INOVAÇÃO
Inovar implica gerar uma mudança, ou seja, alterar as coisas introduzindo novidades. Refere-se à criação ou melhoria de um produto, processo ou sistema que requer de sua socialização para ter um impacto concreto. Esse ponto é relevante, posto que as inovações, ao mesmo tempo em que são estimuladas, também podem ser bloqueadas ou freadas no sentido da pertinência de introduzi-las ao aparato produtivo e, em tal caso, de quando o fazer. É assim que por décadas as inovações associadas à mudança de padrão energético têm sido bloqueadas ou freadas pela indústria petroleira.
A inovação é chave para qualquer sistema de produção a que se associa não só o [mercado de] trabalho (técnico ou altamente qualificado que se amplia, diversifica-se ou se contrai, segundo o caso), mas também toda uma cesta de recursos naturais. Isso porque cada inovação requereu historicamente energia e materiais específicos. Petróleo, no caso do motor de combustão interna; liga de metais ou estruturas inovadoras, no caso das aplicações nano-tecnológicas, aeroespaciais, eletrônicas ou de telecomunicações (e.g. nanotubos, dendrímeros, terras raras, titânio, coltano). Algo similar sucede com a biotecnologia que volta seu olhar à biodiversidade como banco de genes. (Cf. DELGADO RAMOS, 2002; 2008).
Ora, é claro que, ao inovar, homens e mulheres jogam um papel e têm uma responsabilidade pontual como atores históricos e sociais, já que tal processo é resultado de certas decisões ideológicas, institucionais e políticas, muitas vezes em conflito, tomadas por indivíduos concretos sob o véu de um sistema de produção dado. Os sujeitos, portanto, devem considerar-se como indivíduos em contexto, isto é, com uma determinada carga de emoções, valores, experiências, interesses pessoais e de grupo, poder, etc. A essência do desenvolvimento científico-tecnológico, suas prioridades e direções ficam, portanto, impregnados da lógica do sistema de produção, da finalidade para a qual se inova, dado que não se trata de um fenômeno autônomo, senão de parte de um sistema interatuante.
Se revisarmos a história da C&T (ciência e tecnologia) moderna para tentar abarcar a gênese de sua lógica, remontaríamos à primeira Revolução Industrial, quando as transformações produtivas foram radicais, começando pelo desmembramento da produção e o conhecimento artesanal e pela instauração dos sistemas manufatureiro-fabris com toda sua lógica produtivista (e.g. divisão do trabalho), mas sem modificação alguma dos meios de produção; para depois consolidar, sob a figura da grande indústria, o desenvolvimento funcional desses últimos ao serviço do novo sistema produtivo. Com a dita industrialização da ciência e da tecnologia, advém a organização de uma grande massa de força de trabalho para efetuar tarefas específicas, a fim de obter o tipo de resultados para os quais foi contratada.
O capitalismo tomava corpo então em três elementos centrais: a) a conformação de uma grande massa populacional que não possuía nada além de sua força de trabalho, que vendia por um salário; b) a produção em uma fábrica (combinação de máquinas especializadas com força de trabalho especializada, esta última regulada pela força autorregulada das primeiras); e c) a dominação da totalidade da economia pelo princípio da busca da acumulação de lucros (HOBSBAWM, 2000). Trata-se de um período histórico no qual a inovação consolidou uma peculiar transformação do sistema tecnológico, contexto cuja especificidade radica no fato de a possibilidade desse sistema estar constrangida, por sua vez, por uma nova organização do sistema econômico que supõe, ela mesma, uma acumulação de capital.
Como foi indicado, é importante precisar que a inovação é atualmente um elemento nodal e detonante de ciclos industrializadores, por isso é característica sua crescente velocidade, intensidade e complexidade. Os atores considerados como chave são essencialmente o Estado, as unidades econômicas e os centros de produção de conhecimento. Quando esses atores se articulam e geram sinergias, pode-se falar de redes-tecno-industriais consolidadas (DELGADO RAMOS, 2002). Exemplos disso são experiências como as dos EUA, Europa, Japão e, relativamente, as de outras economias asiáticas (JOHNSON, 1982; CERVERA, 1996; DELGADO RAMOS, 2008). Os encadeamentos produtivos gerados em e desde essas redes têm resultado em fortalecimento do mercado regional e/ou internacional, assim como na inovação científico-tecnológica, daí que apenas os EUA, Europa (Alemanha, França, Inglaterra) e o Japão controlem ao redor de quatro quintas partes de todas as patentes em nível internacional. Para uma análise pontual do quem é quem em ciência e tecnologia, leia-se: Delgado Ramos, 2008.
