ESCRITAS E PRÁTICAS DE FORMAÇÃO

Autores/as: MARIA TERESA SANTOS CUNHA

A escrita é considerada uma forma de expressão gráfica da linguagem. Para que haja escrita, é preciso inicialmente um conjunto de sinais que possua um sentido estabelecido de antemão por uma comunidade social e que seja por ela utilizado e que esses sinais permitam gravar e reproduzir uma frase falada. (HIGOUNET, 2003, p.11). Para além de uma atividade técnica, a escrita é uma prática de formação componente essencial de nosso processo civilizatório, pois, através dela, podem-se exprimir concepções de mundo ao registrar, construir e conservar atos da experiência humana. Ação da mão sobre pedras, sobre papéis, sobre telas e onde mais for possível deixar traços, escreve-se pelos mais variados motivos: conversar, seduzir, informar, registrar, agradecer, pedir, segredar, contar-se, contar da vida pelas e com as letras. Nesse sentido, a escrita é uma forma de registro que dá acesso direto ao mundo das ideias, dá visibilidade às experiências e permite  apreender o pensamento para perenizar o que foi dito e pensado. Como ferramenta de uso social, a escrita pode salvar do esquecimento ao fixar no tempo vestígios de passados e, assim, escrever se constitui em uma forma de produção de memória e, por conseguinte, em uma prática de formação pessoal e coletiva. (CUNHA, 2009, p. 251). O historiador Roger Chartier (2007, p. 9) lembra que, por meio da escrita, em seus vários suportes, são fixados os traços do passado, a lembrança dos mortos, ou a glória dos vivos. Tal afirmativa permite recordar a importância do texto escrito como um remédio eficaz contra o esquecimento, capaz de transcender a fugacidade da vida. Como prática de formação, pode-se, por seu intermédio, buscar não a verdade de nosso passado, mas o passado de nossas verdades, não a verdade do que fomos, mas a história do que somos, daquilo que talvez já estamos deixando de ser. (LARROSA, 2004, p. 34).  A circulação da escrita é uma experiência intensamente vivenciada pelos sujeitos, notadamente na escola que é um espaço muito importante de aprendizagem da escrita e, consequentemente, de formação. Os/ as professores /as e os/ as alunos/as exercem cotidianamente a escrita, seja na superfície das páginas, em papéis avulsos, nos quadros de aula, ou mais recentemente nas telas do computador. Registram apontamentos durante as aulas, escrevem textos, fazem tarefas escritas semanais, elaboram cadernos com anotações, produzem infinidades de registros escolares e, algumas vezes, encontram tempo para escrever sobre si em diários pessoais, por exemplo (CUNHA, 2008, p.117). Estudos realizados e reunidos por Souza e Mignot (2008) evidenciam os sentidos da escrita sobre os processos de formação mostrando o papel da narrativa de si para a construção do sujeito da experiência. Souza (2008, p. 90) mostra o papel da escrita no processo de formação ao analisar a relação entre escritas e formação de professores centrando-se no registro escrito das histórias de vida como potencializadores das práticas de formação. Conclui que a abordagem experiencial, a partir do trabalho com histórias de vida ou com biografias educativas, configura-se como um processo de conhecimento. Um conhecimento sobre si, sobre os outros, sobre o cotidiano, o qual se revela através da subjetividade, da singularidade, das experiências e dos saberes, narrados com profundidade. Considera, portanto, a relação visceral entre escritas e práticas de formação por proporcionar registro de experiências profissionais e aprendizagens variadas na formação, autoformação e transformação de si. Almeida (2006, p. 8), em sua pesquisa, refere-se aos professores como praticantes potencialmente do ato de escrever e argumenta que o objeto da escrita é apreendido por eles na constituição de significados que podem ser agregados à sua experiência, permitindo-lhes pensar, serem críticos da situação, relacionarem o antes e o depois, tornarem-se capazes de engendrar uma reflexão para além do momento em que tais práticas acontecem. Pode-se concluir que as palavras dadas a ver pela materialidade do escrito estão carregadas de significados e representações que permitem, pela reflexão, reorganizar os saberes e disponibilizar instrumentos que vão contaminar as práticas de formação e abrir espaço para a compreensão dos seus próprios fazeres.

Bibliografia

ALMEIDA, B. Escrita e formação de professores: Possibilidades de diálogo para o desenvolvimento profissional. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 29, 2006,Caxambu. Anais da 28ª. Reunião Anual da ANPEd. Rio de Janeiro: ANPED, 2006. Disponível em: www.anped.org.br. Acesso em 14 jun. 2010.

CHARTIER, R. Inscrever e apagar: cultura escrita e literatura. Séculos XI-XVIII. São Paulo: Editora UNESP, 2007. 

CUNHA, M. T. S. Diários pessoais: territórios abertos para a história. In: PINSKY, C. B.; DE LUCA. T. (Org.). O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2009. p. 251-279.

HIGOUNET, C. História concisa da escrita. São Paulo: Parábola, 2003.

LARROSA, J. A operação ensaio: sobre o ensaiar e o ensaiar-se no pensamento, na escrita e na vida. Educação e Realidade, Porto Alegre, v.29, n.1,  p.27-43, jan./jun. 2004..

SOUZA, E. C.; MIGNOT, A. C. V. (Org.) Histórias de vida e formação de professores. Rio de Janeiro: Quartet, 2008.