INFÂNCIA

Autores/as: WALTER KOHAN

O primeiro que podemos aprender da infância encontra-se na própria palavra: infância quer dizer, etimologicamente, ausência de fala. Essa ausência foi entendida historicamente como incapacidade de falar, tanto que o termo latino infans foi usado para se referir aos que, mesmo falando, pela sua minoridade, não estavam ainda habilitados para testemunhar nos tribunais: infans é assim ‘o que não se pode valer de sua palavra para dar testemunho’ (CASTELLO; MÁRSICO, 2007, p. 53-4). A partir desse sentido etimológico, podemos perceber duas formas principais de se compreender a infância. A primeira, mais evidente, como uma etapa da vida humana, a inicial, que se segue em outras, como a adolescência, juventude, adultez, etc. Nesse sentido, a vida humana é entendida como um processo em desenvolvimento e a infância define-se pelo tempo cronológico de vida transcorrido ou a etapa desenvolvida, pelo número de anos que se tem: na infância estão as crianças e elas abandonam a infância para se tornar algo diferente. Nessa lógica, crianças e adultos são termos relativos e opostos: toda criança para ser adulta precisa abandonar a infância e todo adulto já foi antes criança. Há perspectivas mais racionalistas que veem essa evolução em termos positivos e há outras, mais românticas, que a veem negativamente. Nas primeiras, a razão é vista como algo que se desenvolve evolutivamente e, portanto, um adulto é mais racional que uma criança; nas últimas, a infância conota características de um ideal de humanidade em estado mais puro e prístino. Na segunda forma de pensar a infância, ela não é uma etapa da vida, mas uma condição do humano que está presente (ou pode estar presente) em diversas idades. Enquanto condição do humano, ela pode ser entendida de diversas maneiras, por exemplo, como figura do começo e da afirmação (NIETZSCHE, 1998); experiência original e originária a ser recuperada (BENJAMIN, 1984); condição da experiência, da história e da linguagem (AGAMBEN, 2005); bloco, devir, figura da transformação minoritária (DELEUZE, 1997); uma dívida do humano com o inumano. (LYOTARD, 1997).  

Como todo conceito, a infância é um termo cultural e histórico. Nas ciências sociais, foi determinante e polêmico o estudo de Ph. Ariès, segundo o qual o sentimento de infância é moderno e não teria existido anteriormente. A tese de Ariès foi contestada em muitas direções. Em qualquer caso, o que resulta inegável é a profusão contemporânea de saberes que fazem da infância seu objeto de estudo: antropologias, biologias, direitos, estudos culturais, medicinas, psicologias, sociologias da infância. Nunca antes se soube tanto da infância como em nosso tempo. Também é inegável o privilégio outorgado à infância na produção de artefatos específicos no mundo da mídia, do consumo e da economia em geral. Nunca foi tão importante e produtivo estudar, saber e instituir espaços específicos para os que habitam a infância.

No campo da educação, podem se perceber duas tendências claramente diferenciadas a partir das duas possibilidades de pensar a infância, descritas anteriormente. A primeira pensa a educação como formação e a infância como objeto dessa formação. Os antecedentes dessa possibilidade na chamada tradição ocidental são tão antigos quanto os gregos (Platão, Aristóteles, etc.) e ela tem se mantido como a forma dominante de pensar a educação das crianças ao longo da histórica das ideias pedagógicas dessa mesma tradição. Basta pensar, por exemplo, em autores como Descartes, Kant, Hegel, Marx e a produção contemporânea no campo da filosofia da educação. A segunda parte da ideia de que infância é uma condição e, nesse sentido, ela é um estado – pelo menos em potência – tanto dos educandos quanto dos educadores. A infância, então, deixa de ser algo que uma boa educação permitiria abandonar para ser o que ela tenta alimentar, cuidar, atender. Ao longo deste verbete, pode-se perceber uma característica comum a todas essas formas de pensar a infância: a infância é alteridade, seja pela ausência do mais propriamente humano (a língua) seja pela presença do inumano no humano. O enigma da alteridade, isso é, a infância.

Bibliografia

AGAMBEN, G. Infância e história. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2005.

ARIÈS, P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: LTC, 1981.

BENJAMIN, W. A criança, o brinquedo, a educação. São Paulo: Summus, l984.

CASTELLO, L. A.; MÁRSICO, C. Oculto nas palavras: dicionário etimológico de termos usuais na práxis docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34, 1997. v.4.

LYOTARD, J.-F. Lecturas de infancia. Buenos Aires: EUDEBA, 1997.

NIETZSCHE, F. Assim falava Zaratustra. Lisboa: Relógio d’água, 1998.