IDENTIDADE DOCENTE

Autores/as: MARIA MANUELA GARCIA

Refere-se a um conjunto de características, experiências e  posições de sujeito atribuídas (e autoatribuídas) por diferentes discursos e agentes sociais aos docentes no exercício de suas funções, em instituições educacionais mais ou menos complexas e burocráticas. 1. Ainda que o termo identidade, do ponto de vista etimológico (qualidade “do mesmo”, “de idêntico”) e histórico-filosófico, remeta a uma perspectiva essencialista e unitária da identidade, o significado atual do termo no campo dos Estudos Culturais e em boa parte do pensamento sociológico contemporâneo ressalta o caráter construcionista das identidades. A identidade docente é, ao mesmo tempo, um processo de identificação e diferenciação, não fixo e provisório, que resulta de negociações de ordem simbólica que os professores realizam em meio a um conjunto de variáveis como suas biografias, as relações e condições de trabalho, a história e a cultura que caracteriza a docência enquanto atividade profissional, e  representações colocadas em circulação por discursos que disputam os modos de ser e agir dos docentes no exercício do ensino e do trabalho docente. A partir da sociologia das profissões e do interacionismo simbólico,  a identidade docente refere-se a um conjunto de  “formas identitárias”, que resultam de uma variedade de processos de socialização dos docentes, nos quais ocorrem transações entre uma “identidade para si” (que o sujeito se  atribui a si mesmo numa tensão entre o real e o ideal) e uma “identidade atribuída” (os “mandatos” que os outros e a cultura atribuem ao sujeito). (DUBAR, 2005). Sendo uma categoria heterogênea e perpassada por divisões internas (de formação profissional, dos níveis de ensino e da jurisdição em que atuam, dos tipos de vínculo que estabelecem com seus empregadores, das condições de trabalho e carreira, interesses, etc.), o estabelecimento de uma identidade profissional para os docentes é uma questão problemática que tem implicações tanto do ponto de vista da compreensão da profissionalidade docente,  como da organização política da categoria. 2. A identidade docente como preocupação de estudo no campo educacional remonta especialmente ao final dos anos oitenta. Nesses anos, a identidade docente, sob a influência de uma perspectiva marxista e neomarxista, foi abordada do ponto de vista sociológico que privilegiou uma análise da situação ocupacional dos docentes, considerando suas posições no interior dos processos de trabalho escolar. Temas como a autonomia profissional e o menor ou maior grau de proletarização ou as características de profissionalismo dos docentes foram e têm sido problematizados. No final da década de oitenta, o principal debate sobre a profissão docente era em torno da conceituação de classe social e da natureza do trabalho dos professores (APPLE, 1988; ARROYO, 1985). Debatia-se, então, se os professores e as professoras realizavam um trabalho produtivo ou improdutivo ou, em outras palavras, se a natureza do trabalho que realizavam era capitalista ou não, e se pertenciam, como grupo social, à classe trabalhadora ou à classe média, como tradicionalmente haviam sido considerados até então por estudos sociológicos clássicos. (GARCIA; HYPOLITO; VIEIRA, 2005, p.48). Alguns autores, em meio aos debates sobre a situação ambígua dos docentes enquanto trabalhadores (ENGUITA, 1991), acrescentavam às análises de classe social o gênero como categoria importante para a explicação da profissionalidade docente, perspectiva que se consolidou ao longo dos anos noventa e nos anos posteriores (HYPOLITO, 1997;  NÓVOA, 1991). O processo de feminização do magistério e sua construção social como um trabalho de mulher, somados ao caráter pastoral e vocacional que historicamente caracteriza o magistério marcam a identidade e as formas do profissionalismo docente, especialmente na educação da infância. Mais recentemente, a identidade e a profissionalidade docente continuam sendo estudadas sob o enfoque histórico e sociológico tendo no centro a interpelação dos professores pelos discursos oficiais e as transformações no trabalho e na identidade dos professores sob o impacto das políticas educacionais neoliberais (LAWN, 2001; GARCIA.; ANADON,  2009). Discutem-se a desprofissionalização e a intensificação do trabalho dos professores e a emergência de uma identidade centrada no domínio de competências muito específicas relativas à instrução na performatividade e na autorresponsabilidade pelo desenvolvimento profissional. 3. A identidade e a profissionalidade docente é ainda, a partir dos anos noventa, interpretada sob o aspecto dos saberes que os professores mobilizam no exercício do seu trabalho, das fontes e das modalidades de experiências através das quais se dá a construção da profissionalidade docente. Para esses estudos, a identidade e o prestígio  profissional dos professores sofrem os efeitos de uma atividade cujos saberes são sincréticos, de difícil definição e estatuto epistemológico duvidoso. A identidade docente é construída a partir de uma variedade de experiências e saberes adquiridos ao longo da trajetória de vida dos professores, abrangendo desde a socialização familiar e escolar à formação inicial e socialização profissional no decorrer da carreira docente (TARDIF; LESSARD; LAHAYE, 1991; TARDIF, 2002). Para compreender como essas diferentes experiências se articulam na construção das identidades, estudos vêm utilizando o método biográfico e as memórias docentes como material de análise, privilegiando os significados que os professores atribuem a essas experiências. Identidade profissional docente; Profissionalismo docente; Profissionalidade docente; Identidade de professores.

Bibliografia

APPLE, M. W. R. Ensino e trabalho feminino: uma análise comparativa da história e ideologia. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 64, p. 14-23, fev. 1988.

ARROYO, M. Mestre, professor, trabalhador. Belo Horizonte: FE/UFMG, 1985.

BALL, S. Reformar escolas, reformar professores e os terrores da performatividade. Revista Portuguesa de Educação,Braga, v. 15, n. 2, p.3-23, 2002.

DUBAR, C. A socialização:construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

ENGUITA, M. A ambigüidade da docência: entre o profissionalismo e a proletarização. Teoria & Educação, Porto Alegre, n. 4, p.41-61, 1991.

GARCIA, M.; HYPOLITO, A.; VIEIRA, J. As identidades docentes como fabricação da docência. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.31, n. 1, p.45-56, jan./abr. 2005.

GARCIA, M.; ANADON, S. Reforma educacional, intensificação e autointensificação do trabalho docente. Educação & Sociedade, Campinas, v. 30, n.106, p.73-85, jan./abr. 2009.

HYPOLITO, A. Trabalho docente, classe social e relações de gênero. Campinas: Papirus, 1997.

LAWN, M. Os professores e a fabricação de identidades. Currículo Sem Fronteiras, v. 1, n. 2, p. 117-130, jul./dez. 2001. Disponível em: http://www.anpae.org.br. Acesso em: 5 set. 2010.

NÓVOA, A . Para o estudo sócio-histórico da gênese e desenvolvimento da profissão docente. Teoria & Educação, Porto Alegre, n. 4, p.109-139, 1991.   

 TARDIF, M.; LESSARD, C.; LAHAYE, L. Os professores face ao saber: esboço de uma problemática do saber docente. Teoria & Educação, Porto Alegre, n. 4, p.215-233, 1991.

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.