GERAÇÕES
Refere-se a um tipo de posicionamento dos indivíduos na estrutura social, relativo à época ou período em que eles nasceram, integrando-se na sociedade e na história. Assim como as condições de classe, de gênero e de etnia posicionam, distinguem e separam os indivíduos na estrutura social, a condição geracional também o faz e está associada à faixa etária dos indivíduos. Os membros de uma sociedade se localizam em variados tempos histórico-sociais, porque ao nascerem neles se integram em diferentes momentos de seu percurso, o que lhes confere um lugar social, uma condição social geracional (MANNHEIM, 1982). A geração refere-se a uma situação compartilhada pelos indivíduos, que lhes dá uma condição comum, demarcada pela época ou período em que eles se introduziram na vida social e nos destinos humanos, mediante seu nascimento. Nesse sentido, as gerações não são grupos sociais, embora possam vir a sê-lo. Elas são uma situação, uma condição, podendo ou não tornar-se e reconhecer-se como um grupo, porque o que as define não é o reconhecimento grupal, mas o momento comum em que os indivíduos entram no curso da história, isto é, seu tempo de chegada à vida social pelo nascimento. Na perspectiva de Mannheim (1982), a questão sociológica das gerações vincula-se a quatro componentes objetivos da vida social e da história, que atribuem a essa temática toda a sua relevância. O primeiro refere-se ao fato de que, ininterruptamente, as sociedades veem seus contingentes humanos renovados pela chegada de novos membros à convivência social, em função mesmo da reprodução da espécie. O segundo componente diz respeito à realidade inversa, uma vez que os membros mais antigos das sociedades deixam de existir, retirando-se da vida social, visto que perecem e morrem pelo próprio esgotamento natural da vida humana, pela finalização do transcurso de suas existências e capacidades corpóreas. Assim, ao mesmo tempo em que novos membros se incorporam à vida social, outros dela se vão. Essa dinâmica dos agrupamentos e populações se desdobra em dois outros aspectos da problemática das gerações: de um lado, localiza cada indivíduo num único momento do percurso societário, em uma única geração. De outro, essa dinâmica exige que esses novos chegantes sejam acolhidos pela coletividade, inserindo-se na tradição e na cultura, impedindo, assim, a dilaceração e desfiguração do tecido social. Nesse sentido, receber os que chegam e garantir o seu segundo nascimento, pela sua inserção na cultura, é uma necessidade de qualquer coletividade, agrupamento humano ou sociedade, para que estes não se extingam. Nessa exigência básica de incorporação de seus novos membros à vida social e à cultura, suas novas gerações, está posta a questão da educação. Para entender essa íntima relação entre a educação e a problemática das gerações humanas, recorremos também a É. Durkheim (1978) e H. Arendt (1992), pois, para esses autores, a questão das gerações humanas é constitutiva da educação. Durkheim situa o fenômeno educacional na problemática da continuidade da vida social e da socialização, uma vez que entende a educação como uma ação das gerações adultas sobre as novas gerações. Esse estreito vínculo entre a questão geracional e a educação é salientado também por Arendt (1992), de modo original e fecundo. Segundo a autora, a essência da educação é a natalidade, pois há sempre novos membros se integrando à vida social, há crianças nascendo e estas não podem ser deixadas à deriva. Ao enfatizar que cabe à educação e aos educadores criar possibilidades para que as novas gerações se apropriem da memória cultural, as gerações adultas criam condições para que as novas gerações se realizem como tal, potencializando o novo de que são portadoras, na reinvenção do mundo, da vida em comum. Para Arendt, a educação tem, portanto, um caráter conservador e revolucionário ao mesmo tempo, no sentido de que, ao se apropriarem de suas raízes culturais e da tradição, as novas gerações estarão aptas para construírem um mundo novo, diferente do existente, recriando a vida em comum, ao invés de repeti-lo, o que ocorreria caso não pudessem se apropriar da memória cultural. Para que as novas gerações possam realizar o novo de que são portadoras, é necessário que a educação os tenha inserido na tradição e na cultura, permitindo que conhecendo e se apropriando do passado não o repitam no presente e futuro. Contemporaneamente, Boaventura Santos (1996) se aproxima de algumas preocupações de Arendt, ao expor as bases epistemológicas do que denomina uma pedagogia do conflito, uma educação emancipatória, do inconformismo, que desenvolva subjetividades sensíveis, capazes de se indignarem com a presente banalização do sofrimento humano e da natureza. O autor ressalta que o passado, fruto de escolhas humanas, e, por isso mesmo, indesculpável, precisa ser conhecido, para que não se reproduza como presente e futuro. Santos salienta que essa perspectiva e relação com o passado, acrescida de uma visão edificante da ciência e de uma abordagem multiculturalista do conhecimento e da educação, devem constituir as bases de um projeto educativo emancipatório. Um projeto calcado em uma pedagogia do conflito, necessária para que os sujeitos se constituam como protagonistas históricos, capazes de enfrentarem os desafios humanos, sociais e ambientais das sociedades atuais. Essas constatações demonstram os vínculos intrínsecos do ato educativo com a problemática das gerações humanas e, por conseguinte, com o trabalho docente. Destaca-se ainda que, ao referir-se às relações professor-aluno como uma situação na qual está plenamente posta a questão geracional, Mannheim (1982) enfatiza que nela estão colocados dois centros de orientação subjetivos que, embora se sucedam em sua localização no curso histórico, encontram-se e convivem no tempo presente, em que tais relações se estabelecem. O autor afirma que o relacionamento professor-aluno não é entre dois representantes da consciência geral, mas entre um possível centro subjetivo de orientação vital e um outro subsequente, visto que ambos se localizam em gerações diferentes. Essa tensão é impossível de ser solucionada, exceto por um fator de compensação: não apenas o professor educa seu aluno, mas o aluno também educa o professor. Nas temporalidades inscritas no trabalho docente e na escola, destaca-se, portanto, a problemática das gerações que estão em um estado de interação constante nos processos educativos. Diversas gerações coabitam os territórios da escola, fazendo da dimensão geracional uma parte das temporalidades inscritas nos processos e práticas educativo-pedagógicos, seja porque docentes e discentes se localizam em diferentes gerações, seja porque na escola geralmente existem várias gerações de professores. Nela estão professores em início de carreira as novas gerações do magistério ao lado daqueles que têm alguns anos de trabalho as gerações intermediárias. E também ao lado dos que têm muitos anos de docência, os que se aproximam do final da carreira, da aposentadoria as gerações antigas do magistério.