GESTOR EDUCACIONAL, GESTOR ESCOLAR
A ênfase posta na atualidade no termo gestão educacional tem origem nas mudanças ocorridas nas relações da administração pública (aparato de Estado) com a sociedade. Nas últimas décadas do século XX, ao(s) gestor(es) escolar(es) responsável(is) pela coordenação e articulação de ações intraunidades escolares e destas com órgãos de direção dos sistemas de ensino e com entidades e grupos sociais diversos atribuiu-se capacidades de interpretar, articular e operacionalizar demandas locais com os objetivos políticos mais amplos estabelecidos pelos governos eleitos. Novas funções, atribuições e competências lhes são requeridas em paralelo e/ou contraposição às funções tradicionais.
Na atuação dos gestores escolares, incidem as contradições presentes na coetaneidade de modos de regulação diversos dos sistemas educacionais na contemporaneidade. Tais contradições produzem variações de formas de atuação e concepções dos próprios gestores escolares acerca de sua função e identidade profissional. Historicamente, a partir dos anos 60, no século XX, verificou-se no país a disseminação dos cursos de administração escolar, destinados à formação de especialistas em educação responsáveis pela direção das escolas e exercício de funções diversas relacionadas à administração educacional. A essa tendência modernizadora contrapunha-se a tradição clientelista de indicação por agentes políticos dos diretores escolares e outros órgãos públicos. No Brasil, a década de 70 do século XX representou o apogeu do modo de administração escolar ancorado na regulação de matriz burocrática. À prescrição normativa de funções atribuídas aos inspetores, diretores, supervisores escolares correspondia um contexto político autoritário, de centralização decisória e de repressão das reivindicações sociais. A administração escolar achava-se, e acha-se ainda, em lócus diversos, estruturada em uma hierarquia funcional, onde a cada posto/cargo público corresponde uma função e posição hierárquica. Trata-se do modo burocrático de regulação do sistema educacional, na qual a lógica de ação dos atores acha-se orientada pela conformidade aos procedimentos e aos regulamentos que os prescrevem (MAROY, 2008).
No interior das lutas sociais pela redemocratização do país, reivindicações por eleições dos dirigentes escolares vão se disseminando com o objetivo de alterar as práticas tradicionais. Entretanto e de modo diverso da tradição da administração pública nos Estados Unidos, no Brasil, as eleições emergem como um dos instrumentos de luta contra a administração técnica e racional da educação. A introdução de eleições regulares dos governantes do país, das escolas, a derrota da censura e da ditadura militar possibilitaram a disseminação de lutas por serviços que efetivem direitos sociais educação básica e saúde, especialmente. Esses movimentos sociais constituíram, por razões diversas, fonte de mudanças nas formas autoritárias tradicionais de prestação dos serviços públicos. Em 1988, a Constituição Brasileira estabeleceu o princípio orientador da gestão democrática do ensino, num contexto em que ganhou força a reivindicação dos educadores pela autonomia escolar vinculada à necessidade de experimentar alternativas pedagógicas curriculares e didáticas que diminuíssem os altos índices de evasão e repetência na escola primária e a deterioração da qualidade da escola pública em geral (KRAWCZYK, 1999).
Os anos 90 podem ser caracterizados como um período fecundo em termos de formulação de propostas no campo educacional, sobretudo nos aspectos concernentes à sua gestão. As mudanças nas legislações educacionais brasileiras, ocorridas a partir dessa década, especialmente após a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9394/96), promoveram crescente descentralização sobre a gestão do sistema educacional e o fortalecimento da responsabilização local.
Nesse mesmo período, mudanças político-administrativas em âmbito municipal e/ou estadual resultaram numa grande diversidade de experiência no setor (OLIVEIRA, 2000, p. 15). Entretanto, estudos na área de política educacional (MAROY, 2008) têm demonstrado a emergência, nesse mesmo período, de um novo modo de regulação dos sistemas educacionais centrado na avaliação de resultados. Sob a influência de concepções advindas do new public management, ao gestor escolar são atribuídas metas de eficiência e/ou eficácia, que muitas vezes encontram ressonância nas lutas por acesso e permanência nas escolas de educação básica. Ao invés de estarem submetidos à conformidade a procedimentos preestabelecidos, os gestores escolares e educacionais são convidados a se comprometer com resultados.
Na primeira década do século XXI, disseminou-se, no sistema educacional brasileiro, a avaliação de resultados com fundamento em testes padronizados. Gestores educacionais das mais diferentes regiões do país e níveis de ensino veem-se envolvidos em lógicas de ação onde acréscimos nos resultados de aprendizagem dos alunos constituem referentes para a regulação institucional ou de controle (BARROSO, 2005). O atendimento pelos diferentes governos a demandas por descentralização e maior autonomia decisória – quanto a recursos financeiros, materiais e elaboração de projetos políticos pedagógicos vem acompanhado de proposições para os gestores escolares relacionadas ao cumprimento de metas e, também, a novas formas de atuação profissional. Nesse contexto, difunde-se o conceito de gestão associado à ideia de participação de pessoas analisando situações, decidindo sobre seu encaminhamento e agindo sobre elas em conjunto. O êxito da organização escolar dependeria da ação conjunta de seus componentes pelo trabalho associado, mediante reciprocidade que criaria um todo orientado por uma vontade coletiva (Luck, 2000, 15). Os gestores escolares são todos aqueles envolvidos com os objetivos de melhoria da qualidade da educação básica.
Estudos sobre eficácia escolar (SOARES, 2002), ao apontarem que as características organizacionais internas das escolas são responsáveis por variações do desempenho dos alunos, reforçam a atuação de gestores educacionais como responsáveis por estabelecer um clima escolar que favoreça condições necessárias para o ensino e aprendizagem mais eficaz (LUCK, 2000). Em contraposição, autores como Ball (2004) consideram que ocorre a instauração de uma nova cultura de performatividade competitiva, envolvendo uma combinação de descentralização, metas e incentivos para produzir novos perfis profissionais. Passam a ser exigidos dos gestores educacionais níveis de desempenho e resultados preestabelecidos e, paulatinamente, instala-se a cultura da gestão por resultados, que objetiva obter melhorias mediante a reelaboração de práticas orientadas para o cumprimento de metas. Esse processo, ainda segundo Ball (2004), produz uma individualização crescente que contribui para a destruição das solidariedades baseadas numa identidade profissional comum.