ESCOLAS ITINERANTES

Autores/as: SALOMÃO MUFARREJ HAGE

A Escola Itinerante foi criada no âmbito do Movimento Sem-Terra, para garantir o direito à educação das crianças, adolescentes, jovens e adultos em situação de itinerância, enquanto estão acampados, lutando pela desapropriação das terras improdutivas e implantação do assentamento. É uma escola que está voltada para toda a população acampada, pois os acampamentos são formados por famílias que foram excluídas da terra, do processo produtivo e de todos os seus direitos, inclusive o de estudar. Em âmbito nacional, a Escola Itinerante como política pública existe em seis estados: Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas, Piauí e Goiás.

A expressão “Itinerante” vem da ideia de não fixo, ou seja, que é possível se movimentar, mudar de lugar, deslocar-se para exercer certa função. Segundo o Dicionário Luft (2000, p. 4004), faz menção a quem ou ao que “percorre itinerários, que não tem parada. Quando referido à pessoa, diz-se da pessoa que está sempre a viajar, a caminhar, um andarilho”. Assim sendo, a Escola Itinerante pode ser compreendida como a escola que anda, que se movimenta e que em sua dinâmica de movimentar-se, de mudar de lugar, próprios das reivindicações e estratégias de luta construídas nas ocupações de terra, a escola acompanha para garantir o direito de estudar dos sujeitos acampados. (KNOPF, 2009)

A itinerância das escolas de acampamento do MST está relacionada ao movimento que a escola realiza quando o acampamento necessita deslocar-se para outra área, por motivos de despejo ou ocupação de uma área; contudo, seu significado não se resume a uma situação de delocamento físico da escola, apesar de essa ser marca de sua identificação, mas representa um ritual pedagógico alternativo às práticas convencionais que a escola apresenta, sob influência do processo social no qual a escola se insere, como, por exemplo, a participação nas cirandas, nas marchas, congressos e mobilizações, onde os sujeitos acampados se reúnem em momentos de formação e atividades pedagógicas. Assim, a itinerância também se materializa porque a escola está sempre em ação, está em movimento na busca por modificar as estruturas físicas e humanas de uma forma escolar que por muitos anos viveu processos de padronização, servindo a fins definidos pelas elites brasileiras. Esse caminhar contínuo representa, portanto, mais que uma ação situada, associando-se a uma luta mais ampla por concretizar uma educação que seja significativa na vida dos camponeses, uma educação no campo que seja do campo. (KNOPF, 2009).

O acampamento é uma comunidade onde se juntam famílias de trabalhadores com o objetivo comum de conquista da terra, mas com origens e experiências de vida diferentes: são camponeses e filhos de camponeses, alguns vindos de favelas das grandes cidades, outros de outros estados ou de países vizinhos; muitos já passaram por processos de desumanização, exclusão e possuem costumes, culturas e experiências educativas variadas. Há famílias que estão acampadas pela primeira vez e outras que ocuparam a terra há mais de cinco anos e passaram pela experiência de despejos e violências durante a ocupação. (LURKSAKI, 2008).

Nesse contexto, o acampamento é assumido como o lugar do sonho, da esperança e do conflito, e, entre tantos desafios, ousa-se aprender a fazer a escola, a Escola Itinerante que, de seus aprendizados, pretende-se forjar a escola do assentamento, a escola do campo, que contribuirá para a garantia do acesso à escolarização e à apropriação de conhecimentos por parte dos sujeitos do campo, fortalecendo o envolvimento das famílias e a organização no acampamento, e, com esse processo, ampliando a consciência social e de classe dos sujeitos acampados.

