EDUCADOR/A SOCIAL

Autores/as: WALTER UDE

Representa aquele ou aquela profissional que atua no campo da educação social, numa perspectiva teórico-metodológica que concebe a prática educativa como uma atividade que não se reduz ao âmbito da educação escolar. Dessa forma, rompe com visões que tentam encapsular a educação num enredo que visa resguardar seus conteúdos disciplinares e relacionais como característica exclusiva da instituição escolar, tal como se observa na história da pedagogia tradicional. Sendo assim, a escolarização dos propósitos educativos constitui uma temática intrigante para esses profissionais, já que esse tipo de visão não reconhece a complexidade das diversas experiências que o sujeito compartilha nas suas relações sociais, as quais constituem sua subjetividade pessoal e social (REY, 2003; 2004). “A educação é global, é social e acontece ao longo da vida” (PETRUS, 2003, p. 60). Ou seja, os conflitos e problemas sociais dos alunos e das alunas não se reservam à escola; pelo contrário, atravessam e compõem a vida estudantil a partir dos vínculos que compartilham numa sociedade configurada em contradições, representações e desigualdades que os afetam, os inquietam, e produzem sentidos distintos.

Outra questão importante a ser desconstruída nesse campo temático se refere às dicotomias produzidas em relação às ideias de educação formal, não-formal, informal, escolar e não-escolar, oriundas dos paradigmas da ciência clássica. Essas concepções separam espaços educativos como se fossem instâncias independentes; como também geram pretensas hierarquias entre propostas pedagógicas diferenciadas.  Nesse sentido, a escola é apresentada como um âmbito restrito da educação formal e os demais espaços educativos representam experiências pautadas, exclusivamente, na informalidade, na não-formalidade ou na não-escolaridade. Esses equívocos engendram cegueiras diante dos processos dialéticos e complexos que caracterizam as atividades humanas, tendo em vista que a realidade se mostra constituída de ordem e desordem, de previsibilidade e imprevisibilidade, de certa estabilidade e instabilidade, dentre outras unidades dialógicas, que se configuram de maneira complementar e contraditória, nos distintos momentos da nossa vida (MORIN, 1996). Diante disso, torna-se impossível estabelecer um lugar absolutamente formal e ordenado ou, de outra maneira, tentar constituir um ambiente plenamente informal e desordenado.

Nesse sentido, a educação social se originou de contextos conflituosos no trabalho, junto a populações em situação de vulnerabilidade social. Todavia, a prática dos educadores e das educadoras sociais revelou que aqueles grupos que enfrentavam precárias condições de vida e que conviviam com quadros de violência apresentavam organizações complexas, com códigos de convivência e linguagens peculiares que desafiavam o conhecimento apresentado por esses profissionais. Frente a isso, a prática passou a questionar a teoria e a teoria, por sua vez, passou a rever seus princípios educativos para, também, procurar questionar a prática social desses sujeitos e da própria sociedade. Dessa maneira, desde os seus primórdios, em vários países do planeta, a educação social foi se configurando por meio do diálogo com pessoas que se encontravam em conflito com a lei, as quais questionavam a ordem dominante; no entanto, de uma forma organizada que, equivocadamente, foi interpretada, na maioria das vezes, como ações provocadas por marginais, desordeiros, loucos, bandidos, dentre outros estereótipos. De qualquer modo, essas dicotomias não têm contribuído para uma compreensão das fronteiras existentes entre a educação escolar e a educação social, como nos salienta Petrus: “Até hoje, por motivos que não vêm ao caso citar aqui, definíamos a educação social em contraposição à escola. Educação formal, não formal e informal tem sido uma terminologia que serviu para separar conceitualmente espaços educativos. Mas, atualmente, resulta de todo incorreto recorrer a essa classificação, principalmente por ser imprecisa e criar confusão. Além do mais, não tem sentido que por razões acadêmicas separemos o que ocorre unido: educação social e educação escolar não são duas realidades opostas ou separadas. Pelo contrário, a realidade é uma, embora nós, desde a academia, pretendamos divorciá-la. Quando a sociedade e a universidade, felizmente, começam a compreender o que é a educação social, reclamamos nossa presença nos espaços que por lógica são de nossa competência” (PETRUS, 2003, p.63).

