LICENCIATURA INDÍGENA

Autores/as: LÚCIA HELENA LEITE

O termo Licenciatura Indígena é utilizado para identificar Cursos de Licenciaturas específicas para formação de professores indígenas, organizados a partir do paradigma da educação intercultural bilíngue (EIB).

No Brasil, a concepção de educação intercultural bilíngue tem suas raízes na luta dos povos indígenas pelos seus direitos, entre eles, o direito a uma educação específica, diferenciada, intercultural e bilíngue.

As reivindicações do Movimento Indígena por uma educação específica acabam sendo acolhidas na Constituição de 1988, que, no art. 231, garante aos povos indígenas o direito à cidadania plena e ao reconhecimento de sua identidade diferenciada e sua manutenção. Esse direito acaba sendo confirmado no texto da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996 que, em seu art. 32, assegura aos povos indígenas o direito à língua materna e aos processos próprios de aprendizagem e, em seu art. 78, atribui ao Sistema de Ensino da União a tarefa de desenvolver programas de pesquisa e ensino visando à oferta de uma educação escolar bilíngue e intercultural para os povos indígenas. Em 1999, com base nessa legislação, o Conselho Nacional de Educação(CNE), através da resolução CEB nº 3/99, fixa as diretrizes nacionais para o funcionamento das escolas indígenas criando a categoria de escola indígena e garantindo a formação para os professores indígenas.

É nesse contexto que começam a surgir, dentro das políticas públicas educacionais brasileiras, nos anos 1990, inúmeros programas de implantação de escolas indígenas e projetos de formação de professores índios – os Magistérios Indígenas -, para atuarem nas escolas de suas aldeias.

Como consequência da ampliação e continuidade dos programas de implantação de escolas indígenas, em todas as regiões brasileiras, há um significativo crescimento do número de estudantes indígenas que terminam os primeiros anos do Ensino Fundamental. A necessidade de continuidade dos estudos acaba fazendo com que, em muitas comunidades indígenas, estudantes indígenas se desloquem para cidades próximas às suas aldeias, criando uma série de problemas para esses jovens e suas famílias, tais como: i) um expressivo êxodo das comunidades para os núcleos urbanos, com famílias inteiras fixando-se nas periferias favelizadas, perdendo em qualidade de vida e esvaziando as aldeias; ii) a perda do convívio familiar e comunitário pelos jovens e a descontinuidade de sua aprendizagem nos valores e práticas socioculturais de afirmação da identidade e pertencimento étnicos; iii) o envolvimento desses jovens com todos os riscos sociais próprios aos contextos urbanos; iv) o sofrimento gerado pela discriminação e o preconceito, que afeta o desempenho escolar e a autoestima.(SECAD/MEC, 2007)

Diante dessa nova realidade, surge a demanda por uma formação em nível superior, qualificando os professores para lecionarem nos últimos anos do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, nas escolas indígenas das aldeias.

Em 2001, o Plano Nacional de Educação – PNE  (lei 10.172/01) traz um capítulo sobre a educação escolar indígena, reconhecendo que a educação bilíngue, adequada às peculiaridades culturais dos diferentes grupos, é mais bem atendida através de professores índios e propondo a implementação de programas contínuos de formação sistemática de professores indígenas (meta 16), além de programas especiais para a formação de professores indígenas em nível superior (meta 17).

Em 2002, atendendo a uma solicitação da Organização de Professores Indígenas de Roraima (OPIR), o CNE, através do Parecer 10/02, pronuncia-se quanto à formação de  professores indígenas em nível universitário, dizendo que as universidades de ensino superior compreendidas no sistema federal de educação, em especial as instituições federais de ensino, devem se comprometer com a meta 17 da Educação Indígena tal como posta no PNE.

Como resultado dessas demandas, em 2005, O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO – MEC -, por intermédio da Secretaria de Educação Superior – SESu e da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – SECAD –, através do edital  nº5 de 29/06/2005, lança o PROLIND – Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Indígenas, convocando as Instituições de Educação Superior – IES públicas federais e não federais a apresentarem propostas de projetos de Cursos de Licenciaturas específicas para formação de professores indígenas e de Permanência de alunos indígenas.

