ERGOLOGIA
Do grego ergo significando ação, trabalho, obra. Nas proposições de G.G.Granger, a Ergologia Transcendental propunha reunir aos usos tradicionais da palavra trabalho uma pertinência do termo no campo linguageiro e científico. O termo sugere ainda uma reavaliação da distinção entre praxis e poïèsis, entre produção de artefatos e campo de ação orientado para os valores (SCHWARTZ, 1997, p. 23; CUNHA, 2005, p. 124-201). O trabalho strictu sensu, no sentido de atividade remunerada no quadro de sociedades mercantis e de direito, é lugar privilegiado de expressão dos processos ergológicos que convidam a pensar a natureza humana nisso que ela possui de universal. Entretanto, essa experiência é uso de si sempre singular nas situações laborais também sempre singulares. O interesse da ergologia está em, nas análises do trabalho, reincorporar os trabalhadores enquanto sujeitos ético-políticos, históricos, socioculturais e epistemológicos. Esse interesse exige um esforço de observar o trabalho com uma lupa, implicando um aprofundamento das dimensões micro e macrossociais; da singularidade dos sujeitos e as diversas conjunturas político-sociais econômicas (SCHWARTZ, 2007). Ao propor um triângulo mesclando valores-saberes-atividade, assume as contribuições da ergonomia da atividade, mas interroga o patrimônio filosófico sobre esse conceito e assume consequências epistemológicas e ético-políticas para um novo regime de produção de saberes, bem como para transformações emancipatórias do trabalho. Enquanto disciplina do pensar – no uso de nossa faculdade de trabalhar com os conceitos -, opõe-se e exige sempre um confronto com a disciplina epistêmica cuja existência pressupõe eliminação daquilo que não é generalizável para se estabelecer como conhecimento. Porque um processo ergológico renormaliza em proporções e direções jamais exatamente antecipáveis, o conceito é então, por princípio, em parte submetido à injunção de reaprendizagem dele mesmo e é, por princípio, uma primeira aproximação (SCHWARTZ, 1997, p. 24). São disciplinas diferentes do ponto de vista dos seus conceitos, do modo de uso dos mesmos, dos processos de validação e na sua relação com a história. Devemos incorporar o ponto de vista da atividade humana através do acesso aos valores, saberes e competências que são colocados em exercício no ato do trabalho num debate indefinidamente renovado entre normas antecedentes e tentativas de renormalização por parte daqueles que trabalham. A incorporação da atividade gera desconforto intelectual (SCHWARTZ, 2000) nas atividades de pesquisa e/ou de gestão, uma vez que, produtora de história nas situações de trabalho, exige tirar consequências para o terreno da produção científica nos diversos campos do saber que estudam o trabalho humano no campo das ciências humanas em geral e proporciona mesmo compreender os vieses subjetivos que integram a produção científica. O trabalho aqui é entendido como unidade problemática entre atividade humana, as condições reais de trabalho e os resultados efetivos obtidos. As situações de trabalho condensam as marcas da história humana do trabalho através dos conhecimentos acionados, os sistemas produtivos, as tecnologias utilizadas, as formas de organização, os procedimentos escolhidos, os valores de uso selecionados e, por detrás, as relações sociais que se entrelaçam e opõem os homens entre si (…) toda atividade de trabalho encontra saberes acumulados nos instrumentos, nas técnicas, nos dispositivos coletivos; toda situação de trabalho está saturada de normas de vida, de formas de exploração da natureza e dos homens uns pelos outros (SCHWARTZ, 2003, p. 23). Se o trabalho tem sempre uma dimensão do prescrito, ele tem sempre também uma dimensão histórica que nos reenvia a uma experiência do uso de si que fazem os trabalhadores. E o fazem segundo suas normas próprias, seus valores e saberes. Nesse sentido, podemos falar também de produção e retrabalho dos saberes e valores contidos no trabalho prescrito em nível local em função de exigências que são aquelas que se inscrevem nas configurações diversas das situações de trabalho. Abordar o trabalho levando em consideração as múltiplas dimensões humanas no seu exercício é um desafio em termos de produção de conhecimentos, pois aspectos políticos, biológicos, psicológicos, socioculturais, econômicos e jurídicos precisam ser levados em conta, bem como a sua realidade no tempo e no espaço; o trabalho é sempre um exercício situado. A abordagem ergológica oferece um quadro apropriado para integrar aportes das diversas disciplinas que tratam do trabalho e desenvolver uma abordagem efetivamente transdisciplinar à condição que recupere o trabalho em toda sua complexidade no momento mesmo de sua realização como matéria para o diálogo entre as disciplinas. Via Dispositivos Dinâmicos a Três Polos – lugar para fertilizar essa epistemologia, encontramos através das dramáticas de uso de si na vida e no trabalho essa atividade-síntese das diversas dimensões humanas. Nesse espaço, deve emergir a experiência de trabalho buscando análises que levem em conta o homem não apenas como reprodutor de tarefas, mas como ser vivo (biológico e sociocultural) agindo sobre o meio laboral. É necessária uma postura de escuta desse sujeito buscando compreender sua relação com a situação de trabalho num reconhecimento de sua história e singularidade. Num polo, a experiência de trabalho em toda sua especificidade, no outro, os saberes genéricos das disciplinas e dos campos científicos. Um terceiro polo seria aquele das disposições éticas e epistemológicas presente no projeto de cooperação em comum. O Departamento de Ergologia da Universidade de Provence França tem suas origens no Dispositivo de Análise Pluridisciplinar de Situações de Trabalho (APST), criado em 1983-1984 pelos Professores Yves Schwartz, Daniel Faïta e Bernard Vuillon. Esse Dispositivo era vinculado ao Centre dÉpistemologie et dErgologie Comparative CEPERC daquela universidade e tinha como atividade principal um estágio de formação contínua de 160 horas para 15 assalariados, no quadro das possibilidades abertas pela Lei de Formação Contínua francesa. Essa primeira experiência é relatada na obra coletiva LHomme Producteur e sua institucionalização deu origem ao atual Diploma Universitário (D.U.) em Análise Pluridisciplinar de Situações de Trabalho. Esse curso é destinado a trabalhadores sem o diploma universitário ou de Ensino Médio. Em 1989, foi criado o Diploma de Estudos Superiores Especializados (DESS) para atender estudantes universitários de diversas disciplinas das ciências humanas e assalariados em regime de formação contínua sem diplomas universitários. Em 1997, foi criado o então Departamento de Ergologia que hoje, seguindo normas da reforma educacional europeia, oferta o Master de Ergologia em duas vertentes: Análise Pluridisciplinar de Situações de Trabalho (Percurso Profissional) e Epistemologia e Ergologia (Percurso Pesquisa). Abordagem Ergológica do Trabalho.