Nesse processo, uma das experiências marcantes para a história da educação social ocorreu nos meados do século XIX, quando um sacerdote italiano de nome João Bosco, que depois se tornaria Dom Bosco, se propôs a trabalhar com crianças e jovens que perambulavam pelas ruas de Turim e cometiam atos infracionais devido às precárias condições enfrentadas por suas famílias. Diante desse quadro, Dom Bosco, inspirado nas habilidades aprendidas durante a sua infância, como, por exemplo, realizar mágicas, equilibrar garrafas e andar na corda bamba, decidiu reunir esses sujeitos no pátio da igreja, utilizando-se de jogos e recreação. Além disso, esse educador se fundamentava no princípio da assistência como presença, caracterizada como presença de amor e presença religiosa (SCARAMUSSA, 1977). Esses pressupostos, de cunho religioso, fomentaram o surgimento de uma necessária Pedagogia da Presença que se diferenciava pela sua postura crítica e aberta, diferentemente de propostas comportamentais e reabilitadoras que, até nossos dias, ainda são anunciadas como medidas corretivas para os ditos desviantes da sociedade (OLIVEIRA, 2004). Dentre outros elementos constitutivos da pedagogia salesiana, fundada por esse padre, destaca-se a criação de Comunidades Educativas, nas quais educadores e jovens, democraticamente, compartilham seus anseios, dúvidas e ideias, desenvolvendo um sentido de respeito mútuo, responsabilização e identidade grupal.

Noutro contexto histórico, em setembro de 1920, o educador russo A. Makárenko fez a defesa da necessidade de uma Escola de Educação Social em contraposição às colônias de menores existentes, quando foi indagado pelo delegado provincial de Instrução Pública sobre qual a proposta pedagógica mais indicada para se atuar junto a crianças situadas em quadros de abandono social, geralmente órfãs da guerra civil, e jovens envolvidos com atos infracionais. Esse episódio ilustrativo encontra-se relatado na primeira parte da sua obra intitulada Poema Pedagógico (1975), a qual apresenta todo o processo educativo desenvolvido por ele junto a essa população, tornando-se, até nossos dias, um trabalho de referência nesse campo de ação social (MARQUES, 2004). Como se nota, a perspectiva desenvolvida por Makárenko não dicotomizava a relação existente entre escola e educação social, num sistema educativo comunista, mostrando-se coerente com a perspectiva dialética do marxismo original.

Curiosamente, noutros países da Europa, como na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial, emergiram práticas semelhantes voltadas para indivíduos situados em condições de vulnerabilidade social. De acordo com o estudo realizado por Romans, Petrus e Trilla (2003, p.19), relatos históricos apontam que se tratava de ações exercidas por uma Pedagogia Social que se dedicava a desenvolver ajuda material e moral para essa população negligenciada pela sociedade. Essas práticas de auxílio à juventude, segundo esses pesquisadores, eram desenvolvidas no continente europeu por meio do respaldo na Lei de Proteção Juvenil. No caso da Espanha, no decorrer dos anos de 1970, algumas experiências “renovadoras” desenvolvidas pela Instituição Livre de Ensino (ROMANS; PETRUS; TRILLA, 2003, p.54-55), caracterizadas como atividades realizadas no campo da Educação Social, contribuíram para a produção de estudos universitários em Pedagogia Social, culminando na declaração dos direitos de constituição da Diplomatura em Educação Social, em outubro de 1991, conforme está relatado na obra citada.

De todo modo, tentar definir a delimitação existente entre a Educação Social e a Pedagogia Social não representa tarefa simples, tendo em vista que, apesar de apresentarem fronteiras muito tênues, na realização de práticas e pesquisas voltadas para trabalhos educativos que atuam prioritariamente em busca do desenvolvimento da sociabilidade dos sujeitos, compõem atividades e áreas científicas que apresentam aspectos distintos. Nesse sentido, a educação social estaria mais direcionada para os processos e fenômenos da “realidade educativa” (TRILLA, 2003), junto aos sujeitos envolvidos nas suas ações. Por outro lado, a pedagogia social se propõe a desenvolver estudos e intervenções com uma finalidade pedagógica efetivada por profissionais que apresentam uma especialidade teórico-metodológica e experiencial no âmbito da pedagogia. Essa delimitação é importante para se delimitar um campo de formação específico em pedagogia social nas faculdades de Pedagogia do nosso país. Todavia, uma possibilidade não exclui a outra, já que, no caso do Brasil, observa-se a ausência de uma formação universitária ou de outro nível em Educação Social, restringindo-se a cursos esporádicos e descontínuos junto às instituições que se dedicam a esse tipo de atividade, como se observa nas diversas práticas existentes no território brasileiro.

No Brasil, a emergência de uma Educação Social não se deu de forma tão díspar em relação à de outros países de meados do século XIX ao início do século XX.  No entanto, a efetivação de uma prática pedagógica crítica voltada para os interesses populares só se configurou a partir do começo da década de 1970, quando a obra intitulada Pedagogia do Oprimido, escrita pelo educador Paulo Freire, traduziu os anseios das camadas populares brasileiras, numa perspectiva educacional impregnada pelas lutas desencadeadas pelos setores oprimidos, conforme nos aponta Graciani (1997). Nesse processo, a denominada Educação Social de Rua toma destaque por meio do trabalho dos Educadores e das Educadoras de Rua junto a crianças e adolescentes em situação de rua, em contraposição às medidas repressivas, corretivas e assistencialistas implementadas pelo regime militar. Esses profissionais apresentavam uma demarcação política explícita diante da opressão vivida pelos nomeados meninos e meninas de rua, naquela época.

