EDUCAÇÃO BÁSICA

Autores/as: CARLOS ROBERTO JAMIL CURY

A educação básica, presumida no texto original da Constituição da República de 1988, tornou-se manifesta por meio da Emenda Constitucional nº 59/2009. O art. 208, incisos I e VII, ora emendados, impõe, sob a nova redação, que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I. educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; […] VII. atendimento ao educando em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. (BRASIL, 2009).

Presente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN – Lei nº 9.394/96), a educação básica vem registrada nos Capítulo I e II do Título V e, ao longo do texto, 21 vezes em 20 artigos.

A educação básica, dentro do espírito e do texto do ordenamento jurídico educacional, é um conceito, é um conceito novo, é um direito e também uma forma de organização da educação nacional.

Como conceito, a educação básica esclarece e administra um conjunto de realidades trazidas pela busca de um espaço público novo.  Como um princípio conceitual, ele ajuda a organizar o real existente em novas bases e administrá-lo por meio de uma ação política consequente.

E como a todo conceito corresponde um termo, vê-se que, etimologicamente, base, donde procede a expressão básica, confirma esta acepção de conceito como um todo que abrange as etapas da educação básica. Base provém do grego básis,eós e corresponde, ao mesmo tempo, a um substantivo: pedestal, fundação e a um verbo: andar,  pôr em marcha, avançar.

Como conceito novo, ela traduz uma realidade nascida de um processo que ao transgredir com o Estado Autoritário se fez presente com o advento do Estado Democrático de Direito.

Como direito, significa um recorte universal próprio de uma cidadania ampliada, ansiosa pelo encontro com uma democracia civil, social, política,  cultural e com os direitos humanos.

E é aí que se situa o papel crucial do novo conceito inclusive como nova forma de organização da educação escolar nacional. Essa nova forma atinge o pacto federativo e a organização pedagógica das instituições escolares. Esse papel é tal porque à educação é imanente o ser um pilar da cidadania e o é mais por ter sido destinado à educação básica o condão de reunir as três etapas que a constituem: a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio.

Resulta daí que a educação infantil, raiz do processo, o ensino fundamental, seu tronco e o ensino médio, seu acabamento formam um todo holístico e cujas etapas são um direito do cidadão e um dever do Estado em atendê-lo mediante oferta qualificada.

A educação básica é declarada, em nosso ordenamento jurídico maior, como direito do cidadão – dever do Estado.

Do direito, nascem prerrogativas próprias das pessoas em virtude das quais elas passam a gozar de algo que lhes pertence como tal. Do dever de Estado, nascem obrigações a serem respeitadas tanto por quem tem a responsabilidade de efetivá-las, quanto da colaboração vinda da parte de outros sujeitos implicados nessas obrigações.

A educação escolar, pois, é erigida em bem público, de caráter próprio, por ser ela em si cidadã. E por implicar a cidadania no seu exercício consciente, por qualificar para o mundo do trabalho, por ser gratuita e obrigatória na educação infantil/pré-escola e no ensino fundamental, por ser gratuita e progressivamente obrigatória (tornando-se obrigatória a partir de 2016), a educação básica é dever do Estado. Estamos, pois, diante de um direito juridicamente protegido, em especial como direito público subjetivo no âmbito da educação infantil/pré-escola e do ensino fundamental.

Daí a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o Plano Nacional de Educação e outros diplomas legais buscarem garantir esse direito.

Contudo, esse avanço é assim porque os que por ele lutaram se viram diante de uma dramática situação fática indicadora de estruturas inaceitáveis denunciadas pelos mais consistentes trabalhos que confirmam os frios e cortantes números das estatísticas do INEP, IBGE, do IPEA, das Secretarias de Educação e de órgãos internacionais.

Nesse momento de ruptura com essas estruturas arcaicas, a Constituição as atravessa e impõe novos contornos organizacionais em vista de uma educação democrática própria da cidadania.

Mas, para fazê-la direito de todos, era imprescindível que houvesse algo de comum ou universal como expressão da educação básica. O status quo da escola existente até então não atendia à exigência de elevação quantitativa e qualitativa de novos padrões de uma educação escolar pela qual se cooperasse, de modo organizado e sistemático, na criação de uma “vontade geral democrática” até então inexistente no país.

