EDUCAÇÃO BÁSICA
A educação básica, presumida no texto original da Constituição da República de 1988, tornou-se manifesta por meio da Emenda Constitucional nº 59/2009. O art. 208, incisos I e VII, ora emendados, impõe, sob a nova redação, que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I. educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; […] VII. atendimento ao educando em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. (BRASIL, 2009).
Presente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN – Lei nº 9.394/96), a educação básica vem registrada nos Capítulo I e II do Título V e, ao longo do texto, 21 vezes em 20 artigos.
A educação básica, dentro do espírito e do texto do ordenamento jurídico educacional, é um conceito, é um conceito novo, é um direito e também uma forma de organização da educação nacional.
Como conceito, a educação básica esclarece e administra um conjunto de realidades trazidas pela busca de um espaço público novo. Como um princípio conceitual, ele ajuda a organizar o real existente em novas bases e administrá-lo por meio de uma ação política consequente.
E como a todo conceito corresponde um termo, vê-se que, etimologicamente, base, donde procede a expressão básica, confirma esta acepção de conceito como um todo que abrange as etapas da educação básica. Base provém do grego básis,eós e corresponde, ao mesmo tempo, a um substantivo: pedestal, fundação e a um verbo: andar, pôr em marcha, avançar.
Como conceito novo, ela traduz uma realidade nascida de um processo que ao transgredir com o Estado Autoritário se fez presente com o advento do Estado Democrático de Direito.
Como direito, significa um recorte universal próprio de uma cidadania ampliada, ansiosa pelo encontro com uma democracia civil, social, política, cultural e com os direitos humanos.
E é aí que se situa o papel crucial do novo conceito inclusive como nova forma de organização da educação escolar nacional. Essa nova forma atinge o pacto federativo e a organização pedagógica das instituições escolares. Esse papel é tal porque à educação é imanente o ser um pilar da cidadania e o é mais por ter sido destinado à educação básica o condão de reunir as três etapas que a constituem: a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio.
Resulta daí que a educação infantil, raiz do processo, o ensino fundamental, seu tronco e o ensino médio, seu acabamento formam um todo holístico e cujas etapas são um direito do cidadão e um dever do Estado em atendê-lo mediante oferta qualificada.
A educação básica é declarada, em nosso ordenamento jurídico maior, como direito do cidadão dever do Estado.
Do direito, nascem prerrogativas próprias das pessoas em virtude das quais elas passam a gozar de algo que lhes pertence como tal. Do dever de Estado, nascem obrigações a serem respeitadas tanto por quem tem a responsabilidade de efetivá-las, quanto da colaboração vinda da parte de outros sujeitos implicados nessas obrigações.
A educação escolar, pois, é erigida em bem público, de caráter próprio, por ser ela em si cidadã. E por implicar a cidadania no seu exercício consciente, por qualificar para o mundo do trabalho, por ser gratuita e obrigatória na educação infantil/pré-escola e no ensino fundamental, por ser gratuita e progressivamente obrigatória (tornando-se obrigatória a partir de 2016), a educação básica é dever do Estado. Estamos, pois, diante de um direito juridicamente protegido, em especial como direito público subjetivo no âmbito da educação infantil/pré-escola e do ensino fundamental.
Daí a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o Plano Nacional de Educação e outros diplomas legais buscarem garantir esse direito.
Contudo, esse avanço é assim porque os que por ele lutaram se viram diante de uma dramática situação fática indicadora de estruturas inaceitáveis denunciadas pelos mais consistentes trabalhos que confirmam os frios e cortantes números das estatísticas do INEP, IBGE, do IPEA, das Secretarias de Educação e de órgãos internacionais.
Nesse momento de ruptura com essas estruturas arcaicas, a Constituição as atravessa e impõe novos contornos organizacionais em vista de uma educação democrática própria da cidadania.
Mas, para fazê-la direito de todos, era imprescindível que houvesse algo de comum ou universal como expressão da educação básica. O status quo da escola existente até então não atendia à exigência de elevação quantitativa e qualitativa de novos padrões de uma educação escolar pela qual se cooperasse, de modo organizado e sistemático, na criação de uma vontade geral democrática até então inexistente no país.
Esse espírito foi traduzido pelo conceito de educação básica, conceito novo expresso em uma declaração de direito de todos a ser realizado em uma educação escolar que contivesse elementos comuns. De um lado, o combate à desigualdade, à discriminação e à intolerância, de outro lado, o apontamento das finalidades maiores da educação escolar inclusive pelo princípio da gestão democrática.
No texto da LDB, o termo educação básica se vê acompanhado, no conjunto dos artigos, do adjetivo comum. Tal é o caso, por exemplo, da formação básica comum dos conteúdos mínimos das três etapas (inciso IV do art. 9º), da formação comum no art. 22 e da base nacional comum dos artigos 26, 38 e 64. (Lei nº 9.394/96).
Essa ligação entre básica e comum, na educação, carrega um sentido próprio. Comum opõe-se a uma educação específica (do tipo ensino profissional), de classe (que constitua um privilégio) ou mesmo que carregue algum diferencial mesmo que lícito (escola confessional). A noção de comum associada à educação básica é um direito e intenciona o aprendizado de saberes válidos para toda e qualquer pessoa e responde a necessidades educativas do desenvolvimento humano como um patrimônio cultural. O comum vai mais além de um para todos, reportando-se a conhecimentos científicos, à igualdade, à democracia, à cidadania e aos direitos humanos.
Mas o conceito de educação básica também incorporou a si, na legislação, a diferença enquanto direito. O reconhecimento da diferença na escolaridade a supõe e é factível com a igualdade. A igualdade cruza com a equidade, toma a si a formalização legal da abertura e da consideração de determinados grupos sociais como as pessoas deficientes, os jovens e adultos que não tiveram oportunidade de se escolarizar na idade própria, os descendentes dos escravos e os povos indígenas. Muitas vezes, vítimas de estereótipos, preconceitos e discriminações, cabe à instituição escolar desconstruí-los tanto pelo seu papel socializador quanto pelo seu papel de transmissão de conhecimentos científicos, verazes e significativos para todos.
A Educação Básica, como direito do cidadão e dever do Estado, já vinha merecendo a consideração da sociedade e por isso se viu aprofundada com a aprovação da Lei nº 11.274/06, pela qual o ensino fundamental obrigatório passou a durar nove anos, iniciando-se aos 6 anos de idade. A Emenda Constitucional nº 53/06 do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), já aprovada e seguida da Lei nº 11.494/07, lei de sua regulamentação, podem representar novos caminhos da Federação para a educação básica. E, esse conjunto, agora se vê constitucionalizado com a Emenda Constitucional nº 59/09.
Estamos diante de uma proclamação legal e conceitual bastante avançada diante da dramática situação que um passado de omissão legou ao presente.