ENSINO RELIGIOSO

Autores/as: LUIZ ANTÔNIO CUNHA

A primeira Constituição do país, outorgada pelo imperador Pedro I em 1824, “em nome da Santíssima Trindade”, determinava, no seu artigo 5º, que a religião católica apostólica romana continuaria a ser a religião oficial do Brasil. Todas as outras religiões seriam “permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo”. Em suma, nossa primeira Constituição estipulava uma liberdade de culto subordinada à religião do Estado.

A religião fazia parte do currículo escolar público. A Lei de 13 de outubro de 1827, que mandava “criar escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do Império”, listava o conteúdo do ensino na forma de matérias, entre elas “os princípios da moral cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana, proporcionados à compreensão dos meninos”. Os professores de todos os níveis de ensino eram obrigados a prestar juramento de fidelidade à religião oficial, podendo ser punidos por perjúrio; nas escolas públicas de todo o país, a doutrina católica deveria ser ensinada a todos os alunos, pelo menos até 1875, quando os “acatólicos” puderam postular a dispensa dessas aulas no Colégio Pedro II.

Ausente dos estabelecimentos oficiais de ensino nas quatro primeiras décadas da República, o ensino religioso voltou às escolas públicas por decisão do Chefe do Governo Provisório Getúlio Vargas, logo após a vitória da Revolução de 30. O Decreto nº 19.941, de 30 de abril de 1931, facultou o oferecimento, nos estabelecimentos públicos de ensino primário, secundário e normal, da instrução religiosa. Não obrigava, mas facultava a oferta desse ensino. Para que ele fosse oferecido nos estabelecimentos oficiais de ensino, seria necessário que pelo menos 20 alunos se propusessem a recebê-lo. Se ministrada, a instrução religiosa não deveria prejudicar o horário das aulas das demais matérias, condição que desapareceu de toda a legislação posterior até os dias atuais. Na prática, a instrução religiosa era sinônima de catolicismo.

O sucesso da Igreja Católica, alcançado com a promulgação do Decreto nº 19.941/31, veio a ser potencializado na Constituição de 1934. Substituindo antigo projeto de se fundar um Partido Católico, o cardeal Leme patrocinou a criação, em 1932, da Liga Eleitoral Católica, com o objetivo de alistar, organizar e instruir os eleitores, em todo o país, bem como canalizar seus votos para os candidatos que aceitassem o programa da Igreja e prometessem defendê-lo na Assembleia Constituinte que viria a ser formada. O sucesso dessa estratégia política foi total, pois a maioria dos candidatos apoiados pela LEC elegeram-se. Com a forte bancada que apoiava esse programa, a Assembleia mostrou-se logo favorável ao ensino religioso nas escolas públicas, de maneira ainda mais próxima das demandas da Igreja Católica.

A Constituição de 1934 foi, então, promulgada com um artigo sobre o ensino religioso (ao invés da instrução religiosa do decreto de 1931). As escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais eram obrigadas a oferecê-lo, pois tal ensino constituiria “matéria dos horários”. Todavia, a presença continuava facultativa para os alunos: os pais ou responsáveis podiam manifestar sua preferência pelas distintas confissões religiosas e até mesmo dispensar essa disciplina.

Desde então, todas as Constituições brasileiras determinam o oferecimento do ensino religioso pelas escolas públicas, variando a incidência. Na de 1988, em vigor, o parágrafo primeiro do art. 210 prescreve: “O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.” Alguns sistemas estaduais de educação, que sofrem maior interferência da Igreja Católica, estenderam essa incidência para outros níveis e modalidade de ensino.

O financiamento do ensino religioso é um problema político recorrente. Tanto a primeira LDB (1961) quanto a segunda (1996) determinaram que ele fosse oferecido sem ônus para os Poderes Públicos, mas essa condição foi suprimida de ambas por força de demanda do clero católico. Em consequência, há estados que deslocam para essa disciplina professores do quadro, concursados para História, Filosofia e Ciências Sociais; outros, que admitem quaisquer licenciados; outros, ainda, que fazem concursos específicos para o ensino religioso.

O conteúdo dessa disciplina, se interconfessional ou confessional, é outro problema. O declínio do contingente de católicos no país, correlativo ao crescimento do número de evangélicos, tem levado a duas posições conflitantes. De um lado estão os que defendem o oferecimento de um conteúdo interconfessional, que não está isento de problemas, porque privilegia o campo cristão; de outro lado estão os que, em nome da ortodoxia doutrinária, exigem um conteúdo estritamente confessional.

O lance mais ousado do alto clero católico, em sua estratégia de recuperação do espaço perdido, foi a concordata entre o governo brasileiro e a Santa Sé. Em prosseguimento a gestões iniciadas durante a visita do papa Bento XVI ao Brasil, em maio de 2007, foi firmado acordo bilateral, em novembro de 2008, pelo secretário de Estado do Vaticano e pelo ministro das relações exteriores do Brasil, presentes o papa e o presidente brasileiro. Em agosto de 2009, a concordata foi homologada pela Câmara dos Deputados, sob a forma de um decreto legislativo, e, em outubro, também pelo Senado. Pelo Decreto nº 7.107, de 11 de fevereiro de 2010, a concordata foi homologada pelo Presidente Lula.

Três artigos da concordata tratam de temas especificamente educacionais, mas o artigo 11 é o mais desconcertante. Ele diz que o ensino religioso católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.

Esse artigo contraria, essencialmente, o artigo 33 do texto reformado da LDB, o qual determina que o conteúdo da disciplina ensino religioso seja estabelecido pelos sistemas de ensino (especificamente pelos respectivos conselhos de educação), depois de ouvidas entidades civis constituídas pelas diversas confissões religiosas. Assim, pode não haver “ensino religioso católico” nem de confissão específica alguma. Se esse conteúdo for de caráter histórico, sociológico ou antropológico, como pretendem certas correntes de opinião, ou um extrato das doutrinas religiosas conveniadas, como pretendem outras, o resultado dependerá da composição política de tais entidades civis.

Bibliografia

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