EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA – EAD

Autores/as: ROSILENE HORTA TAVARES

Após profundos estudos conceituais, Garcia Aretio (1987) define EaD como “um sistema tecnológico de comunicação massiva  e bidirecional, que substitui a interação pessoal na sala de aula de professor e estudante como meio preferente de ensino pela ação sistemática e conjunta de diversos recursos didáticos e de apoio de uma organização tutorial, que propiciam a aprendizagem autônoma dos estudantes.” Por coerência com as atuais transformações sociais e econômicas no mundo, Belloni (1999) afirma que seria a Aprendizagem Aberta e a Distância (AAD), concepção de EaD centrada menos nos meios tecnológicos para o ensino e mais no estudante e na aprendizagem, a terminologia mais apropriada às novas exigências dos mercados capitalistas em sua fase atual. A análise do termo, neste Dicionário, não se centra na discussão sobre concepções de EaD, mas sim nas implicações, para o trabalho docente, desse modo de organização do processo de trabalho.

Desde o fim da década de sessenta do século XX, o capitalismo, em sua forma de acumulação flexível (Harvey), vem instituindo novos processos de gestão do trabalho, pós-fordistas ou toyotistas, e novas tecnologias. Juntos, tais fatores produzem forte alteração nos parâmetros de integração e coordenação do sistema. O capitalismo se converte em totalidade da economia global, produzindo, de forma inédita, uma mais-valia globalizada, com a primazia da compressão espaço-tempo, propiciada pela unicidade da Técnica (HARVEY, 1992; SANTOS, 2000).

A atual expansão mundial da EaD, assim como a crescente intensificação do trabalho docente, são algumas das políticas de reestruturação mundial do Trabalho. Há um imperativo econômico tanto de ampliação ou democratização do ensino, em especial, o superior; quanto de requalificação profissional, por meio da educação continuada; assim como de qualificação da componente mental ou intelectual da força-de-trabalho, também aquela em formação nas escolas. A EaD aparece nesse quadro como meio estratégico.

São importantes novas pedagogias, centradas no objetivo de acentuar a capacidade mental ou de aprender do trabalhador em formação na Escola. Tornam-se “naturais”, assim, as premissas do “aprender a aprender”, “aprender a ser”, dentre outras competências e habilidades oriundas do sistema Toyota. São essas que se configuram, nos sistemas de EaD, enquanto princípios instrucionais, conformando um novo tecnicismo pedagógico. Entretanto, como estão bem amalgamadas ao construtivismo, naturalizam-se na cena real. Em ambas as pedagogias, há um incentivo a que os estudantes saibam resolver problemas complexos e da realidade; atuem conjuntamente buscando solucionar tais problemas; analisem os problemas levando em conta perspectivas diversas; comportem-se com autonomia no que diz respeito à sua própria aprendizagem, de forma ativa; assumam um papel firme na construção do conhecimento.

Algumas das tecnologias que irão materializar tais possibilidades de aprendizagem são notebooks, celulares ou palmtops (mobile learning); e a construção de objetos de aprendizagem, meios que permitem a classificação e armazenamento de materiais didáticos em diversos formatos, especialmente digitais, em bases de dados. O objetivo é o de reduzir o tempo de trabalho (docente) incorporado ao produto (aluno) através do uso de novas tecnologias. Isso é mais-valia relativa se efetivando nas relações sociais, modificando, praticamente, os patamares de acumulação de capital. Aquela classificação e armazenamento de materiais didáticos em diversos formatos irão garantir aos trabalhadores em educação, ou aos docentes, que se reduza a redundância de esforços no desenvolvimento cognitivo por intermédio do reaproveitamento de conteúdos e mídias projetadas em formato modular.

Ao contrário de uma aparente radical positividade da “sociedade da informação”, o processo de trabalho, também nessa sociedade, pressupõe perda de grande parte da autonomia e da liberdade humana, uma aceleração do ritmo de vida e um aumento da pressão laboral (BUSTAMANTE, 1993). No campo educacional, apesar do discurso da “autonomia”, a função básica da Escola se mantém como condição geral de produção e reprodução de trabalhadores com determinado tipo de formação e treinamento (além da formação de gestores ou capitalistas), como analisam Bernardo (1991) e Santos (1989). Para efetivar tal função como processo, o trabalho docente é o eixo fundamental.