A Escola Itinerante nasce com um acampamento e segue com ele para onde ele for. Em cada ocupação, em cada atividade de mobilização e marcha, a escola está presente para que os sujeitos do campo na luta pela terra não fiquem sem estudar. Em muitas circunstâncias, ela acontece independente da sala de aula, situação em que esse projeto de escola tem construído as maiores transgressões, em seus aspectos físicos, político e pedagógico, podendo efetivar-se debaixo de árvores, na beira de uma estrada, de um rio, nas ruas, nas ocupações de terra, pedágios ou na roça; ou ainda nas situações de despejo promovidas, muitas vezes, pelo próprio estado que a aprovou para funcionar desta forma – itinerante.

Essa escola perde a sua centralidade da sala de aula, mas ganha na sua coletividade, demonstrando e aprendendo que é possível e necessário fazer educação sem a centralidade na sala de aula e nos conteúdos, ao mesmo tempo, sem se descuidar dos mesmos. Nela, os sujeitos e as relações sociais passam a ter centralidade, na medida em que se pretende a formação humana dos sujeitos; e os conhecimentos escolares, os espaços da escola e as relações nela vividas contribuem para possibilitar a compreensão da vida em plenitude. (KNOPF, 2009).

Na organização dessa escola, o planejamento pedagógico considera a formação humana, tendo presente os diferentes aprendizados que compõem esse processo. O ambiente educativo da escola caracteriza-se como um local de encontro dos sujeitos do campo, onde eles despertam para a criação e aprendem a compartilhar o lápis, o caderno, o lanche, os saberes, construindo, assim, a sua identidade de Sem-Terra. As práticas pedagógicas construídas no cotidiano da escola envolvem atividades educativas diversas e trazem reflexões sobre a produção do conhecimento a partir da realidade das famílias e sua relação com a coletividade e o companheirismo.

Por tudo isso, a Escola Itinerante não pode ser a escola do conhecimento deficitário, ao contrário, precisa ser uma escola que garanta o acesso aos conhecimentos historicamente produzidos e, ao mesmo tempo, valorize os saberes que os acampados possuem, partindo das aspirações mais imediatas dos estudantes, da comunidade local e articulando-as ao movimento universal. Nesse processo, a formação dos educadores tem papel fundamental, pois além da vontade, determinação e capacidade de improviso para enfrentar as adversidades causadas pela precariedade física e pedagógica, o educador deve estar preparado para organizar o currículo e o trabalho pedagógico em diferentes e múltiplos formatos de “salas de aula”, superando as relações fragmentadas entre os conhecimentos socialmente produzidos e os conhecimentos escolares, as formas de ensino e a avaliação.

A Escola Itinerante se faz aberta à vida na realidade e integrada ao Movimento na prática social e organizativa do acampamento, promovendo a auto-organização dos educandos e a participação efetiva da comunidade acampada, tanto na construção material e estrutural, como no fazer pedagógico. Na organicidade e nas lutas do acampamento, as contradições vêm para dentro da escola e exigem que sejam trabalhadas e compreendidas. Esse processo se faz formador de todos que nele se envolvem, qualificando a participação e a organização coletiva, as responsabilidades individuais, a capacidade de pensar, propor e interferir. (LURKSAKI, 2008)

Bibliografia

KNOPF, J. F. et al. Itinerante: A escola dos sem terra:trajetórias e significados. Setor de Educação (MST/PR) & Secretaria de Estado de Educação do Paraná/ Departamento da Diversidade – Coordenação de Educação do Campo.Curitiba - PR. Ano II. N.3 – Abril de 2009. (Coleção Cadernos da Escola Itinerante – MST)

LUFT, Celso Pedro. Dicionário Escolar LUFT da Língua Protuguesa. Editora Ática. 2000.

LURKSAKI, A. et al. Refletindo sobre a escola itinerante:refletindo sobre o movimento da escola. Setor de Educação (MST/PR) & Secretaria de Estado de Educação do Paraná/ Departamento da Diversidade – Coordenação de Educação do Campo.Curitiba - PR. Ano I. N.2 – Outubro de 2008. (Coleção Cadernos da Escola Itinerante – MST).