ENSINO LAICO

Autores/as: LUIZ ANTÔNIO CUNHA

O caráter laico do Estado brasileiro está apenas implícito na Constituição do país, o que dá margem a interpretações ambíguas, inclusive no que diz respeito ao conteúdo da educação pública. A despeito disso, existem juristas que fazem uma exegese clara e precisa da legislação, como se constata no pronunciamento do Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal: “A laicidade do Estado, enquanto princípio fundamental da ordem constitucional brasileira, que impõe a separação entre Igreja e Estado, não só reconhece a todos a liberdade de religião, com o sustento do direito de professar ou de simplesmente não professar ou até mesmo o de se opor a qualquer confissão religiosa, como assegura absoluta igualdade dos cidadãos em matéria de crença, garantindo ainda às pessoas plena liberdade de consciência e de culto.”

Essa passagem foi extraída da justificativa do voto do Ministro no STF durante a votação, em 28 de maio de 2008, da Ação Direta de Inconstitucionalidade da nº 11.105, de 24 de março de 2005, intitulada Lei de Biossegurança. O voto do Ministro foi favorável à constitucionalidade da lei, reconhecendo, portanto, o direito do Poder Legislativo de “estabelecer normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvem organismos geneticamente modificados e seus derivados”, inclusive a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, para fins de pesquisa científica e terapia.

Um dos mais importantes vetores das lutas no campo educacional, no Império brasileiro, desde a década de 1870, foi pela laicidade no ensino público. As escolas primárias e secundárias tinham uma disciplina de instrução religiosa, cujo conteúdo era constituído da doutrina da religião do Estado, o catolicismo romano. Os liberais, os maçons e os protestantes constituíam as principais forças políticas que se batiam pela separação entre Igreja e Estado, que teria como corolário a supressão do ensino religioso nos estabelecimentos públicos.

Alguns passos foram dados nessa direção, embora tímidos e limitados no seu alcance. O mais importante foi dado pelo Decreto nº 6.884, de 20 de abril de 1878, que dispensou os alunos acatólicos da disciplina “instrução religiosa” do Colégio Pedro II.

A primeira Constituição republicana (1891) tinha uma concepção aproximativa da laicidade no ensino público. Ela determinava que fosse laico (dito leigo) o ensino nos estabelecimentos públicos. Naquela época, a supressão dos conteúdos ostensivamente religiosos do currículo já era considerada suficiente para caracterizar o ensino público como laico. Hoje sabemos que não basta. Isso, por duas razões. Primeiro, porque a presença de elementos religiosos vai além de uma disciplina específica, pois eles podem permear os textos de História ou impedir o tratamento de certos temas pela Biologia, por exemplo. Explícita ou implicitamente. Segundo, porque certas instituições religiosas reivindicam para si a posição de guardiãs da ética, baseadas no pressuposto de que todos os valores positivos têm fundamento religioso.

Esta é uma importante questão na educação contemporânea, isto é, a presença dos valores éticos laicos nos currículos escolares dos sistemas públicos de ensino.

Na escola laica, os valores éticos não estão baseados em textos sagrados ou em obras abstratas, mas encontram seu fundamento em textos políticos concretos, produtos da negociação das diversas forças políticas, especialmente os expressos na Constituição do país. Ela apresenta, como fundamentos da República, valores como a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político. Os objetivos da República são construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização, e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Importantes valores estão expressos no art. 5º, entre eles: homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações; ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; é inviolável o direito de consciência e de crença.

Em suma, a Ética é concebida como imanente à vida social, sendo a Constituição a referência primeira dos valores acordados pelas diversas forças políticas em confronto.

Os trajetos dos Estados na construção da laicidade diferem uns dos outros, determinados que são pelas condições históricas e sociológicas. Dentre eles, dois modelos sobressaem. O modelo francês consiste na supressão da presença religiosa da escola pública, primeiro do catolicismo, depois do islamismo. A primeira preocupação foi com o currículo escolar, mas, atualmente, até mesmo as vestimentas dos alunos é objeto de restrição, com vistas a evitar a ostentação de símbolos religiosos, como o véu islâmico nas mulheres ou o kipá judaico nos homens. O modelo norte-americano consiste na supressão de tudo o que possa servir de eventual constrangimento para os adeptos de alguma crença e até mesmo para os que não têm crença religiosa.

Bibliografia

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