DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA

Autores/as: MARIA ISABEL DA CUNHA

Refere-se ao exercício das atividades do magistério nos espaços da educação superior, incluindo as universidades, mas, de modo genérico, as demais modalidades desse nível de ensino. Insere-se na condição ampla da profissão de professor, assumindo as representações e ações próprias da função de ensinar. Amplia, porém, o espectro de responsabilidades profissionais, incluindo as características peculiares do espaço onde se instala que prevê também as ações de pesquisa e extensão.

Em contribuições recentes Tardif (2001; 2001), tem proposto o estudo dos saberes dos professores no intuito de compreender melhor a profissão docente. Acompanhando a tendência contemporânea das pesquisas qualitativas de inspiração etnográfica, ele adverte “que os saberes que servem de base para o ensino, tais como são vistos pelos professores, não se limitam a conteúdos bem circunscritos que dependeriam de um conhecimento especializado. Eles abrangem uma diversidade de objetos, de questões, de problemas que estão relacionados com seu trabalho. Nesse sentido, os saberes profissionais são plurais, compostos e heterogêneos… bastante diversificados, provenientes de fontes variadas, provavelmente de natureza diferente” (TARDIF, 2001a, p. 213).

Os saberes não são imóveis e estáticos, nem foram produzidos no mesmo tempo, território e circunstância. Eles se imbricam em novas sínteses, na medida em que se constroem. Estão sempre submetidos a novas interferências políticas, pessoais e profissionais.

No caso da docência universitária, os saberes são também atingidos pela estrutura de poder que permeia as distintas profissões e o prestígio que é dado às diferentes dimensões da carreira. Considerando as funções tradicionais de pesquisa e ensino, espera-se que os professores construam saberes que respondam a essas duas demandas, para exercerem sua profissão com êxito. Entretanto, na inspiração mais recente, as funções de pesquisa carregam maior valor agregado na representação sobre o perfil docente, repercutindo sobre sua formação e prática pedagógica. Exemplo claro desse fenômeno é a cultura de tomar a formação de pós-graduação strictu-senso como fundante da carreira universitária, explicitando a representação de um perfil de professor e, certamente, dos saberes que são valorizados na sua formação.

Num esforço preliminar de sistematizar algumas reflexões sobre os saberes do docente universitário, é possível afirmar que há dois componentes principais que permeiam sua prática. São eles o componente da docência e o componente da pesquisa. A extensão aparece como decorrência, mas com menor visibilidade.

O componente da docência alimenta-se, fundamentalmente, dos saberes oriundos da história de vida dos professores, da formação profissional para o magistério (rara no professor universitário) e, com muita ênfase, tal como mostram as pesquisas, da prática que realizam enquanto professores, incorporando o trabalho como espaço e território de aprendizagem. Nessa perspectiva, a docência se alimenta de uma ambiência de cultura, isto é, daquilo que é valor entre seus pares e no seu tempo, incluindo os aspectos que têm significado no seu campo científico. Também está fortemente exposta aos processos regulatórios que vêm das políticas de estado. O professor não é só professor de uma determinada universidade; é também de uma área profissional, de um curso, de determinado nível de ensino. Todas essas dimensões interferem na sua docência e naquilo que valoriza para a realização de seu trabalho, e no que agrega ao seu processo de construção permanente.

O componente da docência recorre a muitos saberes, tanto os que o professor constrói na sua história e experiência de trabalho, como os que se constituem a partir das políticas contemporâneas ao seu exercício profissional. Essas múltiplas influências e energias fazem oscilar as funções de emancipação e regulação que constituem fundamentalmente os processos educativos produzidos pela modernidade na sociedade ocidental (Sousa Santos, 1988). A aprendizagem acompanha o ciclo vital das pessoas e, portanto, é tanto produto como processo da professoralidade daquele que ensina. 

O componente da pesquisa também requer seus próprios saberes. Esses vêm, principalmente, da formação acadêmica realizada na pós-graduação e do exercício das atividades investigativas que o professor realiza. Privilegia, principalmente, a verticalização especializada dos conteúdos de seu campo de conhecimento e a interlocução com a comunidade científica. Assim como acontece no ensino, a ambiência cultural também interfere na produção dos sentidos que o professor dá às suas atividades de pesquisa; mas não se constitui em dependência direta dos atores envolvidos – professores e alunos – e sim, basicamente, dos estímulos pragmáticos desencadeados pelos governos e setores produtivos.

A investigação sobre a própria docência e sobre os processos pedagógicos vivenciados no âmbito da universidade quase não encontra guarida na maior parte das áreas acadêmicas, apesar de também constituírem a dimensão da pesquisa. Essa é uma exteriorização dos valores presentes na cultura acadêmica que estão indicando que o componente da docência não precisa ter, na universidade, o estatuto profissional que se requer para as outras profissões.

A extensão se institui na relação entre o ensino e a pesquisa e terá maior presença quando a perspectiva epistemológica que preside essa relação valorizar a prática e a leitura da realidade como ponto de partida e de chegada da teoria. Tem menos força na estrutura acadêmica de poder como decorrência da perspectiva da ciência moderna, que fortemente atinge as práticas de ensinar e aprender na universidade. Em geral, a extensão é vista, na docência universitária, como atividade de menor prestígio e ligada a compromissos pessoais de alguns professores e áreas.

É preciso considerar que os professores igualmente são portadores de valores culturais e políticos. São marcados por uma história de formação que os faz reproduzir práticas, muitas vezes sem a necessária reflexão sobre as mesmas, sem analisá-las na sua condição valorativa e teórica.

A docência universitária é uma atividade complexa. Só quando for reconhecida essa complexidade poder-se-á avançar em processos de qualificação mais efetivos. Exige saberes específicos que têm um forte componente de construção na prática. Entretanto é uma prática que não se repete, é sempre única. Como tal, exige capacidades para enfrentar situações não previstas. Essas serão muito mais sábias quando dispuserem da teoria para melhor compreendê-las; de uma teoria que não se coloca em justaposição ou se quer generalizadora, mas como possibilidade de fundamentação que pode iluminar os processos de compreensão do vivido.

Bibliografia

SANTOS, B. S. Um discurso sobre a ciência. Porto: Afrontamento, 1988.

TARDIF, M. O trabalho docente, a pedagogia e o ensino: interações humanas, tecnologia e dilemas. Cadernos de Educação, Pelotas, Ano 10, n.16, p. 07-14, jan./jun. 2001.

TARDIF, M.; RAYMOND, D. "Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho docente no magistério". Educação e Sociedade, Campinas, n. 73, ano XXI, dez 2001, pp.215-233.