JUSTIÇA SOCIAL E EDUCAÇÃO

Autores/as: JEAN-LOUIS DEROUET

Há aproximadamente cinquenta anos, as reflexões sobre a justiça, na área da educação, têm sido dominadas por uma mudança de referencial internacional. Depois da Segunda Guerra Mundial, a OCDE defendeu um modelo que visava à igualdade: “escola compreensiva” para todas as crianças entre seis e quinze anos, prolongamento geral dos estudos… O relatório A Nation at Risk, publicado nos Estados Unidos, em 1983, provocou uma ruptura. Ele coloca em questão as políticas democratas que, para atingir os objetivos de igualdade, haviam recomendado a ajuda aos alunos em dificuldade e, mais especialmente, a integração da minoria negra. Para os autores do relatório, essas políticas sociais não eram apenas ineficazes, elas colocaram o país em perigo. Desviando os investimentos da formação das elites, assumiram o risco de fazer com que os Estados Unidos perdessem sua supremacia econômica. Essas afirmações foram, mais tarde, amplamente discutidas, mas mantêm um impacto considerável. O objetivo principal das políticas de educação não é mais a igualdade no interior de uma sociedade, mas o lugar que o país ocupa na competição econômica mundial. Um referencial não substitui imediatamente outro: existe um longo período de imbricação, em que o movimento que termina e o movimento que começa se superpõem como duas telhas num telhado. Entretanto, o referencial empresarial ganhou, pouco a pouco, terreno com a globalização.

Uma ideia tinha adquirido status de evidência a partir do Iluminismo: a igualdade constitui a tradução moderna da exigência permanente de justiça. Essa tese correspondia ao que estava em jogo na Europa do século XVIII: permitir a passagem de uma sociedade de ordens a uma sociedade aberta, em que cada um é livre para fazer valer seus méritos. Ela definiu um espaço de debate que ocupou o século XIX e a primeira parte do século XX: crítica ao caráter formal da igualdade de direito, luta pela igualdade de acesso, etc. Um certo acordo tinha emergido depois da Segunda Guerra Mundial, em torno da igualdade de chances. Ele foi desestabilizado nos anos 60 e 70, quando os progressos das ciências sociais mostraram que a democratização esperada não tinha sido atingida. As filosofias sociais realizaram então uma volta aos princípios (RAWLS, 1971). Ficou evidente que a igualdade era apenas uma das traduções possíveis da exigência de justiça e que esta era datada. Existem muitas outras definições que apareceram ou reapareceram: a eficácia econômica, o respeito aos direitos das famílias e a integração das crianças aos valores da comunidade, o respeito às diferenças no interior das sociedades pluriétnicas e pluriculturais, o respeito aos direitos da criança e o desenvolvimento de sua criatividade… (HONNETH, 1996). As políticas se situam, então, hoje, em um universo de múltiplas justificativas. Elas propõem compromissos que, até agora, permanecem instáveis.

A OCDE trabalhou inicialmente com a noção de equidade. Esta acrescenta à preocupação com a igualdade, a consideração dos lugares, das circunstâncias, das pessoas. Ela pode assim aceitar “desigualdades justas”, quando se trata de dar mais àqueles que têm menos. Esse caráter rico e nuançado constitui, ao mesmo tempo, uma fraqueza: de tanto reformular o princípio de igualdade, os retóricos arriscam-se a chegar a “uma noite em que todos os gatos são pardos”.

De qualquer maneira, a mudança de referencial traz um aumento do poder da obrigação de resultados. Esta toma várias formas de acordo com o setor da educação. Já que o relatório A Nation at Risk convoca a um retorno do interesse pela formação das elites, o ensino superior é que é mais trabalhado. A perspectiva é uma concorrência internacional encarnada pela classificação de Shangai. Ao mesmo tempo, o desempenho se apoia também na qualidade da mão de obra. Para mantê-la, o ensino obrigatório deve garantir a todas as crianças o acesso a certo número de competências-chave. Pesquisas internacionais verificam o alcance desses padrões e seus resultados permitem a implantação de uma regulação por benchmarking. Os países cujo desempenho é insuficiente são convidados a se inspirarem nas “boas práticas” daqueles que são bem sucedidos.

Além disso, aparece um novo compromisso em torno da noção de qualidade, que é extremamente complexa. Ela se apoia, evidentemente, no desempenho, mas não se limita a ele. Não é totalmente indiferente à igualdade ou, pelo menos, à coesão social, e leva em conta o conforto material e moral dos alunos e, principalmente, a satisfação das diferentes categorias de usuários: famílias, empresas… Esse compromisso está hoje muito bem instrumentalizado. Universidades e mesmo outros estabelecimentos escolares solicitam sua certificação através de normas da qualidade atribuídas por agências externas.

O projeto de democratização atravessa atualmente um período negativo: a preocupação com a igualdade apaga-se por trás do projeto de modernização. É fácil constatar os sofrimentos acarretados por essa revolução (SEN, 2009). Ao mesmo tempo, esses sofrimentos só criam poucas resistências e nenhum projeto alternativo capaz de uma ampla mobilização aparece. É fácil denunciar o peso da globalização e do capitalismo na nova ordem mundial: ela não se imporia tão facilmente se o projeto de democratização sustentado pelo Estado-providência não estivesse profundamente em crise. Talvez seja da análise dessa crise que possa renascer a reflexão. A antiga definição da igualdade tinha se fixado em um projeto de mobilidade social e tinha afastado certo número de dimensões que se mostram hoje tão importantes quanto ela. O novo programa democrático deverá associar o projeto de redistribuição do Estado-providência e o projeto de reconhecimento da diversidade (FRASER, 2008). Em seguida, e mesmo se o movimento pelos direitos da criança não tem a mesma força que os movimentos de defesa das minorias, a justiça na escola não pode se limitar às promessas para o futuro. A escola deve também ser justa aqui e agora, isto é, respeitar os direitos dos alunos (LYNCH; BAKER; LYONS, 2009). Finalmente, todas essas reflexões só têm sentido se elas se situam num quadro mundial e levam em conta as desigualdades entre os países do Norte e os países do Sul. (DEROUET, DEROUET-BESSON, 2009).

Bibliografia

DEROUET, J. L.; DEROUET-BESSON, M. C. (Org.). Repenser la justice dans le domaine de l’éducation et de la formation. Lyon Berne: INRP Peter Lang, 2009.

FRASER, N. Scales of justice: reimagining political space in a globalizing world. New York: John Wiley & Sons, 2008.

HONNETH, A. Struggles for recognition: the moral grammar of social conflicts. Oxford: Polity Press, 1996.

LYNCH, K.; BAKER, J.; LYONS, M. Affective equality: who cares? inequalities in loving and caring. London: Palgrave Macmillan, 2009.

RAWLS, J. A theory of justice. Oxford: Oxford University Press, 1971.

SEN, A. The idea of justice. Harmondsworth: Penguin, 2009.