Nos casos em que a ação dos mencionados atores-chave é inexistente ou fraca, ou se estes são substituídos parcial ou totalmente por homólogos estrangeiros, estamos, pelo contrário, ante sistemas científico-tecnológicos de diversa envergadura, mas não de redes, dado que esses sistemas costumam ter escassa incidência no tipo de inovação tecnológica que consegue impactar as relações sociais de produção (DELGADO RAMOS, 2002; 2008). Com exceções de casos pontuais, pode-se dizer que, em termos gerais, tais sistemas são típicos dos países periféricos. Como tais, são usualmente frágeis em alguma medida, estão subordinados a dinâmicas externas e se caracterizam por estar consideravelmente desvinculados das necessidades endógenas.
Um exemplo nítido é a América Latina (AL), região essencialmente extrativista desde a colônia (GALEANO, 1971; SCHATAN, 1998; ACOSTA, 2009), que, no melhor dos casos, tem-se especializado em processos de maquila e/ou de baixo ou nulo input tecnológico. Acontece que, em lugar de gerarem-se ciclos expansivos de industrialização endógena, diversificada, de maior conteúdo tecnológico e altamente articulada, tem-se estimulado na região um neoliberalismo manufatureiro cuja plataforma operativa é o investimento estrangeiro direto e os encadeamentos produtivos exógenos (embora, em ocasiões, alguns fracos e instáveis encadeamentos endógenos). Esse esquema é possível graças à anuência das cúpulas de poder da região, acompanhada por um capitalismo de compadres, isto é, monopólico, por parte dessa oligarquia local, dado que se adjudica o negócio de revenda de produtos e serviços cuja plataforma tecnológica se encontra e se desenvolve essencialmente em economias metropolitanas. Para o caso mexicano, leia-se: Delgado, 2009.
A situação descrita, como foi indicado, tende a desarticular o setor industrial latino-americano, tanto ao interior da própria matriz industrial nacional como em relação com as necessidades da população. Contudo, continua sustentando-se a ideia de que alguns países periféricos realizam atividades industriais de peso, inclusive de alta tecnologia. Por isso, afirma-se que suas economias devem eventualmente decolar assim que se consiga exportar mais. O que não se especifica é que tais atividades industriais estão fundamentalmente centradas na montagem de produtos de multinacionais estrangeiras, o uso de mão de obra local barata e a internalização de custos ambientais, produto do próprio processo maquilador. Desmitificar o anterior, sobretudo após décadas de total fracasso, é importante se se quer demonstrar que a transferência ou derrame tecnológico não implica um processo de modernização que leva à decolagem da economia, dado que é claro que a capacidade de usar e ter acesso à tecnologia é uma coisa e outra completamente diferente é criá-la e desenvolvê-la, e, ainda mais, inovar de maneira sustentável no longo prazo.
Em tal sentido, não deve surpreender o fato de que a América Latina e o Caribe se encontrem na retaguarda do avanço científico-tecnológico em praticamente todos os índices. A região registra apenas 1,9% do investimento mundial em P&D (pesquisa e desenvolvimento), sem mudança desde 1997, que se reflete em uma contribuição insignificante quanto ao número de patentes. Gera entre 10 e 15 vezes menos pesquisadores que a média dos países metropolitanos e, ainda mais, transfere 6% do total mundial de estudantes, quase todos para os EUA e a Europa.
Nesse panorama, é essencial compreender, portanto, que se bem a inovação pode levar a um crescimento econômico, para que isso aconteça, esta deve ser endógena. Note-se também que o fato de um eventual crescimento não necessariamente implica uma melhora da qualidade de vida da população. Isso porque uma das contradições mais agudas do capitalismo é que a inovação, se por um lado aumenta as capacidades produtivas, pelo outro, potencia a miséria. Por isso é que se sabe que mais de 4/5 partes da riqueza estão, atualmente, em mãos de 20% da população mundial mais rica (quase toda das metrópoles), enquanto menos de 1% da riqueza se distribui entre o 20% mais pobres (http://hdr.undp.org). Pelo apontado até aqui, pode-se afirmar e confirmar quão errônea é tal ideia; tão típica dos discursos da classe dominante.
Por último, é preciso dizer que embora a inovação de fato possa contribuir com melhores e mais eficientes relações produtivas, tanto sociais como ambientais, dificilmente estas serão possíveis num sistema que, por cima de tudo, privilegia o lucro e a acumulação de capital e que, portanto, impregna dessa lógica o próprio processo de inovação. Contudo, é preciso que fique bem claro que outras relações sociais de produção oferecerão indubitavelmente outras modalidades de inovar.