Esse espírito foi traduzido pelo conceito de educação básica, conceito novo expresso em uma declaração de direito de todos a ser realizado em uma educação escolar que contivesse elementos comuns. De um lado, o combate à desigualdade, à discriminação e à intolerância, de outro lado, o apontamento das finalidades maiores  da educação escolar inclusive pelo princípio da gestão democrática.

No texto da LDB, o termo educação básica se vê acompanhado, no conjunto dos artigos, do adjetivo comum. Tal é o caso, por exemplo, da formação básica comum dos conteúdos mínimos das três etapas (inciso IV do art. 9º), da formação comum no art. 22 e da base nacional comum dos artigos 26, 38 e 64. (Lei nº 9.394/96).

Essa ligação entre básica e comum, na educação, carrega um sentido próprio. Comum opõe-se a uma educação específica (do tipo ensino profissional), de classe (que constitua um privilégio) ou mesmo que carregue algum diferencial mesmo que lícito (escola confessional). A noção de comum associada à educação básica é um direito e intenciona o aprendizado de saberes válidos para toda e qualquer pessoa e responde a necessidades educativas do desenvolvimento humano como um patrimônio cultural. O comum vai mais além de um para todos, reportando-se a conhecimentos científicos, à igualdade, à democracia, à cidadania e aos direitos humanos.

Mas o conceito de educação básica também incorporou a si, na legislação, a diferença enquanto direito. O reconhecimento da diferença na escolaridade a supõe e é factível com a igualdade. A igualdade cruza com a equidade, toma a si a formalização legal da abertura e da consideração de determinados grupos sociais como as pessoas deficientes, os jovens e adultos que não tiveram oportunidade de se escolarizar na idade própria, os descendentes dos escravos e os povos indígenas. Muitas vezes, vítimas de estereótipos, preconceitos e discriminações, cabe à instituição escolar desconstruí-los tanto pelo seu papel socializador quanto pelo seu papel de transmissão de conhecimentos científicos, verazes e significativos para todos.   

A Educação Básica, como direito do cidadão e dever do Estado, já vinha merecendo a consideração da sociedade e por isso se viu aprofundada com a aprovação da Lei nº 11.274/06, pela qual o ensino fundamental obrigatório passou a durar nove anos, iniciando-se aos 6 anos de idade. A Emenda Constitucional nº 53/06 do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), já aprovada e seguida da Lei nº 11.494/07, lei de sua regulamentação, podem representar novos caminhos da Federação para a educação básica. E, esse conjunto, agora se vê constitucionalizado com a Emenda Constitucional nº 59/09.

Estamos diante de uma proclamação legal e conceitual bastante avançada diante da dramática situação que um passado de omissão legou ao presente.

Bibliografia

BRASIL. Emenda Constitucional nº 53, de 19 de dezembro de 2006. Dá nova redação aos arts. 7º, 23, 30, 206, 208, 211 e 212 da Constituição Federal e ao art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Diário Oficial da União, Brasília, 19 mar. 2006.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009. Acrescenta § 3º ao art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para reduzir, anualmente, a partir do exercício de 2009, o percentual da Desvinculação das Receitas da União incidente sobre os recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituição Federal, dá nova redação aos incisos I e VII do art. 208, de forma a prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência dos programas suplementares para todas as etapas da educação básica, e dá nova redação ao § 4º do art. 211 e ao § 3º do art. 212 e ao caput do art. 214, com a inserção neste dispositivo de inciso VI. Diário Oficial da União, Brasília, 12 nov. 2009.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 dez. 1996.

BRASIL. Lei nº 11.274, de 06 de fevereiro de 2006. Altera a redação dos arts. 29, 30, 32 e 87 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade. Diário Oficial da União, Brasília, 07 fev. 2006

BRASIL. Lei nº 11.494, 20 de junho de 2007. Regulamenta o Fundo  de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, de que trata o art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; altera a Lei nº 10.195, de 14 de fevereiro de 2001; revoga dispositivos das Leis nos 9.424, de 24 de dezembro de 1996, 10.880, de 9 de junho de 2004, e 10.845, de 5 de março de 2004; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 22 jun 2007.