JUVENTUDE E ESCOLA (RELAÇÃO JUVENTUDE E ESCOLA)
A expressão relação juventude e escola refere-se aos múltiplos aspectos envolvidos na interação entre os jovens alunos e a instituição escolar, quase sempre circunscrita à educação básica. Denominar o sujeito da ação educativa como jovem implica no reconhecimento de que o aluno, ao chegar à escola, traz consigo uma diversidade sociocultural expressa na fase da vida na qual se encontra, com suas demandas e necessidades específicas, mas também na origem social e respectiva cultura, no gênero, no pertencimento étnico-racial e nas experiências sociais vividas, dentre outras variáveis, que interferem direta ou indiretamente nos modos como cada jovem vai lidar com a sua escolarização e construir sua trajetória escolar. Nesse sentido, essa abordagem problematiza a categoria aluno, compreendendo-a como uma construção histórica, que vem sendo construída no contexto de uma determinada forma escolar, em torno da qual veio se formando toda uma ordem social, na qual se desempenham determinados papéis e se conforma um modo de vida específico (SACRISTÁN, 2003). Nessa perspectiva, o jovem se torna aluno em um processo no qual interferem a condição juvenil, as relações intergeracionais e as representações daí advindas, bem como uma determinada cultura escolar, todas essas dimensões historicamente situadas (DAYRELL, 2007). Dessa forma, busca-se superar uma tendência ainda presente entre pesquisadores e educadores em considerar o aluno como uma categoria homogênea e abstrata, reduzida a um dado natural, sem levar em conta essas múltiplas variáveis que o constituem como sujeito. É importante frisar, contudo, que o problema não reside na utilização em si da categoria aluno, mas sim em como e com qual densidade essa categoria é construída e entendida, de tal forma a desvelar os sujeitos, com uma compreensão mais global de suas experiências escolares, interesses e formas de sociabilidade.
A produção científica e o debate acadêmico e pedagógico em torno da relação juventude e escola se inscreve no debate mais amplo da própria (in) definição da categoria juventude, uma noção em disputa, como já foi devidamente tratada no verbete Juventude, neste dicionário.
No Brasil, as pesquisas na área das ciências sociais relacionadas a esta temática são relativamente recentes, sendo inauguradas pelas investigações desenvolvidas por Marialice Forachi na década de 60, centradas basicamente no estudante universitário. É a partir da década de 80 que os estudos são retomados, com um claro incremento a partir dos anos 90, período no qual a temática da juventude passa a ganhar um espaço na agenda pública brasileira, produto da intersecção de vários domínios da vida social e da ação de diferentes atores (SPOSITO, 2009). Para analisar a produção teórica em torno da temática Juventude e Escola no Brasil, vamos recorrer à produção discente realizada na Pós-Graduação, partindo do pressuposto que parte importante, e não muito visível, da produção do conhecimento no país se desenvolveu e ainda se desenvolve no processo de formação de novos pesquisadores no interior da Pós-Graduação. As tendências teóricas aí reveladas podem ser indicativas das diferentes formas de compreender a relação juventude e escola no Brasil.
O Estado da Arte sobre a produção discente no tema Juventude e Escola entre os anos 1999 a 2006 reúne 188 trabalhos, representando 13,17% do total da produção na pós-graduação sobre juventude no Brasil, nas áreas da educação, ciências sociais e serviço social. Em relação ao Estado da Arte anterior, que cobriu a produção realizada entre os anos 1980 e 1998 (DAYRELL, 2002), podemos constatar que as reflexões em torno da relação juventude e escola não experimentaram um maior crescimento relativo (representaram 12,91% do total dos trabalhos). Mas houve uma ampliação significativa tanto nas temáticas quanto nas abordagens realizadas, com uma reflexão mais densa que se expressa em um alargamento da problematização sobre a instituição escolar na sua relação com o jovem, abarcando questões do cotidiano escolar, as relações sociais que aí ocorrem, os processos de ensino e aprendizagem, com uma maior visibilidade do sujeito jovem, sua subjetividade, suas expressões culturais. (DAYRELL, 2009)
Podemos constatar, nessas pesquisas, uma relação entre a compreensão dos alunos, os assuntos através dos quais estes aparecem e as concepções acerca da instituição escolar. Isso evidencia que essa produção teórica não se encontra isolada do seu tempo, sendo marcada pelas conjunturas teóricas e históricas, expressando a evolução do pensamento pedagógico nas últimas décadas, no Brasil. Com esse olhar, podemos detectar três grandes tendências presentes nas pesquisas englobadas nesse tema analisado. É importante ressaltar que se trata de um recurso de análise, sabendo que não existe uma pesquisa que expresse todas as características de uma ou outra das tendências anunciadas, existindo, entre os modelos, diferentes posições e matizes. Trata-se, sobretudo, de evidenciar, por essa tipologia, algumas orientações bastante frequentes.
