HISTORIOGRAFIA EM TRABALHO E EDUCAÇÃO

Autores/as: MARIA CIAVATTA

O termo historiografia significa a graphia ou a escrita da história. Seus significados correntes são “a arte de escrever a história” e os “estudos históricos e críticos acerca da história ou dos historiadores” (FERREIRA, 2004). Indagação e relato de acontecimentos são os sentidos originais da palavra história, que vem do grego istoria  (WILLIAMS, 2007, p. 201). Significados afins são registrados pelos historiadores: “o exame dos discursos de diferentes historiadores, também de como eles pensam o método histórico” (SILVA; SILVA, 2005, p. 189); a “reflexão em torno do trabalho dos historiadores, quanto como veio da pesquisa histórica concreta” (MALERBA, 2006, p. 11); “a historiografia é um produto da história e revela com clareza a sociedade que a gerou” (CARBONELL apud MALERBA, 2006, p. 21).

Nessa breve apresentação dos sentidos aproximados do termo historiografia, ficam claras duas questões: primeira, seu sentido de escrita da história, dos fatos tal como são vividos e relatados pelos historiadores; e, segunda, a análise crítica dessa escrita. Fica, também, esboçada a problematização do termo: a história como representação ou como história das ideias, o “olhar” de quem revisita uma personagem ou acontecimentos, “simulacros” que “podem ser procurados em suas cotas de realidade” (FREITAS, 1998, p. 9) e a história como produção social da existência humana (MARX; ENGELS, 1979).

História e historiografia são termos correlatos, mas não são exatamente a mesma coisa para todos os historiadores. Silva (2001, p. 13-14) distingue “a escola histórica positivista” e suas duas vertentes: a Escola Histórica Alemã, o historicismo, e a Escola Metódica Francesa na evolução da “história da história dos estudos historiográficos”. Incluem-se aí a história política, a história das batalhas, a biografia dos grandes vultos.

Com a criação da École des Annales, os historiadores abandonam a “história tradicional”, optam por uma história social, a história das estruturas, suas diferentes temporalidades, a visão social e política marxista. Mas abrem-se também outras vertentes de estudos, como sobre representações, o imaginário, a história cultural, os recortes pós-modernos, além dos estudos com séries estatísticas (BURKE, 1991).

Várias coletâneas de artigos (estudos, pesquisas, teses e dissertações) ostentam o termo historiografia no título. É um termo em moda, de uso frequente nos estudos de história da educação. Mas o termo historiografia se torna uma inovação nominal se o historiador não se ocupar das concepções que organizam esse campo de estudos. Falta-lhes a abordagem mais complexa que é o estudo crítico de como se escreve a história ou do trabalho dos historiadores.       

A historiografia em trabalho e educação (estudos sobre educação profissional, técnica, tecnológica, de jovens e adultos trabalhadores, trabalho e formação docente), é um campo em processo de construção de análise teórica e documental. Seu aprofundamento requer um trabalho de reflexão sobre o termo história, seu objeto de estudo, suas fontes e a análise da produção historiográfica na temática.

Via de regra, as pesquisas sobre trabalho e educação privilegiam a abordagem dos fenômenos, segundo o método da economia política e seus conceitos mais gerais MARX; ENGELS, 1979), sem se ocupar de sua particularidade histórica. Talvez, isso se deva a que os pesquisadores se dedicam mais a refletir sobre a urgência das questões do presente que envolvem o capital, a sobre-exploração do trabalho e a educação como preparação para o mercado. Em parte, talvez, à carência de formação, de recursos e/ou de tempo para a pesquisa documental em arquivos e em seus labirintos.

Da parte dos historiadores de ofício, raros são os que se dedicam ao estudo da educação (FALCON, 2006). Alguns estudam as lutas das classes operárias, ou mais recentemente, as classes trabalhadoras e o trabalho em suas diversas formas e temporalidades (BATALHA, 1998; GOMES, 2004), mas não a relação entre o mundo do trabalho e a educação ou a escola.

No Brasil, na área trabalho e educação, a produção historiográfica é restrita (entre outros, ver FONSECA, 1986; MACHADO, 1982; SAVIANI, 1989; CUNHA, 2000a; 2000b; MANFREDI, 2002; MORAES, 2003; CIAVATTA, 2002; 2007; 2009; MENEZES, 1982; RIBEIRO, 1984). Contrapondo-se à história positivista das elites, a perspectiva marxista busca resgatar a história dos “de baixo” (SILVA, 2001, p. 14),  “a história a contrapelo” (BENJAMIN, 1987, p. 225) da “história dos vencidos”(DECCA, 1984). 

Para Marx e Engels (1979), a história é a produção social da existência, onde o trabalho, tanto na sua forma ontológica quanto nas formas históricas da sociedade capitalista, ganha relevância. Nessa concepção, incluem-se todos os fatos e todos os sujeitos sociais: “o primeiro pressuposto de toda a existência humana e, portanto, de toda história, é que os homens devem estar em condições de viver para poder ‘fazer história’. Mas para viver, é preciso antes de tudo comer, beber, ter habitação, vestir-se (…)”. (MARX; ENGELS, 1979, p.39). Pela concepção marxista de história e sua visão social e política da humanidade, o poder do registro da memória desloca-se do indivíduo para a sociedade.

Bibliografia

BATALHA, C. M. A historiografia da classe operária no Brasil: trajetória e tendências. In: FREITAS, M. C. (Org.) Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998. p. 145-158.

BENJAMIN, W. Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.

BURKE, P. A escola des annales - 1929-1989: a revolução francesa da historiografia. São Paulo: UNESP, 1991.

CIAVATTA, M. (Coord.). Memória e temporalidades do trabalho e da educação. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007.

CIAVATTA, M. Mediações históricas de trabalho e educação: gênese e disputas na formação de trabalhadores - Rio de Janeiro, 1930-1960.

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DECCA, E. O silêncio dos vencidos. São Paulo, Brasiliense, 1984.

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