FORMAÇÃO DOCENTE NA AMÉRICA LATINA E NO CARIBE

Autores/as: MAGALY ROBALINO CAMPOS

Os professores são a chave da mudança educativa (HEARGREAVES, 1999), por isso os países enfrentam o desafio de formular e implementar políticas que assegurem as condições necessárias para o exercício pleno e satisfatório da profissão docente. (OFICINA REGIONAL DE EDUCACIÓN PARA AMÉRICA LATINA Y EL CARIBE, 2007).

No entanto, as reformas educativas das últimas décadas se orientaram principalmente para as mudanças curriculares, dotação de textos, melhoramento da infraestrutura e equipamentos, promulgação de regulamentos e mudanças de gestão. Os docentes e os dirigentes institucionais foram considerados no mesmo nível que outros “insumos” e seu espaço reduziu-se à participação em programas de capacitação para a execução de mudanças previamente determinadas.

A insuficiência dos processos de formação inicial docente levou à implementação, nos países latino-americanos, de estratégias de formação continuada ou em serviço, destinadas a remediar os vazios que impedem a melhoria das práticas docentes. Essa perspectiva “remedial” da capacitação tem impedido ver o caráter contínuo da aprendizagem docente e sua influência na totalidade do desenvolvimento profissional.

As avaliações da formação inicial e em serviço dos docentes referem-se a problemas como: persistência de enfoques tradicionais; desarticulação da formação com outros fatores que incidem na qualidade do trabalho docente; desarticulação entre os atores da formação inicial; falta de mecanismos de acompanhamento e assessoria pedagógica; desconexão entre os atores e sistemas da formação inicial e em serviço; ações de capacitação dirigida aos indivíduos e não à equipe docente, entre outros.

Hoje se busca avançar rumo a sistemas de desenvolvimento profissional docente como processos contínuos de aprendizagem ao longo da vida profissional, que baseiam os marcos estritamente institucionais e integram a formação inicial, o período de inserção à profissão, a formação em serviço, a superação permanente no nível local (entre pares e equipes docentes) e a autoformação. 

A aprendizagem docente ocorre sobre a base da história e da experiência cultural do indivíduo e todos seus processos de socialização, embora comece sistematicamente com o ingresso na formação inicial. As bases sociais e culturais das quais se nutre a profissão docente caracterizam e condicionam em alto grau o alcance e significado que dentro de cada sujeito adquire o processo global de formação e desenvolvimento profissional.

O sentido integral da formação e desenvolvimento profissional docente ao longo da vida se constrói na institucionalidade de sistemas que integram âmbitos fundamentais como  estes a seguir:

a) Formação inicial com forte ênfase na prática: As instituições formadoras de docentes na América Latina têm potencializado o sentido formador das práticas pedagógicas, transformando-as no coração de todo o processo formador e atribuindo-lhes o maior peso específico dentro dos currículos. Esses modelos contribuem para a recuperação da escola como o espaço privilegiado da aprendizagem, inovação e diálogo entre docentes em formação e em exercício.

A formação na prática é o cenário mais propício para introduzir os novos docentes no conhecimento da realidade escolar e extraescolar. É o espaço para confrontar as próprias crenças sobre o ensino e a aprendizagem com as peculiaridades da cultura escolar viva.

b) Formação para a inserção na profissão: A inserção na docência é fundamental na construção de certezas, é o momento da experimentação profunda das contradições e insuficiências geradas antes e durante a formação inicial. Sem um processo sistemático de apoio para a inserção profissional, a maior parte das aprendizagens são adquiridas por ensaio e erro, com um alto grau de emocionalidade.

Por isso, são fundamentais os programas de apoio orientados a brindar aos professores recém-formados as estratégias teóricas e práticas necessárias para afrontar o mundo da escola com suas tensões, carências, oportunidades e possibilidades.

A forma mais documentada de acompanhamento a docentes novatos é aquela mediada por tutores ou mentores que assessoram o docente principiante em aspectos metodológicos, pedagógicos e profissionais, com a vantagem de constituir comunidades de aprendizagem que conduzem ao descobrimento de novos sentidos do labor de ensinar.

c) Formação in situ: A formação das equipes docentes em terreno tem se mostrado uma estratégia altamente efetiva, porque, entre outras razões, as necessidades recorrentes para o exercício da docência nascem principalmente do espaço escolar; aproveitam-se, então, as dinâmicas, interações e oportunidades das escolas para a formação contínua e a escola se converte no espaço de aprendizagem-aplicação-confrontação-inovação dos docentes em desenvolvimento. Têm valor, é claro, os cursos e seminários em espaços formais como universidades, ONGs, unidades de ministérios, contudo, a combinação com modalidades de formação em terreno mostra ser capaz de potencializar a aplicação das aprendizagens docentes.

d) Formação em equipes, formação entre pares: Os coletivos, redes e associações de professores, surgidos das interações no desempenho profissional, são cenários privilegiados para potencializar um tipo de formação em serviço baseada na reflexão e no apoio entre colegas. Requerem do apoio da própria instituição educativa o suporte técnico especializado e o reconhecimento institucional como itinerários formativos. Alguns exemplos destacados desse tipo de formação se encontram na Red de Maestros, no Chile, na Red Nacional de Formación Docente Continua, na Argentina, e nas Escuelas Líderes na Costa Rica, entre outros.

