EQUIDADE EDUCATIVA

Autores/as: RICARDO CUENCA

Os objetivos globais acordados pelos Estados na Conferência Mundial de Educação de 2000, em Dakar, giraram em torno à necessidade de assegurar uma educação de qualidade para todos, especialmente para aqueles grupos historicamente postergados e vulneráveis na atualidade. (UNESCO, 2000). Isso evidenciou que o modelo de qualidade proposto nas décadas anteriores não havia dado os resultados esperados. De fato, esse modelo, impulsionado pelas chamadas reformas neoliberais, assentou-se sobre o suposto de que a educação é um processo igual para todos, sem importar o contexto no qual se dá, nem as características dos que participam nele.

Isso corresponde aos princípios utilitaristas segundo os quais a qualidade da educação deve ser homogênea para poder ser medida e, portanto, ser alcançada. Essa ideia de qualidade pertence ao que Nussbaum (1997) denominou comensurabilidade, atributo que se caracteriza por considerar toda ação humana como redutível a um mesmo padrão e, portanto, mensurável.

Em contraposição a essa ideia amplamente difundida de qualidade educativa, em princípios do século XXI, (re)apareceram noções de qualidade de corte mais humanista e com enfoques mais críticos. Estas reconhecem que a qualidade educativa supõe respeitar o direito a uma educação para todos e reconhecer a diversidade; particularmente a cultural.

Desse modo, a reafirmação que todas as pessoas (sem exceção) são sujeitos de direito e no valor da diferença fez com que a educação já não fosse entendida mais como educação homogênea e muito menos homogeneizante.

É nesse marco que o conceito de equidade surge nas agendas de discussão educativa ao evidenciar-se que as políticas educativas de acesso e a aposta na ampliação da cobertura não asseguraram, de maneira alguma, melhoras na educação de meninos e meninas. Tal como afirma Morduchowicz (2003), constatou-se que a igualdade de oportunidades no acesso não eliminava as disparidades iniciais.

A noção de equidade começa a ser uma ideia importante no desenvolvimento das políticas educativas. Vai deixando de associar-se a igualdade de oportunidades à medição de acesso, para focar-se mais nos resultados educativos. Isso nasce, em parte, da constatação de que igualar a oferta de recursos educativos para grupos realmente heterogêneos derivava em maior exclusão dos mais vulneráveis. “A noção de equidade renuncia à ideia de que todos somos iguais e é precisamente a partir deste reconhecimento das diferenças que se propõe uma estratégia para lograr essa igualdade fundamental.” (LÓPEZ, 2005, p. 68).

Não obstante, a noção de equidade não é só um exercício acadêmico, pois tem correlatos imediatos em assuntos próprios do funcionamento dos sistemas educativos. As propostas para combater a iniquidade educativa supuseram, por exemplo, que os Estados montassem programas compensatórios que propõem desde a transferência de diferentes recursos às escolas menos favorecidas até a implementação de programas de ação afirmativa. Do mesmo modo, são implementadas ações fundamentadas nas quais os sistemas educativos reconhecem a diversidade existente levando em conta a realidade de cada Escola e seus desiguais níveis de desenvolvimento institucional, diferentes contextos de aprendizagem e necessidades específicas. Finalmente, esse tipo de políticas promove a mobilidade educativa intergeracional, facilitando o acesso de estudantes de baixa renda à educação secundária e superior, e promove também a integração social nas escolas, enfocando ações específicas contra a segregação. Todas essas políticas e programas estão inseridos na ideia fundamental de recuperar a dimensão política nas políticas de equidade educativa compreendendo nelas a estratégia de enfrentar a reprodução da desigualdade social na educação (REIMERS, 2000). “A ideia de equidade aparece como um projeto político de busca da igualdade a partir do reconhecimento das desigualdades iniciais” (LÓPEZ, 2005, p. 22).

A busca da equidade requer também decisões concretas no desenho e implementação de políticas públicas. Supõe, por exemplo, decisões sobre o gasto por aluno, a matrícula oportuna em zonas rurais, a sobrevivência e a promoção dos estudantes mais vulneráveis, a qualificação dos docentes, a diminuição do analfabetismo, a paridade de sexo, a cobertura (especialmente associada à zona de residência, etnia e substrato linguísticos) e os resultados na aprendizagem.

Pode-se notar que o conceito de equidade, embora pareça ter consenso entre os educadores, não é unívoco. As posições com respeito à origem da equidade variam entre aqueles que sustentam que a equidade na educação está “fora do sistema” e por isso é necessário um mínimo de condições socioeconômicas para que uma pessoa seja educável e aqueles que, por outro lado, adotam posturas que afirmam contundentemente que a origem e a manutenção da equidade se localizam dentro do sistema educativo, especificamente, dentro da Escola. De fato, a América Latina é, na atualidade, um cenário particular onde convivem, pelo menos, três discursos que relacionam qualidade e equidade. Se bem esses discursos reconhecem a importância de entender qualidade e equidade como categorias inseparáveis, existem suficientes elementos que separam uns de outros.

Baseada na educação como direito, encontramos a proposta da ORELAC – UNESCO (2007) que considera a equidade como uma característica fundamental da qualidade. De outro lado e considerando o âmbito socioeducativo, o IIPE – UNESCO (LÓPEZ, 2005) localiza a equidade como uma condição fundamental para alcançar qualidade. Finalmente, a proposta do Banco Mundial (VEGAS; PETROW, 2008) persiste em entender a equidade como a aspiração ou fim último que se alcançaria assim que se obtenha a qualidade.

É importante notar que essas reflexões aparentemente educativas são parte de uma discussão maior sobre os fundamentos da justiça social, pois cada vez mais o reconhecimento da existência do outro, o valor que essas diferenças trazem consigo e a importância da diversidade são assuntos inevitáveis na construção de melhores sociedades.

Bibliografia

LÓPEZ, N. Equidad educativa y desigualdad social: desafíos a la educación en el nuevo escenario latinoamericano. Buenos Aires: IIPE – UNESCO, 2005.

MORDUCHOWICZ, A. Discursos de economía de la educación. Buenos Aires: Losada, 2003.

NUSSBAUM, M. Justicia poética. Santiago de Chile: Andrés Bello, 1997.

REIMERS, F. ¿Equidad en la educación? Revista Iberoamericana de Educación,Madrid, v. 23, n. 2, p. 21-50, 2000.

UNESCO. Educación de calidad para todos: un asunto de derechos humanos. Santiago de Chile: OREALC-UNESCO, 2007.

UNESCO. Marco de acción de Dakar: educación para todos: cumplir nuestros compromisos comunes. Paris: UNESCO, 2000.

VEGAS, E.; PETROW, J. Incrementar el aprendizaje estudiantil en América Latina: el desafío para el siglo XXI. Washington: Banco Mundial, 2008.