LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO

Autores/as: MARIA ISABEL ANTUNES-ROCHA

Trata-se de um curso, em nível de graduação, organizado na perspectiva de formar docentes para atuar nas escolas situadas no espaço rural/campo. O termo Educação do Campo é uma construção em processo nas últimas três décadas, produzida pelo Movimento denominado “Por uma Educação do Campo”. O Movimento conta com a participação de Movimentos Sociais, Universidades, Organizações Governamentais, Não Governamentais, Sindicais e Religiosas. Nessa perspectiva, coloca-se como crítica  ao ideário construído em torno do que se denomina de Educação Rural.  (KOLLING; NERY; MOLINA, 1999).

A proposta seminal desta Licenciatura foi construída em 2004 na parceria entre a Faculdade de Educação/Universidade Federal de Minas Gerais (FaE/UFMG) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra  com apoio do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA (ANTUNES-ROCHA; MARTINS, 2010). Em 2007, a Coordenação Geral da Educação do Campo/Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade/Ministério da Educação (CGEC/SECAD/MEC), adotando como uma das referências o projeto da FaE/UFMG, criou o PROCAMPO – Programa de Apoio às Licenciaturas em Educação do Campo. A partir de 2009, o curso passa a ser ofertado como regular na Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade Federal do Pará e Universidade de Brasília. Em 2010, cerca de 30 (trinta) universidades brasileiras desenvolvem o curso como projeto experimental (BRASIL, 2006).

Em que pese às diferenças entre projetos e instituições, um curso se configura como Licenciatura em Educação do Campo a partir de três características básicas: protagonismo dos sujeitos e dos seus contextos de produção de vida, formação por área do conhecimento e organização dos tempos e espaços em alternância.

O protagonismo assume dois aspectos: a participação na elaboração, execução e avaliação do processo formativo e a presença efetiva dos saberes e práticas gerados na produção e reprodução da vida no campo como conteúdos estruturantes do currículo.  No âmbito do curso, os estudantes participam, além do Colegiado onde a presença da representação da turma é obrigatória, em uma rede organizada a partir de grupos de trabalho e representações. Para além da participação dos estudantes, propõe-se a participação das organizações coletivas onde os educandos estão inseridos como parceiras das instituições que ofertam o curso.  A contextualização curricular busca o diálogo de conhecimentos como estratégia de organização dos conteúdos. O reconhecimento dos saberes e das práticas dos povos do campo como verdades, como legítimas e portadoras de racionalidade   institui o “Diálogo de Saberes” como o eixo estruturador dos conteúdos a serem discutidos, sistematizados, analisados e socializados no percurso formativo. Nesse sentido, o conhecimento considerado como científico assume o lugar como “uma” das possíveis formas de conhecer, sentir e agir sobre a realidade. Em síntese, o curso é uma proposta de formação dos/com os sujeitos do campo (CALDART, 2002).

Outra característica centra-se na estratégia da habilitação de docentes por área de conhecimento. O egresso é habilitado para atuação nos anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio como docente em Ciências da Vida, da Natureza e Matemática; Ciências Sociais e Humanidades; Língua Portuguesa, Artes e Literatura. A habilitação de docentes por área de conhecimento tem por objetivos ampliar as possibilidades de oferta da Educação Básica no campo, bem como a intencionalidade de contribuir com a construção de processos capazes de desencadear mudanças na lógica de utilização e  de produção de conhecimento no campo (MOLINA, 2009, p.186).  

A organização dos tempos e espaços em alternância (Tempo Escola e Tempo Comunidade) parte do princípio de que escola e comunidade são tempos/espaços para construção e avaliação de saberes e que, portanto, é necessário superar a perspectiva de que a escola é lugar da teoria e a comunidade é lugar da aplicação/transformação. No curso, o estudante desenvolve um tempo de estudos na universidade e outro nos locais de moradia/trabalho. No sentido adotado não há distâncias durante a formação e sim espaços/tempos diferenciados de produção e socialização de saberes. A alternância ancora-se na experiência acumulada de quase um século da Rede dos Centros Familiares de Formação por Alternância (CEFFA) e nos projetos educativos na perspectiva da Educação do Campo desenvolvidos há quase uma década (BEGNAMI, 2010).

Para Arroyo (2010, p. 488), “Essas experiências de formação podem representar processos de democratização das universidades, dos cursos e currículos de formação. Democratização que reconheça as diferenças, os coletivos diversos, suas formas de luta por direitos como uma riqueza.”

Bibliografia

ANTUNES-ROCHA, M. I.; MARTINS, A. A. (Org.). Educação do campo: desafios para a formação de professores. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

ARROYO, M. G. Educação do campo: movimentos sociais e formação docente. In: ANTUNES-ROCHA, M. I. (Org.) Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: Belo Horizonte: Autêntica, 2010. (Coleção Didática e Prática de Ensino). p. 365-506.

BEGNAMI, J. B. Pedagogia da alternância. Revista Presença Pedagógica, Belo Horizonte, v.16, n. 91, p.24-47, jan./fev. 2010. 

BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Panorama da educação do campo. Brasília: MEC/INEP, 2006.

CALDART, R. S. Pedagogia da terra: formação de identidade e identidade de formação.  Cadernos do ITERRA, Veranópolis, v. 2, n.6, p.77-98, dez.2002.

KOLLING, E. J.; NERY, I.; MOLINA, M. C. (Org.). Por uma educação básica do campo: memória. Brasília: Editora da UNB, 1999.

MOLINA, M. C. Possibilidades e limites de transformações das escolas do campo: reflexões suscitadas pela licenciatura em educação do campo, da Universidade Federal de Minas Gerais. In ANTUNES-ROCHA, M. I.; MARTINS, A. A. (Org.) Educação do Campo: desafios para a formação de professores. Belo Horizonte: Autêntica 2009.