Relações entre formação, profissão e trabalho docente: A necessidade de consolidar um novo “profissionalismo docente” que fortaleça o protagonismo dos educadores nas transformações educativas, por sua vez, interpela a formação a dialogar com os outros fatores do desempenho docente e a produzir mudanças profundas e pertinentes em seus modelos. Há duas forças impulsoras das mudanças em formação docente, aponta Eleonora Villegas-Reimers (2002), referindo-se aos Estados Unidos e alertando sobre a necessidade de mudanças, mas de qualquer tipo; uma força é intrínseca e provém do interior da comunidade dos educadores (professores, pesquisadores, elaboradores de política, investigadores), a outra é externa e provém principalmente dos funcionários de governo tanto em nível estadual como federal. A primeira dessas forças encontra expressão em uma tentativa de conceber o professor e formá-lo como um profissional corresponsável pelos resultados do trabalho da sala de aula e da escola e que, além disso, participa no espaço maior das decisões de política educativa. A segunda busca promover o controle, o desenvolvimento de padrões, a medição do desempenho e a formação do professor em função desses padrões e suas medições. 

Por sua vez, nos últimos anos, a discussão sobre a “questão docente” deu destaque aos desafios recorrentes da formação inicial para contribuir ao desenvolvimento de docentes protagonistas de transformações educativas. Em vários países latino-americanos, são palpáveis as disfunções entre a formação inicial e as características laborais do espaço educativo formal que exigem habilidades para as quais o novo docente não foi preparado e que acabaram por gerar uma ruptura interna entre a imagem docente e a realidade, como assinala Rodrigo Parra Sandoval para o caso colombiano em 1986 e, de modo mais geral, José Manuel Esteve.

O questionamento aos processos de formação a partir da análise de contextos educativos específicos teve maior importância a partir de pesquisas sobre trabalho docente como as realizadas pela UNESCO (2006), que mencionam a necessidade de incluir o fortalecimento da autoestima e do cuidado da saúde nos programas de formação inicial e em serviço, e a integração de redes de apoio e acompanhamento pedagógico aos professores para romper sua sensação de solidão e abandono (ROBALINO, 2006)

Do mesmo modo, a desigualdade de contextos e oportunidades atravessam o exercício da profissão e referem-se a problemas estruturais dos sistemas educativos como a coexistência da escolarização de massa com a pobreza e a exclusão (TENTI FANFANI, 2005). Portanto, as políticas de desenvolvimento profissional devem ser complementares a outras referidas aos fatores associados que afetam o trabalho docente.

O tratamento dos temas docentes, dentre eles, a formação e o desenvolvimento profissional como matéria de política pública, é um dos desafios mais complexos e urgentes que defrontam os países, sobretudo pela necessidade de abordar a questão docente em profundidade e com um enfoque integral e sistêmico e como uma responsabilidade social associada ao cumprimento do direito de todas e todos a uma educação de qualidade.

Bibliografia

AVALOS, B. El nuevo Profesionalismo: formación docente inicial y continua. In:

TENTI FANFANI, E. (Comp). El oficio de docente: vocación, trabajo y profesión en el Siglo XXI. Buenos Aires: Siglo XXI. 2007.

AVALOS, B. La escuela y la cuestión social. Buenos Aires: Siglo XXI. 2008.

HEARGREAVES, A. Profesorado, cultura y postmodernidad. Madrid: Morata, 1999.

OFICINA REGIONAL DE EDUCACIÓN PARA AMÉRICA LATINA Y EL CARIBE. Educación de calidad para todos: un asunto de derechos humanos.In:REUNIÓN INTERGUBERNAMENTAL DEL PROYECTO REGIONAL DE EDUCACIÓN PARA AMÉRICA LATINA Y EL CARIBE, 2, 2007, Santiago de Chile. Documento de discusión sobre política educativo. Santiago de Chile: Ediciones UNESCO, 2007.

OFICINA REGIONAL DE EDUCACIÓN PARA AMÉRICA LATINA Y EL CARIBE. Proyecto regional de educación para América Latina y el Caribe. Santiago de Chile: Ediciones UNESCO, 2002.

PARRA SANDOVAL, R. Los maestros colombianos. Bogotá: Plaza y Janés,1986.

ROBALINO, M. A. Condiciones de trabajo y salud docente. Santiago de Chile: OREALC, 2006.

TENTI FANFANI, E. La condición docente:análisis comparado de la Argentina, Brasil Perú y Uruguay. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2005.  

VILLEGAS REIMERS, E. V.-R. Formación docente:un aporte a la discusión. Santiago de Chile: UNESCO-OREALC, 2002.