Se na ‘educação convencional’ (BELLONI, 1999) esse trabalho está centrado na figura do professor, na EaD, ele se estende ou se reparte entre mais trabalhadores, como os tutores e técnicos. Configura-se assim uma docência ampliada. A própria tecnologia da informação e comunicação é, na EaD, um alargamento da docência, configurando o novo trabalho docente, especialmente a partir dos anos 1980. Atividades de planejamento, próprias da “antiga” didática docente, são automatizadas, cabendo aos computadores realizar o plano instrucional, redigir objetivos gerais e específicos e itens de avaliação. Os trabalhadores em educação têm determinadas tarefas complementadas pelos sistemas de informação, que as desempenham no momento e no formato em que são necessárias, o que configura o just in time na educação. Programas computacionais “oferecem” ou bases de dados com relação direta com o trabalho, no formato de simulações e tutoriais, ou automatização de tarefas, chegando até mesmo a “se apresentarem” como “consultores especializados” para determinadas atividades. Há, nos cursos a distância, um rápido crescimento no uso e desenvolvimento de sistemas de suporte à docência ampliada. Parece que, na EaD, parte significativa dos trabalhadores em educação está de fato integrada à docência, o que amplia o sentido social da profissão docente. Entretanto, a forma de organização do trabalho docente na EaD está pautada sob a relação intrínseca entre as práticas docentes e a estrutura organizacional da Escola. Há uma clara separação entre o trabalhador em educação e a organização de seu processo de trabalho, com o agravante de que a própria docência se fragmenta, para se ampliar em várias partes ou especialidades, sem possibilidade de haver uma unidade entre trabalhadores e instrumentos de trabalho, já que tais instrumentos são resultantes de tais relações, configurando, portanto, uma tecnologia de tipo capitalista (BERNARDO, 1991). Na EaD, essa crescente cisão entre os trabalhadores e os meios e instrumentos de trabalho se acentua, considerando a separação das tarefas (também) da docência ampliada, inclusive com a separação física dos trabalhadores nela envolvidos.

No que diz respeito ao conhecimento que aí se desenvolve (com o incremento tecnológico), ele ocorre sem que haja uma estreita relação com os trabalhadores. Assim como na educação convencional, na EaD, os trabalhadores em educação não participam, de fato, do processo de produção do conhecimento em geral, tampouco do processo de produção do conhecimento em particular (SANTOS, 1989). Em se tratando do ensino superior, a participação docente na produção do conhecimento acaso se alargaria? Aparentemente, sim. Pelo menos para os docentes que são responsáveis pela (às vezes simples) organização (não se disse produção) do “conteúdo”; daí serem estes, na divisão do trabalho da docência ampliada, caracterizados como “conteudistas”…  Mesmo assim, esse é o setor específico para a produção de conhecimentos técnico-científicos, formado por pessoas altamente especializadas e qualificadas, geralmente doutores ou mestres, nas instituições conceituadas.

Entretanto, trata-se apenas de gestão do conhecimento que, nas últimas décadas, integra perfeitamente o campo da gestão dos recursos humanos (RH) nas empresas, ou Escolas. Com o intuito de qualificar a performance produtiva dos trabalhadores em educação, são utilizadas bases de dados, intranets e software que garantem a comunicação e a cooperação entre trabalhadores da docência ampliada, o que permite documentar e disseminar o que existe em conhecimento explícito e tácito. As informações, assim, neste sistema just in time, são disponibilizadas no “momento certo”, o que reduz a necessidade de gastos com educação para o trabalho. Perfeita economia de escala. É dessa maneira que as profissões são criadas, alteradas ou ampliadas. Talvez por isso estejamos assistindo ao fato de que não somente professores, assim como outros profissionais, atuem prioritariamente no planejamento de sistemas de apoio, ao contrário de atuar em programas de qualificação ou educação. Com exceção dos “produtores de conteúdo” (se é que se pode deixá-los à margem), os demais trabalhadores em educação daquela docência ampliada, na EaD, têm sido, como na educação convencional, excluídos dos mecanismos de decisão não somente sobre a produção/elaboração ou reelaboração de conhecimentos, mas também sobre os processos de concepção dos procedimentos técnicos, bem como das formas de organização e das condições de exercício de seu próprio trabalho (SANTOS, 1989).

No que diz respeito, assim, às condições de trabalho docente, a EaD, em sua fase atual, não apresenta novidades, posto que somente garante o aumento de produtividade devido à manutenção e aperfeiçoamento das relações sociais capitalistas.

Bibliografia

BELLONI, M. L. Educação a distância. São Paulo: Autores Associados, 1999.

BERNARDO, J. Economia dos conflitos sociais. São Paulo: Cortez, 1991.

BUSTAMANTE, J. Sociedad informatizada, ¿sociedad deshumanizada?: uma visión crítica de la influencia de la tecnología sobre la sociedad en la era del computador. Madrid: Gaia, 1993.

GARCÍA ARETIO, L. Hacia una definición de educación a distancia. Boletín Informativo de la Asociación Iberoamericana de Educación Superior a Distancia, Ano 4, n.18, abr. 1987. Disponível em: http://e-spacio.uned.es/fez/eserv.php?pid=bibliuned:20258&dsID=hacia_ definicion.pdf. Acesso em jun. 2010.

HARVEY, D. Condição pós- moderna. São Paulo: Loyola, 1992.

SANTOS, M. Por uma outra globalização. Rio de Janeiro: Record, 2000.

SANTOS, O. Organização do processo de trabalho docente: uma análise crítica. Educação em Revista, Belo Horizonte, n.10, p. 26-30, dez. 1989.