Em termos ideológicos, a articulação entre os princípios da Teologia da Libertação e da Pedagogia do Oprimido tornou-se um referencial importante para a politização do trabalho desenvolvido por esses atores sociais, como nos salienta Oliveira (2004, p.93): “A Teologia da Libertação trouxe um novo sentido a definições teológicas seculares, e a pedagogia de Paulo Freire definia o engajamento do processo de educação”. Segundo o mesmo autor, essa demarcação política contribuiu para romper com a fase romântica dessa proposta inovadora, a qual se tornou uma referência para as pedagogias sociais e populares que floresceram no mundo ocidental. Junto a isso, no início da década de 1980, o Projeto Alternativas de Atendimento aos Meninos de Rua passou a fomentar a expansão dessa proposta crítica nos diversos estados brasileiros. Essa luta se configurou na organização do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), o qual se tornou um movimento político de transformação social que, inicialmente, apresentava como objetivo principal organizar as crianças em nível local e nacional em busca do fortalecimento do seu protagonismo na reivindicação dos seus direitos sociais.  Dentre outras estratégias adotadas para tentar mobilizar e sensibilizar a população brasileira em torno dessa problemática social, econômica e política, o MNMMR realizava encontros nacionais, por meio da participação das crianças, dos jovens, dos profissionais e das diversas entidades envolvidas com essas questões.  O primeiro Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua aconteceu em 1986, estrategicamente na cidade Brasília, no qual se reuniu 432 meninos e meninas com histórias marcadas pela violência das ruas e demais contextos.  

A organização desse trabalho se constituiu por meio do seu caráter policêntrico gerado pela articulação de movimentos sociais distintos, nos quais os educadores e educadoras sociais estavam vinculados, como também da participação de alguns acadêmicos e intelectuais engajados junto a essa questão. Sendo assim, a Pedagogia da Presença também representou um marco relevante no encontro com esse público, constituindo uma práxis da presença crítica diante do grito da rua.  Além disso, essa metodologia se estabeleceu por uma Pedagogia do Encontro (BRAGA, 1999), muito desenvolvida, por exemplo, pela Banda do Olodum e a Banda do Ylê-Aiê, na cidade de Salvador-BA. Outro aspecto a ser destacado foram as contribuições das metodologias de pesquisa participante e pesquisa-ação (BRANDÃO, 1981; BARBIER, 1985) como possibilidade teórico-metodológica de inserção dos sujeitos na elaboração de projetos sociais voltados para os interesses das comunidades pesquisadas.  Esses aportes demonstram a complexidade constitutiva da Educação Social como campo educativo que foi estabelecido no diálogo com diferentes práticas e propostas teóricas.  

Além disso, foi a partir de julho de 1990, com a promulgação da Lei nº 8.069, que criou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), resultante da reivindicação dos movimentos populares, que essas propostas tomaram força e se organizaram em diversos projetos educativos que se expandiram pelo País, não se reduzindo às ruas da cidade.  Esse marco jurídico promoveu uma ruptura importante na concepção das políticas públicas voltadas para o enfrentamento às diversas formas de violência praticadas contra crianças, adolescentes e jovens.  Nesse aspecto, a criança empobrecida em situação de vulnerabilidade pessoal e social deixou de ser criminalizada e passou a ser vista como sujeito de direitos. Essa mudança de paradigma aponta uma perspectiva protagônica junto a esses sujeitos. Entretanto, vários direitos ainda são usurpados por ações opressivas e preconceituosas, necessitando de um trabalho intenso e extenso dos educadores e das educadoras sociais por meio de políticas construídas em redes sociais que envolvam a sociedade civil, as organizações governamentais e não-governamentais, através de propostas intersetoriais.  Esse quadro teórico-conceitual e prático desenvolvido pelo campo da Educação social evidencia que suas contribuições não se reduzem, apenas, a populações empobrecidas economicamente e nem a crianças e adolescentes, mas às demais populações que enfrentam alguma situação de vulnerabilidade social. 

Bibliografia

BARBIER, R. Pesquisa-ação na instituição educativa. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

BRAGA, G. Pedagogia do Encontro: proposta de intervenção na educação social de rua. In: BONTEMPO, D.; SILVA, M. T. (Org.). Prevenindo a drogadição entre crianças e adolescentes em situação de rua. Brasília: UnB,1999.

BRANDÃO, C. R. (Org.). Pesquisa participante. 6. ed. São Paulo: Brasilense, 1981.

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