GRATIFICAÇÃO DE ESTÍMULO À DOCÊNCIA NO MAGISTÉRIO SUPERIOR ? GED

Autores/as: MARIA ROSIMARY SOARES DOS SANTOS

Em março de 1998, no início de seu segundo mandato, o Presidente Fernando Henrique, através da Medida Provisória nº 1.616, tentou implantar nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) o Programa de Incentivo à Docência – PID. O Programa consistia em um sistema rotativo de bolsas, direcionado aos professores da graduação com no mínimo 12 horas/aula por semana. A distribuição das bolsas deveria ocorrer da seguinte forma: 60% para os doutores, 50% para os mestres e 30% para os especialistas, ou seja, para uma parte dos professores. Excluía os aposentados e professores que tinham apenas a graduação. Para disputar o número restrito de bolsas, os professores teriam que aumentar a carga horária na graduação, o que poderia levar a uma concentração dos docentes na graduação em detrimento das atividades na pós-graduação, na pesquisa e na extensão. Os professores das IFES estavam com salários congelados e acumulavam grandes perdas salariais. O anúncio do PID deflagrou uma greve nacional que durou três meses. Com a greve, os docentes conseguiram que o Congresso Nacional votasse contra o Programa. Contudo, o Ministério da Educação, apesar de derrotado em seu intento de implantar o PID, não desistiu do Programa e apresentou uma nova proposta de remuneração dos docentes em greve, não mais através de bolsas, mas através de uma gratificação baseada em critérios quantitativos e produtivistas.

A Gratificação de Estimulo à Docência – GED foi imposta aos docentes em julho de 1998, através da Lei nº 9.678. A Gratificação consistia em um sistema de atribuição de pontos às atividades realizadas pelos professores, de acordo com o regime de trabalho e a sua titulação. Para receber a gratificação integralmente, o docente teria que perfazer uma determinada quantidade de pontos aferidos por comissões instituídas nas unidades acadêmicas. Cada professor deveria atingir pelo menos 140 pontos, destes, 120 poderiam resultar de suas atividades de ensino. A atividade de ensino recebia, portanto, maior pontuação, 10 pontos por hora-aula. Os demais pontos seriam atribuídos às suas atividades de pesquisa e de extensão.

Como o nome indicava, a GED estimularia os docentes, faria com que se voltassem às atividades de sala de aula, de ensino, já que estas seriam mais valorizadas. Os valores da gratificação variavam de acordo com a titulação acadêmica e com a situação funcional do docente em atividade ou aposentado. O professor aposentado não recebia a GED em sua totalidade, mas apenas 60% de seu valor. O mesmo acontecia com os professores que, por licença maternidade, médica, para capacitação ou férias prêmio, não estavam realizando atividades de ensino, portanto, não lhes poderiam ser computados a carga horária em sala de aula.

Além de excluir os professores sem titulação, a GED rompia com o princípio da paridade na carreira, pois com a sua implantação, os vencimentos dos aposentados e dos pensionistas não mais acompanhariam os vencimentos dos professores em atividade. Somente em 2006, os professores aposentados passaram a receber 115 dos 140 pontos, ou seja, 82% do valor integral da GED.

A GED também rompia com o princípio da isonomia, diferenciando e excluindo os docentes das carreiras de 1º e 2º graus (hoje ensino fundamental e médio) das IFES e das IFE – Instituições Federais de Ensino, que também ficaram fora da gratificação. Posteriormente, estes passaram a receber a Gratificação de Incentivo a Docência – GID, porém com valores inferiores aos da GED, apesar de os docentes terem em sua maioria a mesma titulação dos professores do ensino superior das IFES. Em 2001, após uma longa greve nacional nas universidades federais e nas IFE, a GID foi equiparada à GED.

