordagem coercitiva com alunos que vão mal na escola, dando-lhes suspensões ou trabalho suplementar, enquanto os técnicos em educação especializada orientam suas intervenções pelo diálogo, pela escuta e a compreensão.
Concluindo, mencionemos que a divisão do trabalho escolar se associa, ajudando em seu equilíbrio, a outras mudanças que transformam a escola democrática tal como ela existe desde os anos 1960. Com efeito, em vários ambientes, a socialização e até mesmo a importância atribuída à pacificação dos comportamentos de alunos tende a prevalecer sobre a instrução. Ora, as novas políticas de descentralização e a nova regulação da educação não deixam de ter ligação com a prioridade dada à socialização em certos ambientes e essa mesma socialização não deixa de ter ligação com a divisão do trabalho escolar (LEVASSEUR, 2006). De fato, a concorrência que existe desde então entre os estabelecimentos em certas zonas urbanas conduz a uma dualização dos sistemas educativos, na qual os bons alunos se encontram concentrados em estabelecimentos de bom desempenho e, consequentemente, os maus alunos, em estabelecimentos difíceis. Ora, essa concentração dos maus alunos em estabelecimentos difíceis torna cada vez mais necessária uma forte diversificação do pessoal escolar que se traduz, como vimos, por importantes diferenciações estatutárias, já que nem todos esses agentes têm formação, condições de trabalho e mesmo identidades comuns, mas igualmente por diferenças quanto à prioridade a ser atribuída às missões e finalidades da escola. Além do mais, a divisão do trabalho escolar, que se tornou necessária face à concentração dos maus alunos nos estabelecimentos desqualificados, remete a uma reflexão de fundo sobre a ideia de justiça escolar (LEVASSEUR, 2009).