MATRIZ DE COMPETÊNCIA
Dispositivo esquemático que organiza de forma relacionada funções, subfunções, competências e habilidades, relativas ao exercício profissional, em uma determinada área de produção, sendo resultantes da análise dos respectivos processos de trabalho. Como funções compreendem-se o conjunto homogêneo de atividades que integram uma etapa do processo de produção. As subfunções resultam da decomposição das funções em diferentes níveis, englobando um conjunto de atividades específicas. As competências, por sua vez, equivalem aos recursos subjetivos (conhecimentos, capacidades, atitudes e valores) mobilizadas pelo profissional frente a situações concretas de trabalho. Quando objetivadas, as competências são enunciadas na forma de desempenhos, utilizando-se, normalmente, a expressão deve ser capaz de, seguida de um verbo de ação e, posteriormente, do objeto dessa ação. A lista de competências resultante desse trabalho equivale ao perfil de competência que caracteriza o profissional da área. Este pode apresentar, ainda, as habilidades, que se referem mais diretamente ao plano do saber-fazer. Além desses parâmetros, a matriz de competência pode incluir, também, os conhecimentos necessários às competências e habilidades esperadas, assim como o grau requerido de competência além do seu grau de importância para o processo de trabalho.
Para a análise dos processos de trabalho, existe uma variedade de metodologias. Elas se aportam, porém, em três referências principais, a saber: o condutivismo, o funcionalismo e o construtivismo. A referência condutivista compreende a competência, sobretudo, como a descrição do que a pessoa pode fazer. Assim definida, as competências são características que diferenciam um desempenho superior de um desempenho médio ou pobre. Por isso, a análise parte da pessoa que faz bem seu trabalho de acordo com os resultados esperados. A análise funcional se origina no pensamento funcionalista da sociologia, tendo sido acolhida pela nova teoria dos sistemas sociais. Por essa teoria, a análise funcional não se refere somente ao sistema em si, mas também à sua relação com o entorno (mercado, tecnologia, relações sociais e institucionais, etc.). A análise do processo de trabalho é feita estabelecendo-se uma relação entre problemas e resultados. As competências são deduzidas das relações entre resultados e habilidades, conhecimentos e atitudes dos trabalhadores. Finalmente, a referência construtivista, desenvolvida por Bertand Schwartz, na França, tem como finalidade evidenciar as relações mútuas e as ações existentes entre os grupos, seu entorno, situações de trabalho e situações de capacitação (SCHWARTZ, 1995). Ou seja, as competências não são deduzidas independentemente das necessidades e propostas formativas. O método rechaça a defasagem entre construção das competências e a implementação de uma estratégia de capacitação. Com isso, as competências não são deduzidas somente a partir das funções ocupacionais, mas concede igual importância à pessoa, aos seus objetivos e às suas possibilidades.
Críticas à adoção dessa racionalidade no campo pedagógico não são raras. Malglaive (1994, p. 122), por exemplo, argumenta que o saber-fazer, evidência explícita das competências como ações observáveis, é governado por outras ações inobserváveis: as ações mentais. Assim, capacidade e atividade correspondem a duas formas de ação: a ação mental, implícita, não observável, correspondente à cognição; e a ação manifesta, explícita, observável, correspondente à atividade. Ainda que sejam mecanismos específicos, capacidade e atividade ou cognição e ação formam uma unidade. Não obstante, as matrizes de competência tendem a cindir essa unidade. Além disso, afirmar que alguém deve ser capaz de, tal como se enunciam as competências, não diz nada do conteúdo dessa capacidade. Conforme afirma o mesmo autor, o perfil de competências de um profissional não diz nada sobre o que eles devem adquirir para serem capazes de fazer o que se pretende que eles façam. Por isso, é preciso aceitar que o desenvolvimento de competências é uma consequência e não o conteúdo em si da formação, assim como sua manifestação no processo de trabalho depende de um conjunto de mediações que estão além dos atributos subjetivos do profissional.
Deluiz (2001) discute a possibilidade de construção de um referencial crítico-emancipatório, cujos fundamentos teóricos estariam no pensamento crítico-dialético, pretendendo não só ressignificar a noção de competência, atribuindo-lhe um sentido que atenda aos interesses dos trabalhadores, mas também apontar princípios orientadores para a investigação dos processos de trabalho. Em convergência com essa proposição, Ramos (2003) apresentou como princípio epistemológico do currículo a compreensão totalizante dos processos de trabalho, incorporando na análise, além da dimensão científico-tecnológica, as dimensões ético-políticas, sócio-históricas, ambientais, culturais e relacionais do trabalho.
Ocorre, entretanto, que essa perspectiva, por se tratar de uma concepção teórico-metodológica e ético-política da formação profissional, não é redutível a metodologias de análises de processo de trabalho. Em síntese, a descrição precisa, definitiva, exaustiva de qualquer processo de trabalho, cujos parâmetros são organizados e apresentados numa matriz de competência, não capta as múltiplas determinações desse processo e, menos ainda, a complexidade da ação humana que está em jogo na sua realização.