No edital do PROLIND, o MEC deixa claro que apoiará projetos de Cursos de Licenciaturas específicas para a formação de docentes indígenas que integrem ensino, pesquisa e extensão e promovam a valorização do estudo de temas indígenas relevantes, tais como línguas maternas, gestão e sustentabilidade das terras e das culturas dos povos indígenas. Os projetos apoiados deverão também promover a capacitação política dos professores indígenas como agentes interculturais na promoção e realização dos projetos de futuro das comunidades indígenas.

As Licenciaturas Indígenas têm como objetivo formar e habilitar professores indígenas, com enfoque intercultural, para lecionar nas Escolas de Ensino Fundamental e de Ensino Médio, em áreas de conhecimento, entre elas: línguas, artes e literaturas; ciências da natureza; matemática; ciências sociais e humanidades. Dessa forma, os cursos procuram romper com o modelo disciplinar, propondo uma formação mais  global e menos fragmentada de seus estudantes.

Apesar de bastante diversos, a grande maioria dos cursos de Licenciatura Indígena é organizada através de etapas intensivas de ensino presencial, desenvolvidas, normalmente, nas universidades e etapas intermediárias, que acontecem nas aldeias, onde os estudantes realizam tarefas das etapas intensivas, pesquisas, projetos e produção de material didático. Essa estrutura permite que os professores indígenas possam estudar e continuar lecionando em suas escolas.

Os currículos, pensados na perspectiva da interculturalidade, procuram um diálogo entre os conhecimentos tradicionais das comunidades indígenas e os conhecimentos acadêmicos da cultura ocidental. A valorização das línguas indígenas tem sido um dos objetivos das Licenciaturas Indígenas, mas, contraditoriamente, o português ainda aparece como a principal língua utilizada para a transmissão e construção dos conhecimentos curriculares, revelando a dificuldade de se criar estratégias para que as línguas indígenas sejam utilizadas nos próprios cursos.

Um dos aspectos mais significativos das Licenciaturas Indígenas diz respeito à produção de materiais didáticos de autoria indígena. Assim, as discussões e pesquisas desenvolvidas nos cursos são transformadas em publicações que voltam como material pedagógico para as escolas indígenas.

É importante ressaltar que muitos cursos de Licenciatura Indígena no Brasil foram construídos numa parceria entre Estado e Movimento Indígena, criando um espaço de gestão compartilhada nos cursos. Os colegiados, geralmente, contam com a participação de lideranças indígenas e as assembleias, com a participação de estudantes, professores e lideranças indígenas, são usadas como instâncias de avaliação e planejamento das etapas dos cursos.

Esses cursos de Licenciatura Indígena têm se configurado como experiências privilegiadas de uma educação intercultural, com a formação de um quadro de intelectuais indígenas capaz de pensar e estar à frente da educação de seu povo, trazendo, também, novos desafios para se pensar a educação intercultural no âmbito das universidades brasileiras.

Bibliografia

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasilia: Senado Federal, 1988.

 

BRASIL. Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 10 jan. 2001.

 

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 dez. 1996.

 

BRASIL. Ministério da Educação.Secretaria de Educação Superior. Edital de Convocação nº 5, de 29 de junho de 2005. Diário Oficial da União, Brasília, 30 jun. 2005.

 

BRASIL. Parecer CNE/CEB nº 14, de 10 de novembro de 1999. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena. Diário Oficial da União, Brasília, 19 out. 1999.

 

BRASIL. Parecer CNE/CP, n. 10, de 11 de março de 2002. Solicita pronunciamento do Conselho Nacional de Educação quanto à formação de professor indígena em nível universitário. Diário Oficial da União, Brasília, 11 abr. 2002.

 

BRASIL. Resolução CNE/CEB, n° 3, de 10 de novembro de 1999. Fixa Diretrizes Nacionais para o funcionamento das escolas indígenas e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 17 nov. 1999.

 

HENRIQUES, R. et al. (Org.). Educação escolar indígena: diversidade sociocultural indígena ressignificando a escola. Brasília: Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2007. (Cadernos Secad 3).