EXCLUSÃO SOCIAL

Autores/as: EVELINE ALGEBAILE

Situação ou estado de privação em relação às prerrogativas e condições objetivas e subjetivas que constituem as bases da efetiva participação econômica, social e política em uma determinada sociedade. O uso atual do termo está vinculado à reconfiguração da questão social a partir da década de 1970, designando, em geral, um conjunto variado de privações implicadas com o distanciamento de indivíduos, grupos ou parcelas populacionais em relação às formas estáveis de participação na vida social, associadas, a partir de meados do século XX, ao acesso ao trabalho regulamentado, às proteções trabalhistas, ao exercício de direitos sociais e a bens coletivos necessários ao estabelecimento de condições dignas de existência. Ainda que as formulações sobre pobreza e privação produzidas em contextos anteriores já abordassem aspectos atualmente enfatizados no debate sobre a exclusão social, e ainda que noções similares tenham aparecido na literatura com sentidos próximos aos consolidados nos anos 1970, o surgimento do termo tem sido associado ao livro “Les exclus: un français sur dix” (1974), de René Lenoir, observando-se em seguida o crescimento da produção bibliográfica sobre o assunto e uma “explosão de preocupação” com o tema na década de 1990 (SEN, 2000). Para Robert Castel (1997; 1998), a intensificação do uso do termo nas últimas décadas decorre da percepção do agravamento, ampliação e diversificação das formas de vulnerabilidade social, bem como do relativo reconhecimento dos significados assumidos pela ameaça de vulnerabilidade em um contexto no qual o modelo de coesão social se ancora na promessa de crescente estabilidade e participação econômico-social. Nessa perspectiva, a compreensão dos sentidos atuais do termo requer a consideração de processos de longa duração vinculados à emergência e consolidação de mecanismos de organização da vida social associados à crescente instituição do regime salarial. Até meados do século XIX, o modelo de coesão social dominante nas sociedades ocidentais ancorava-se em vínculos de pertencimento regidos por relações tradicionais, como as de cunho familiar e senhorial. A desestabilização social que poderia decorrer do crescente domínio da economia sobre os diferentes âmbitos da vida foi amortecida por duas ordens não-mercantis de regulação social: uma decorrente das formas tradicionais de tutela e proteção vinculadas à organização familiar e às redes de proteção próxima, constituídas no contexto da expansão industrial; e outra decorrente da instauração progressiva de novos mecanismos de suporte à organização da vida individual e coletiva, envolvendo as proteções vinculadas às posições ocupacionais no mundo do trabalho e a normatização de direitos sociais, cujo exercício seria garantido pela constituição de um amplo aparato de instituições, serviços e práticas. A produção histórica de uma forma política específica de Estado – o Estado de bem estar ou Estado social – caracterizada pela centralidade atribuída às ações voltadas à formulação e implementação desses mecanismos é uma das mais fortes condições e expressões da consolidação do modelo de coesão disseminado nesse contexto. Tal modelo, porém, começou a ser abalado a partir dos anos 1970, devido às mudanças no padrão de acumulação capitalista associadas a alterações no mundo do trabalho e no padrão de investimento social do Estado, resultando em um novo quadro de instabilidades e vulnerabilidade social. O termo exclusão social, em seus significados contemporâneos, emerge e se dissemina nesse contexto, ensejando, porém, inúmeras críticas referentes a seus limites analíticos e explicativos frente à complexidade das relações, processos e situações implicados com a instauração desse quadro. Autores de distintas perspectivas concordam que o uso indiscriminado do termo para referir situações heterogêneas concorre para encobrir suas especificidades e os processos atuantes na sua produção. O uso do termo para designar situações-limite de privação induz à percepção de que estas seriam exceções, quando, na verdade, a diluição das referências coletivas até então dominantes atravessa toda a sociedade, atingindo diretamente determinados indivíduos ou grupos e expandindo-se como ameaça para os demais (CASTEL, 1998). Outro limite do termo seria a insuficiente explicitação das especificidades econômico-sociais dos diferentes contextos nos quais o fenômeno se manifesta. Oliveira (1998) e Fontes (1995) têm enfatizado, nesse caso, a necessidade de se considerar as formas assumidas pelas desigualdades em países de capitalismo periférico, como os latino-americanos, onde o atual processo de diluição de referências e proteções coletivas agrava as instabilidades vinculadas a mercados de trabalho só parcialmente constituídos por empregos regulamentados e a Estados que jamais universalizaram o acesso a bens e direitos generalizados nos países de capitalismo avançado. Para Martins (1997), deve-se atentar, nesses contextos, para as ocultações do caráter contraditório das situações que, apesar de comumente identificadas pelo termo exclusão, envolvem, na verdade, uma dinâmica perversa de exclusão-inclusão, possível de ser reconhecida, por exemplo, nas situações de prostituição infantil, trabalho escravo e agenciamento de jovens pelas redes de tráfico, que se configuram como modos de integração econômica sob formas que determinam a degradação moral e social dos sujeitos. Como adverte Frigotto (2004), essas reduções analíticas implicam limitações equivalentes na elaboração de proposições políticas capazes de enfrentar o atual quadro de desigualdades. O próprio uso antinômico do termo, ao induzir à ideia de que a solução para as situações de destituição seria a inclusão na ordem econômico-social vigente, oculta que, para o capitalismo, a apropriação desigual da produção social não é um efeito indesejado, mas uma condição estrutural de sua expansão. A tendência contemporânea de responder ao novo quadro social predominantemente por meio de medidas parciais focalizadas nos casos mais agudos de vulnerabilidade sustenta-se, em boa parte, na omissão das causas estruturais e globais dos problemas hoje em franca expansão.

Bibliografia

CASTEL, R. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1998.

CASTEL, R. As armadilhas da exclusão. In: BELFIORE-WANDERLEY, M.; BÓGUS, L.; YAZBEC, M. C. (Org.) Desigualdade e a questão social. São Paulo: EDUC, 1997. p. 15-48.

FONTES, V. Apontamentos para pensar as formas atuais de exclusão. Proposta, Rio de Janeiro, v. 23, n. 65, p. 18-21, 1995.

FRIGOTTO, G. Exclusão e/ou desigualdade social? Questões teóricas e político-práticas. In: CONFERENCIA LATINOAMERICANA Y CARIBEÑA DE CIENCIAS SOCIALES, 2, 2004, Guadalajara. Educação, trabalho e exclusão social. México: CLACSO, 2004. (no prelo).

LENOIR, R. Les exclus: un français sur dix. Paris: Editions du Seuil, 1974.

MARTINS, J. S. Exclusão social e a nova desigualdade. São Paulo: Paulus, 1997.

OLIVEIRA, F. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998.

SEN, A. Social exclusion: concept, application and scrutiny. Manila: Office of Environment and Social Development, 2000. (Social Development Papers, n. 1). Disponível em: <http://www.adb.org/documents/books/social_exclusion/Social_exclusion. pdf>. Acesso em: 12 maio 2009.