EDUCAÇÃO DO MST
O Movimento dos trabalhadores Rurais Sem-Terra institucionaliza-se em 1995 e, em 1987, foi criado o Setor de Educação do MST. O surgimento desse Setor é em decorrência da defesa do direito constitucional à educação, pois nas ocupações de terras havia a presença de crianças e jovens. Foi fruto de um Encontro de Educadores, reunindo representantes de sete Estados brasileiros. Hoje, passada a primeira década do terceiro milênio, a Educação do MST cobre praticamente todos os Estados.
Nos anos 1980, há um aprofundamento dos debates na área educativa entre os Sem-Terra e é nesse difícil período – início do neoliberalismo no Brasil com o arrefecimento das lutas pela terra- que é organizado o Coletivo Nacional de Educação. É também um período em que são elaboradas as primeiras cartilhas pedagógicas, como o texto O que queremos com as escolas de assentamento. Desde então, o MST cria escolas de educação infantil, escolas de ensino fundamental e médio, EJA e promove cursos de capacitação profissional, apesar da existência de acampamentos e assentamentos sem escolas.
Na década de 1990, o MST começa a editar os Cadernos de Educação. De acordo com Caldart (2008), os Cadernos são elaborados pelo Coletivo de Educadores e, em seguida, passam por diversos setores do MST. Depois de apreciados por esses setores, voltam ao Coletivo, que elabora a versão final. Desde 1996, com a nova LDB e diante da obrigatoriedade do diploma superior para lecionar, o MST conveniou-se com universidades públicas e privadas para oferecer cursos superiores, como licenciaturas, agronomia, veterinária e direito. Desde então, é crescente a participação do MST nas universidades, inclusive nos cursos de pós-graduação. De acordo com Menezes Neto (2003), as formas de gestão e financiamento das escolas do MST são diferenciadas, existindo escolas totalmente mantidas por prefeituras e Estados e escolas onde há convênio entre o MST e o poder público.
O projeto educativo do MST desenvolve-se a partir de três eixos principais: a) as lutas dos trabalhadores rurais pelo seu direito ao trabalho e a terra; b) as ações do MST; c) as elaborações teóricas de clássicos do pensamento socialista. Partindo desses eixos, o MST produz livros e cartilhas, em que discute o seu projeto, apresentando-o como um processo múltiplo, fruto de realidades complexas e diferenciadas. Em 1996, o MST publica os Princípios de Educação para o MST. Nessa publicação, apresenta o seu projeto educativo à luz de uma discussão política e social, divididos em duas partes: os Princípios Filosóficos e os Princípios Pedagógicos.
Os Princípios Filosóficos são divididos em cinco partes: 1) Educação para a transformação social; 2) Educação para o trabalho e a cooperação; 3) Educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana; 4) Educação com/para valores humanistas e socialistas; e 5) Educação como um processo permanente de formação e transformação humana. Defende o MST que a educação deve ter um teor classista e vinculado às lutas e aos objetivos dos sem-terra e dos camponeses. Deve ser aberta para trabalhar pedagogicamente as contradições e os conflitos, estar voltada para o trabalho e a cooperação, ou seja, deve ser um instrumento dos trabalhadores, pois não pode, hoje, desconsiderar a luta pela reforma agrária (PRINCÍPIOS…, 1996). Retornando aos princípios de educação, o MST defende uma educação integral, englobando a formação política/ideológica, a formação organizativa, a formação do caráter ou moral (valores, comportamentos com as outras pessoas), a formação cultural e estética, a formação efetiva (PRINCÍPIOS… 1996).
No âmbito dos princípios pedagógicos, existe a subdivisão em 13 itens: 1) Relação entre teoria e prática; 2) Combinação metodológica entre processos de ensino e de capacitação; 3) A realidade como base da produção do conhecimento; 4) Conteúdos formativos socialmente úteis; 5) Educação para o trabalho e pelo trabalho; 6) Vínculo orgânico entre processos educativos e processos políticos; 7) Vínculo orgânico entre processos educativos e processos econômicos; 8) Vínculo orgânico entre educação e cultura; 9) Gestão democrática; 10) Auto-organização dos/das estudantes; 11) Criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos educadores/educadoras; 12) Atitude e habilidades de pesquisa; 13) Combinação entre processos pedagógicos coletivos e individuais.
Caldart (2008) considera que formação para o MST é um processo de construção da identidade social, com todas as implicações ideológicas e políticas, incluindo os valores, visões de mundo, conhecimentos, habilidades e atitudes. Assim, o MST defende que o processo pedagógico não é neutro e que o vínculo orgânico entre educação e política manifesta-se na afirmação de que a educação é sempre uma prática política. Defende, também, que a educação deve discutir as situações de injustiça e a necessidade de mudanças sociais e pessoais e, para esse fim, faz-se necessário o estudo da história e da economia crítica e problematizadora.
O MST incentiva a organização dos estudantes e o desenvolvimento da crítica e da autocrítica visando a que o estudante torne-se um militante político (PRINCÍPIOS…, 1996). Posiciona-se na defesa dos vínculos entre educação e economia quando diz que a história da humanidade nos demonstra, e Marx nos explica, que são as relações econômicas – aquelas que as pessoas estabelecem entre si no processo de produção, distribuição e consumo, as que movem as sociedades (PRINCÍPIOS…, 1996, p. 18). Afirma que os estudantes deveriam conhecer diferentes tipos de relações econômicas, enfatizando a necessidade de a análise econômica ser realizada na sua relação com a totalidade (PRINCÍPIOS…, 1996).
A educação deve ser um processo de socialização e de transformação da cultura, através da construção e a desconstrução da identidade dos trabalhadores em geral e, no caso específico, dos trabalhadores pertencentes ao MST. Para isso, faz-se necessário discutir e vivenciar as músicas, as religiões, as relações geracionais e as festas. Assim, as escolas seriam um espaço de vivência e de produção cultural, favorecendo o resgate da cultura popular e a produção de mudanças sociais.
A gestão democrática, a auto-organização dos estudantes, a criação de coletivos pedagógicos e a formação permanente dos educadores/educadoras aparecem, para o MST, como um importante espaço para se vivenciar a democracia. Esse vivenciar ocorre de diferentes maneiras, podendo ser em um encontro de professores para estudo e planejamento ou na criação de Núcleos de Educação, por exemplo, quando todos devem aprender a tomar decisões, a executar e a avaliar.
Por fim, o MST propõe a combinação entre processos pedagógicos coletivos e processos pedagógicos individuais, colocando em debate o papel social do sujeito no seio de um movimento social. Em síntese, observa-se que os princípios educativos do MST buscam desmistificar o conhecimento e a cultura como um processo neutro e separado das relações sociais, manifestando-se comprometido com um projeto político/pedagógico no interesse dos camponeses.