LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL

Autores/as: VERA LUCIA BRITO

 

A lei é um espaço de luta pela conquista e reconhecimento de direitos de cidadania. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação regulamenta direitos instituídos na Constituição Federal de 1988, vinculando a educação escolar ao mundo do trabalho e à prática social. A formulação da lei seguiu longa trajetória de participação e conflitos por uma educação pública, democrática e de qualidade. O primeiro projeto, tendo como relator Jorge Hage instituiu formas significativas de participação da cidadania (BRITO, 1997), acolhendo propostas avançadas, fundamentadas em debates dos educadores em Conferências Brasileiras de Educação e em propostas do Fórum em Defesa da Escola Pública. Após passar por negociações e conflitos, o projeto inicial foi aprovado na Câmara, em 1993. Foi substituído, no Senado, por projeto do Senador Darcy Ribeiro, desconsiderando a trajetória anterior. Diante da resistência que se seguiu a essa mudança de rumo, Darcy Ribeiro foi incorporando emendas que atenuassem de algum modo as resistências e o mal-estar provocado pela estratégia acionada que ficou conhecida como manobra regimental. (SAVIANI, 1997). O substitutivo de Darcy Ribeiro foi afinal aprovado, com o apoio da base governista, em dezembro de 1996. Seguem, de forma resumida, algumas características inovadoras da LDBEN: 

a) educação básica como um direito e uma forma de organização da educação nacional. É considerada o pilar da nova lei de diretrizes e bases da educação nacional a adoção do conceito de educação básica, que inclui a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio (CURY, 2008). A flexibilização da organização de períodos escolares, promoção, transferência e reclassificação de alunos é uma de suas características. (CURY, 2002).

b) a definição do regime de colaboração para efetivação dos deveres dos estados para com o ensino fundamental e médio e dos municípios para com a educação infantil e o ensino fundamental, incluindo a ação supletiva da União. O regime de colaboração articulado à redistribuição equitativa dos recursos representou a base para a concretização do sistema nacional de educação.

c) a explicitação da competência da União para a elaboração do Plano Nacional de Educação. Uma antiga demanda de movimentos sociais com o objetivo de definir e planejar a execução de políticas públicas em longo prazo.

d) a ênfase na garantia do acesso à educação, ampliada a responsabilidade dos poderes públicos pela oferta de ensino fundamental gratuito como direito público subjetivo para aqueles que não tiveram acesso na idade própria.  É instituída a progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade para o ensino médio e o atendimento educacional especializado e gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino, e o direito à educação dos indígenas. (CURY, 2002). Em relação aos jovens e adultos, mudanças posteriores descaracterizaram o direito público subjetivo, desobrigando os poderes públicos da oferta universal de ensino fundamental gratuito para esse grupo etário (HADDAD; PIERO, 2005). Por outro lado, a LDBEN incentiva não apenas a oferta presencial, mas o ensino a distância para todos os níveis de ensino, inclusive para a capacitação de professores e para jovens e adultos.

e) o enfoque na qualidade do ensino explicitado ao serem instituídas exigências para a formação dos professores, estabelecidas propostas de gestão democrática do ensino, explicitados os deveres de professores e dos estabelecimentos de ensino, especificada a base comum nacional para os currículos da educação básica. A inovação provém da instituição de padrões mínimos de oportunidades educacionais, baseado no cálculo do custo mínimo por aluno, capaz de assegurar ensino de qualidade. Portanto, é necessário que  o direito à educação tenha como pressuposto um ensino básico de qualidade para todos e que não (re)produza mecanismos de diferenciação e de exclusão social. (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2005). O processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior é inserido como o objetivo proclamado de melhoria da qualidade do ensino. Esse processo de avaliação centralizado e padronizado gerou um polêmico sistema nacional de avaliação para todos os níveis de ensino. 

f) o financiamento da educação não apenas vinculou, de acordo com a CF./88, recursos da União (18%), dos estados e municípios (25%), mas delimitou a abrangência dos recursos para a manutenção e desenvolvimento do ensino, evitando distorções históricas.

g) a definição das atribuições das Universidades no uso de sua autonomia, dentre as quais se destaca a autonomia didático-acadêmica com a liberdade de criar cursos, definir vagas, elaborar estatutos. A definição dos critérios de titulação docente e tempo de trabalho para a avaliação do ensino superior público e privado são avanços nesse nível de ensino. Embora a LDBEN estabeleça que cabe à União assegurar recursos para as instituições de ensino superior federais, não há referência a um fundo que possibilite sua manutenção.

  h) a valorização dos profissionais da educação pela exigência de planos de carreira, ingresso por concurso, piso salarial profissional, progressão funcional baseada na habilitação e no desempenho, período para estudo, planejamento e avaliação na carga de trabalho e condições adequadas de trabalho. Amplia as exigências de formação para o nível superior incluindo a base comum pedagógica.

Contudo, omissões e retrocessos são encontrados, exemplificados pela ausência de menção a um sistema nacional de educação, ausência de autonomia do Conselho Nacional de Educação, eliminação de instâncias amplas de debate com a sociedade civil, como o Fórum Nacional de Educação.

Em síntese, a LDBEN proporcionou a efetivação de avanços dos direitos nas políticas públicas educacionais em todos os níveis e modalidades de ensino, mas por outro lado podem ser identificados conflitos, disputas e jogo de interesses que se refletiram no texto da LDBEN, limitando seus avanços.

Bibliografia

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.        

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 dez. 1996.

 

BRITO, V. L. A. Projetos de LDB: histórico da tramitação. In: CURY, C. R.; HORTA. J. S.; BRITO, V. L. A. Medo à liberdade e compromisso democrático: LDB e Plano Nacional de Educação. São Paulo: Editora do Brasil, 1997.

CURY, C. R. J. A educação básica como direito. Cadernos de Pesquisa, Salvador, v.38, n.134, p. 293-303, maio/ago. 2008 .

CURY, C. R. J. A educação básica no Brasil. Educação e Sociedade, Campinas, v.23, n.80, p. 168-200, set. 2002.

CURY, C. R. J. Direito à  educação: direito à igualdade, direito à diferença. Cadernos de Pesquisa, Salvador, n.116, p.245-262, jun. 2002.

HADDAD, S. A educação de jovens e adultos e a nova LDB. In: BRZEZINSKI, I. (Org.). LDB interpretada: diversos olhares se entrecruzam. São Paulo, Cortez, 1997. p.106-122.

HADDAD, S.; PIERRO, M. C. Aprendizagem de jovens e adultos: avaliação da década da educação para todos. São Paulo Perspec. vol.14 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2000.

OLIVEIRA, R. P.; ARAÚJO, G. C. Qualidade do ensino: uma nova dimensão da luta pelo direito à educação. Revista Brasileira de Educação,  Rio de Janeiro, n.28, p. 6-23, jan./abr. 2005.

SAVIANI, D. A nova lei da educação: LDB, trajetória, limites e perspectivas. Campinas: Autores Associados, 1997.