EDUCAÇÃO FÍSICA

Autores/as: JOSÉ ALFREDO OLIVEIRA DEBORTOLI

O termo Educação Física porta uma historicidade sem a qual não compreenderíamos o que foi ou o que tem sido. Como uma prática social e cultural, a Educação Física, seus sentidos e significados, alteram-se continuamente em cada tempo e lugar, guardando relação com diferentes momentos históricos que lhe atribuíram diferentes funções e papéis. Ou seja, a Educação Física está sendo permanentemente (re)construída por aqueles que cotidianamente a fazem acontecer na escola. Estamos falando de algo que é provisório, dinâmico, polifônico, comporta diversas representações, múltiplos entendimentos, nem sempre uníssonos, muitas vezes contraditórios.

Podemos tomar o século XIX como o momento em que, na Europa, um pensamento científico volta-se a uma dada sistematização pedagógica da assim chamada Educação Física. Mas não é de imediato que o termo pode ser compreendido como um componente curricular, tratando de temas específicos e por um professor voltado especificamente a esse fim. Antes, a educação physica pode ser compreendida como um dos pilares de uma tríade (educação physica, moral e intellectual – Spencer), uma educação do corpo que aliada a valores morais e intelectuais poderia contribuir na formação de um indivíduo educado/civilizado.

Um longo processo foi necessário para que a Educação Física, como disciplina, fosse, pouco a pouco, enraizando-se e se afirmando no contexto escolar. Nesse movimento, a Educação Física vai construindo diversas explicações para legitimar sua presença na escola: como produtora de um corpo forte e dócil, como celeiro de atletas, como psicomotricidade, como promotora de saúde, como atividades recreativas e compensatórias, entre tantas outras representações. A formação de professores de Educação Física traz as marcas dessas representações face ao peso de ideários formativos advindos da instituição militar e da instituição esportiva nos currículos da licenciatura. As figuras de professor-instrutor (aquele que atua no desenvolvimento da aptidão física e da formação do caráter dos alunos) e professor-treinador (descobridor de atletas, treinador de equipes escolares) se confundem com as especificidades de uma prática docente que participa da construção do projeto escolar. Esses diversos modos de pensar e fazer a Educação Física não foram, entretanto, superados e descartados, mas deixando vestígios, marcas, discursos que se acumulam, misturam-se, ressignificam-se na prática cotidiana de professores e alunos, no chão da escola.

Essas representações acerca das atribuições da Educação Física na escola fizeram com que essa área se apoderasse de determinadas práticas corporais (esportes, ginásticas, jogos e brincadeiras, danças), transformado-as em objetos didáticos ensináveis aos alunos.  A Educação Física assume o estatuto de atividade pedagógica e como tal incorpora-se aos códigos e funções da própria escola. Assim, quando se pensa em objeto de ensino da EF, se pensa num saber específico, numa tarefa pedagógica própria, cuja transmissão/tematização e/ou realização seria atribuição desse espaço pedagógico a que chamamos EF. Qual seria o conteúdo de ensino da Educação Física, cuja tematização e transmissão poderiam ser atribuições desse espaço pedagógico na escola? A Educação Física é uma prática pedagógica que, no âmbito escolar, seleciona e tematiza determinados elementos da produção sociocultural de nossa sociedade: a cultura corporal de movimento. Mas o movimento corporal ou movimento humano, que é seu tema, não é qualquer movimento, não é todo o movimento. É o movimento humano com determinado significado/sentido, que, por sua vez, lhe é conferido pelo contexto histórico-cultural. O movimento corporal humano que é tema/conteúdo e que confere especificidade pedagógica à Educação Física é o que se apresenta na forma de jogos, exercícios ginásticos, lutas, esportes, danças. (SOARES et al., 1992; BRACHT, 1997; 1999).

Essa enunciação traz como fundamento radical a noção de cultura – no sentido de desnaturalização da experiência humana carregada de signos elaborados, partilhados e reconstruídos de forma coletiva, nas maneiras mais contraditórias –, rompendo com explicações e finalidades estritas a um sentido científico-biológico, como a única perspectiva de legitimação do ensino escolar da Educação Física. Esse entendimento é ampliado pela compreensão do Movimentar-se Humano como Linguagem, condensada na ideia de Cultura Corporal de Movimento, propondo um entendimento da Educação Física como um saber escolar legítimo e singular, onde o conhecimento e a reflexão não se afastam da experiência sensível, um saber que se traduz num saber-fazer, num realizar “corporal” pedagógico. (BRACHT, 1999).

As abordagens críticas do campo de produção de conhecimento da Educação Física têm operado, portanto, com a noção de que a Educação Física é um componente, entre outros, do tempo e espaço do empreendimento educacional nominado escola, cabendo a ela tratar de uma dimensão da cultura, que partilha um saber específico, diferenciado, que não se opõe e não se confunde com outros saberes específicos. A Educação Física, como um componente curricular, como um espaço de educação do corpo, de expressão de uma linguagem, de experiências sensíveis, como um tempo e lugar de aprendizado cultural numa instituição pedagógica, deve ser pensada nessa ambiência.

Bibliografia

BRACHT, V. A constituição das teorias pedagógicas da educação física. Cadernos Cedes, Ano 19, n. 48, p. 69-88, ago. 1999.

BRACHT, V. Educação física: conhecimento e especificidade. In: SOUSA, E. S.; VAGO, T. M. (Org.) Trilhas e partilhas: educação física na cultura escolar e nas práticas sociais. Belo Horizonte: Cultura, 1997. p. 13-24.

SOARES, C. L. et al. Metodologia do ensino da educação física. São Paulo: Cortez, 1992.