Uma primeira tendência presente em boa parte dos trabalhos, principalmente os realizados até meados da década de 90, tem seu foco centrado na instituição escolar, analisada do ponto de vista dos alunos, apreendido através das mais diferentes expressões como os seus discursos, suas concepções, seus comportamentos e atitudes. As análises são fortemente influenciadas pela centralidade da escola, o que provoca uma adesão ao estudo do jovem a partir da sua condição de aluno, fazendo com que os estudos sobre Juventude, sobretudo os de cunho sociológico, desloquem-se para uma análise da escola. Os temas tratados apontam para uma preocupação pedagógica, predominando assuntos ligados ao fazer da escola, como os currículos, o ensino e a aprendizagem, as relações entre professores e alunos e os sistemas de avaliação. Também estão presentes temas relacionados a uma avaliação dos resultados da escola, tais como o fracasso, o sucesso e a evasão escolar.
Uma segunda tendência presente nos trabalhos analisados considera o aluno como um sujeito de ações no interior da estrutura escolar. Nesses estudos, ainda predomina a categoria aluno, com diferentes níveis de elaboração, mas elaborada de uma forma mais densa, levando-se em conta a origem social e considerando as experiências sociais que modela nos jovens visões de mundo, sentimentos, emoções, desejos, projetos e formas de sociabilidades próprias do cotidiano escolar. Essas pesquisas tendem a uma compreensão mais dinâmica da estrutura escolar, entendida como uma construção social, fruto de uma ação recíproca entre os sujeitos e a instituição. Alguns desses estudos avançam ao apontar a existência de uma cultura juvenil, expressa nas visões de mundo, nas escolhas realizadas, no jeito de se vestir e de falar e nos comportamentos na sala de aula. As conclusões, de uma forma geral, tendem a apontar para uma inadequação da escola à realidade dos alunos, mas de uma forma qualitativamente diferente da primeira tendência analisada. O que passa a ser questionado é a capacidade educativa da escola, que incide no tema do enfraquecimento da sua eficácia socializadora (DUBET; MARTUCCELLI, 1997).
Uma terceira tendência pode ser constatada em parte das investigações realizadas principalmente a partir desta última década. Em muitas dessas análises, constata-se uma preocupação em valorizar os locais e as escolas nas suas especificidades, bem como os atores e as práticas enquanto produtores de realidade e impulsionadores de mudanças. Aparecem também discussões substantivas que enfatizam a interação entre as identidades juvenis e a escola, buscando explorar os mecanismos escolares como a composição de turmas e dos horários, a demarcação dos grupos de sociabilidade, ou mesmo a segregação dos espaços escolares. Nesse contexto, o jovem tematizado pelas pesquisas é, em sua maioria, urbano, oriundo das camadas populares e estudante de escola pública. Apesar da ampliação relativa do número de trabalhos que pesquisam jovens de classe média e estudantes de escola particular, ainda existe uma lacuna no conhecimento desse setor da população juvenil. Nesses estudos, já aparece a juventude como categoria analítica, para além de uma delimitação da faixa etária ou mesmo do seu papel de aluno. Nesses trabalhos, há uma preocupação em considerar as especificidades da condição juvenil como dimensões presentes na análise dos dados empíricos. Em muitos desses estudos, é realizada uma distinção entre fase de vida juventude e os sujeitos que a vivenciam, os jovens, significando um progressivo enriquecimento da análise, sobretudo na área da Educação. Há uma tendência em utilizar a ideia da juventude no plural – juventudes -, para explicitar a dimensão da diversidade sociocultural expressa na categoria.
A partir desse breve panorama, é possível perceber os avanços teórico-metodológicos nas investigações sobre juventude e escola, tema este que vem se consolidando como uma linha de pesquisa. Ao mesmo tempo, ficam evidentes as lacunas e a necessidade de novas pesquisas que deem conta da realidade cada vez mais complexa que envolve os jovens na sua relação com a escola.