A criação da GED deve ser entendida no contexto da reforma do Estado em curso no país e que buscava transformar a administração pública burocrática em uma administração pública de tipo gerencial. No que tange às universidades, estas, classificadas como serviços não exclusivos do Estado, seriam convertidas em organizações sociais, prestadoras de serviços e administradas conforme os métodos empresariais, se relacionariam com o Estado através de contratos de gestão, com metas e indicadores de desempenho pré-definidos, cujo cumprimento determinaria a renovação ou a não renovação dos contratos. Com isso, tratava-se, pois, de introduzir mecanismos de avaliação de desempenho e produtividade para assegurar maior eficiência às universidades.

As análises são unânimes com relação ao significado e efeitos da GED nas universidades e sobre o trabalho docente. A GED se constituiu em uma estratégia central através da qual o governo objetivava introduzir mecanismos competitivos da empresa privada no interior da universidade pública (CEDES, 2001), impondo às universidades federais “uma organização acadêmica baseada em finalidades econômicas, impulsionando a lógica da reforma da educação superior que procura, dentre outros aspectos, diminuir o controle do trabalho docente sobre seu próprio processo de trabalho.” (CATANI; OLIVEIRA, 1999, p.69).

A implantação da GED estimulou a competição e reforçou o individualismo entre os docentes, pois previa pagamentos diferenciados segundo o desempenho de cada docente. Segundo Chaves (2008), ocorreu com isso “uma mudança da natureza do trabalho acadêmico já que as relações de produção acadêmicas passaram a ter como fundamento principal a corrida em busca da pontuação para a obtenção do ganho adicional” (CHAVES, 2006, p. 9).

Em síntese, com a implantação da GED, uma série de critérios com o objetivo de aferir a produtividade do professor foi introduzida nas universidades públicas e permaneceram vigentes mesmo após a sua transformação em gratificação fixa em 2004. Outros mecanismos de avaliação foram introduzidos nas IFES e passaram a determinar o perfil do que é ser um docente produtivo, dando origem, dessa forma, a um novo ethos acadêmico. Nesse contexto, cabe destacar o surgimento de um processo crescente de alienação (ou perda de autonomia) do trabalho docente e de transformações essenciais em sua forma. A intensificação, a desqualificação e a desprofissionalização resultam das injunções legais, que ditam os procedimentos que têm como finalidades exclusivas o controle do trabalho docente (VIEIRA; OLIVEIRA, 2007).

Bibliografia

BRASIL. Lei nº 9.678, de 3 de Julho de 1998. Institui a Gratificação de Estímulo à Docência no Magistério Superior e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 6 jul. 1998.

BRASIL. Medida Provisória nº 1.616-16, de 13 de março de 1998. Dispõe sobre o número de Cargos de Direção e Funções Gratificadas das Instituições Federais de Ensino Superior, dos Centros Federais de Educação Tecnológica e das Escolas Agrotécnicas Federais, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 14 mar. 1998.

CATANI, A.; OLIVEIRA, J. A gratificação de estímulo à docência (GED). In: DOURADO, L. F.; CATANI, A. M. (Org.) Universidade pública. Campinas: Autores Associados, 1999. (Coleção polêmicas de nosso tempo, v.70).

CHAVES, V. L. J. Reforma do Estado e privatização da universidade pública brasileira: conseqüências sobre o trabalho docente. In: SEMINÁRIO DA REDESTRADO, 6, 2006. Disponível em: www.fae.ufmg.br. Acesso em: 26 maio 2010.

CENTRO DE ESTUDOS EDUCAÇÃO E SOCIEDADE. Editorial. Educação & Sociedade, Campinas, v. 22, n.77, p. 1-3, dez. 2001. Disponível em: http://www.scielo.br. Acesso em: 26 maio 2010.

VIEIRA, E. P.; OLIVEIRA, J. M. S. As condições do trabalho docente no ensino superior no contexto das reformas educacionais: impactos na realidade bahiana – a UESC em questão. 2007. Projeto de pesquisa – Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus.